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Aprovação de impeachment desgasta nova candidatura de Trump, diz especialista

Momento é constrangedor e pegou o republicano de surpresa, analisa o pesquisador Roberto Goulart Menezes

Donald Trump se tornou o primeiro presidente dos EUA a sofrer dois processos de impeachment. Foto: MANDEL NGAN/AFP
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De que serviria a aprovação de um pedido de impeachment contra Donald Trump nos últimos dias de mandato? Para Roberto Goulart Menezes, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos, dois efeitos podem ser observados a partir da votação nesta quarta-feira 13: o rompimento entre Trump e o Partido Republicano e o desgaste de uma possível candidatura do magnata em 2024, com risco de inelegibilidade.

O pedido de impedimento ainda precisa ser aprovado pelo Senado, mas a passagem na Câmara já é histórica por dar a Trump o título de primeiro chefe da Casa Branca a enfrentar dois processos de impeachment. Em 2019, acusado de abuso de poder e obstrução de Justiça e do Congresso – o processo foi barrado pelos senadores. Agora, Trump é responsabilizado por “incitação a insurreição”, referente ao caso da invasão ao Capitólio.

Para Goulart Menezes, este momento é mais constrangedor para o presidente. Ao contrário do primeiro processo, rejeitado pelos republicanos, a sua derrubada agora conta com maior apoio de lideranças ascendentes do próprio partido. No Senado, só o fato de o resultado estar em aberto expressa como o empresário se tornou persona non grata entre seus correligionários.

A seguir, leia os comentários de Menezes a CartaCapital:

CartaCapital: É um momento constrangedor para Trump?

Roberto Goulart Menezes: Não sei se o Trump está constrangido, mas ele foi pego de surpresa. Ao longo de quatro anos, foi aumentando sua aposta, num ataque contínuo às instituições dos Estados Unidos. Mas tinha, sobretudo, a retaguarda do Partido Republicano, dada pela maioria no Senado.

Trump personalizou demais a presidência. Assim, começou a ter no horizonte a ideia de que suas ações seriam ilimitadas. Para o grande público, sempre transmitiu essa ideia de que teria poderes além do que o cargo o outorga. Vimos isso desde o momento em que ele foi derrotado, isso ficou expresso naquele telefonema para a Geórgia para reverter o resultado das eleições. Depois, tentou atrair as Forças Armadas, que recuaram. Recentemente, prometia desfazer a posse do Biden até a véspera.

Nesse sentido, ele estaria mais do que constrangido: está surpreso. Tanto que, desde ontem, vem pedindo para que seus apoiadores evitem qualquer ato de vandalismo ou situação de violência na posse do Biden.

CC: Essa votação marca o rompimento entre o Partido Republicano e Trump?

RGM: Sem dúvidas. Inclusive, o [presidente do Senado] Mitch McConnell não deixou claro o seu voto. Essas lideranças estão aproveitando para fazer uma espécie de resgate do Partido Republicano. É como se dissessem: ‘Nós queremos novamente um partido conservador, alinhar nossas bandeiras e deixar a extrema-direita como um erro de percurso’. Até porque, eles perderam muitos votos com o Trump.

Guardadas as proporções, é mais ou menos o que ocorreu na eleição de 2014 no Brasil. No segundo turno, Marina Silva, que havia ficado como a terceira colocada, apoiou Aécio Neves. Só que o Aécio Neves foi para um caminho da direita radical, mirando a extrema-direita. Quadros como Fernando Henrique Cardoso e José Serra estranhavam aquele comportamento e pediam a volta de um certo perfil do partido. No caso do Trump, lideranças republicanas já sabem que não há mais o que fazer.

A gestão Trump ficará marcada por esses últimos quinze dias

CC: A aprovação do impeachment pela Câmara desgasta uma possível candidatura de Trump para 2024?

RGM: Sim. O conjunto da obra se desgasta muito. A vida pessoal do Trump vai se transformar em um mar muito revolto, porque ele tem muitos problemas na esfera privada, como grandes dívidas, e isso vai absorver muito a energia dele. Ele precisará de tempo para se dedicar a uma oposição sem ter nenhum cargo, isso não é pouca coisa.

Além disso, dentro do Partido Republicano, ele vai se tornar persona non grata, sobretudo para lideranças ascendentes. É muito difícil que o partido, em 2024, seja cooptado pelo trumpismo. Na medida que ele sair do governo, o partido não terá maioria nem na Câmara, nem no Senado, e precisará se esforçar muito para conseguir fazer frente ao governo Biden com alguma proposição.

No Brasil, a intimidação por parte do Bolsonaro e de seus apoiadores não provoca o mesmo sentimento nas instituições

CC: Mais um processo de impeachment contra o Trump impulsiona, de alguma forma, o impeachment de Bolsonaro?

RGM: Essa relação causal tem sido feita, inclusive sobre a invasão ao Congresso. Creio que o caso do governo Bolsonaro é o oposto. Bolsonaro alimentou o gabinete do ódio, com milícias digitais, seus arroubos tentaram acuar o Supremo e, naquela reunião ministerial, houve aquela declaração de que prenderiam “esses vagabundos”.

Já sobram motivos para impeachment do Bolsonaro. Mas o cálculo político de uma figura política como o Doria, ou de partidos como DEM e PSDB, é de que o Bolsonaro vá se desidratando no caminho tradicional. Em 2021, é o último ano de mandato dele, de fato. Quando virar o relógio para 2022, a disputa já vai estar colocada.

Nesses elementos, é difícil analisar como um reflexo. Mas, no Brasil, a intimidação por parte do Bolsonaro e de seus apoiadores não provoca o mesmo sentimento nas instituições. Como diz o presidente da OAB, só as ruas podem pressionar pelo impeachment. Há uma equação aí: com a vacina e todos imunizados, protestos devem ocorrer. Então, Bolsonaro estará na defensiva, porque seus ataques já não surtem os mesmos efeitos.

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