Mundo

assine e leia

Apagado da fotografia

Antes ameaçador, Yevgeny Prigozhin, do grupo Wagner, torna-se uma sombra de si mesmo

Apagado da fotografia
Apagado da fotografia
De caçador a caça. Muita gente prevê que estão contados os dias do antes temido Prigozhin – Imagem: Telegram/Concord Group/AFP
Apoie Siga-nos no

De repente, Yevgeny ­Prigozhin é um fantasma. Ele está na Bielorrússia ou em São Petersburgo? Em imagens não confirmadas que o fazem parecer um vilão de James Bond, desfila numa cobertura, seguido por um guarda-costas musculoso, senta-se num helicóptero e desaparece nos céus de São Petersburgo.

Há quase uma década Prigozhin semeia escândalos na Rússia. Criou um império de fábricas de trolls, chefiou a interferência da Rússia em eleições estrangeiras e financiou o grupo mercenário ­Wagner, que lutou na Ucrânia e apoiou ditadores na África.

No motim recente, também pediu revolta, ao liderar uma rebelião armada que muitos temem que possa se transformar em acerto de contas ou até mesmo em saques em Moscou, incluídas as casas luxuo­sas do rico bairro de Rublyovka. “Esse pedido para pegar aqueles ladrões em ­Rublyovka foi revolucionário”, disse ­Konstantin Remchukov, editor-chefe da Nezavisimaya Gazeta, que esteve com Vladimir Putin numa reunião a portas fechadas com os principais editores. “(A elite) realmente teme Prigozhin como uma possível alternativa a Putin. Não haveria garantias nem proteção nem regras do jogo.”

Em vez disso, é o império de Prigozhin que agora vai desmoronar, encerrando uma década de seus esquemas e truques como parte dos trabalhos mais sujos do Kremlin. Na sexta-feira 30, a Rússia bloqueou os sites dos canais de comunicação Ria Fan, Política Hoje, Economia Hoje, Neva News e Notícias Populares, parte de uma constelação de sites que divulgavam notícias falsas em apoio à agenda de Prigozhin. O meio de comunicação Rotunda, com sede em São Petersburgo, também informou que a Agência de Pesquisas na Internet do oligarca, uma fábrica de trolls na qual estagiários mal pagos tentavam semear raiva e desconfiança por meio de comentários agressivos sob postagens de notícias em redes sociais, havia sido fechada.

Prigozhin negou durante anos ser o fundador da organização, até o início de 2023. “Nunca fui apenas o financiador da Agência de Pesquisas da Internet”, admitiu. “Eu inventei, criei e gerenciei por muito tempo. Ela foi fundada para proteger o espaço de informação russo da propaganda grosseira e agressiva da narrativa antirrussa do Ocidente.” Em uma aparição extraordinária, um editor de seu grupo de mídia Patriot defendeu a fábrica de trolls desde a sua fundação, em 2009: “Era estrategicamente importante desacreditar o trabalho de jornalistas de oposição que tentavam (…) destruir o nosso país”.

Muitas táticas de Prigozhin, desde a sabotagem social online até o recrutamento de condenados nas prisões, foram adotadas pelo governo russo. Diversas corporações estatais e até empresários privados possuem hoje seus próprios grupos de mercenários. E sua presença na mídia, que era ao mesmo tempo irritante e atraente, fez dele uma estrela da noite para o dia, à medida que seu conflito com o Ministério da Defesa esquentava.

Há muito visto como plausivelmente negável, o líder do grupo Wagner agora será simplesmente ignorado, enquanto o governo russo tenta manter seu império mercenário no exterior e sua influên­cia na África, ao mesmo tempo eliminando o papel pessoal de Prigozhin. “Até a guerra em Bakhmut, raramente escrevíamos sobre Prigozhin. Ele era visto como um personagem obscuro, não antigoverno, mas ‘melhor não tocar’”, disse um ex-editor de uma agência de notícias estatal russa, citando contatos com colegas. “Agora é como se ele nunca tivesse existido.” A fonte prossegue:

“Os editores estão dizendo: ‘Certo, abordamos (o motim), mas agora vamos voltar ao normal e Prigozhin nunca mais será discutido, definitivamente, não na tevê’.”

O líder mercenário banido vê seu império desmoronar

Especialistas políticos na Rússia disseram que o conflito poderia ter sido evitado se Putin agisse antes, reconhecendo o papel de Prigozhin na guerra pela Rússia e buscando satisfazer suas preocupações. “Putin poderia ter resolvido isso há muito tempo, mas ele não é sensível a essas coisas”, disse uma fonte informada que falou sob a condição de anonimato. “Bastaria que alguém lhe dissesse: ‘Por favor, vá se encontrar com Prigozhin, ligue e diga-lhe que é incrível, nós o valorizamos, mas, por favor, que ele pode fechar a boca porque não precisamos desta briga pública agora’. Mas Prigozhin viu que poderia criticar o ministro da Defesa e se safar, então aumentou a temperatura.”

Para alguns russos ricos, Prigozhin agora é sinônimo do caos de uma batalha potencial pelo poder na Rússia. O ­Kremlin e seus partidários afirmam que o motim na verdade consolidou o poder de Putin, porque mostrou que sem ele poderia haver uma guerra civil.

“Quando vimos a notícia no sábado, dissemos aos nossos guardas que estivessem prontos para defender o local, se necessário”, afirmou um morador rico de Rublyovka. “Prigozhin é louco, ele é o pior, e capaz de qualquer coisa. Ele sempre fala sobre Rublyovka e o quanto odeia isto aqui. Ele, provavelmente, viria nos pegar primeiro.”

O próprio Prigozhin estaria na Bielorrússia, embora não tenha sido fotografado lá recentemente. Mas muitos se perguntam: quanto tempo ele pode sobreviver? “Pensei algumas vezes no que escreveria, se ele morresse”, disse o ex-editor de notícias do Estado, quando questionado se eles prepararam um obituário. “Não consigo imaginar que ele continua­rá vivo por muito tempo.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. 

Publicado na edição n° 1267 de CartaCapital, em 12 de julho de 2023.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo