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Aos 100 anos, ex-guarda de campo de concentração é julgado por crimes nazistas na Alemanha

Especialistas dizem que a condenação cumprirá uma função “memorial”

Foto: Reprodução
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O processo do mais idoso acusado de crimes nazistas da Alemanha começou nesta quinta-feira (7). Josef Schütz, ex-guarda de um campo de concentração, tem 100 anos.

O ex-cabo da divisão “Totenkopf” (caveira) das Waffen-SS chegou à audiência, em Bradenburg an de Havel, no leste da Alemanha, caminhando com a ajuda de um andador. O advogado do réu, Stefan Waterkamp, disse que ele não se pronunciaria sobre os fatos pelos quais era acusado, e “daria somente informações sobre sua situação pessoal”.

Schültz é acusado de “cumpliciade na morte” de 3.518 prisioneiros quando trabalhava no campo de concentração de Sachsenhausen, próximo a Berlim, entre 1942 e 1945. O ex-SS, que tinha 21 anos na época, é suspeito de ter fusilado prisioneiros soviéticos e de “ajuda e cumplicidade em assassinatos por gás” do tipo Zyklon B.

Entre a abertura, em 1936, e a liberação pelos soviéticos, em 22 de abril de 1945, passaram pelo campo de Sachsenhaussen até 200 mil prisioneiros, principalmente opositores políticos, judeus e homossexuais. Milhares morreram, principalmente de cansaço, devido ao trabalho forçado e às cruéis condições de detenção.

Christoffel Heijer, de 84 anos, assiste ao processo. Seu pai residia na Holanda, foi detido em 1941 pela Gestapo em Metz, no leste da França, e fuzilado em maio de 1942 no campo de Sachsenhausen. “Minha mãe recebeu uma carta dele em 3 de maio de 1942, antes que ele fosse fuzilado. Quando ela soube, alguns dias depois que ele estava morto, ela chorou muito e de repente ficou com os cabelos brancos”, recorda-se.

Rigor chega tarde

O processo ocorre uma semana depois do de Irmgard Furcher, que acabou tendo que ser adiado, devido à tentativa de fuga da ex-secretária de outro campo de concentração nazista, de 96 anos. A nova data da abertura do julgamento é 19 de outubro.

Ampliando os processos a pessoas que executavam o mecanismo nazista, acusados de cumplicidade em assassinato, o país quer ilustrar o rigor de sua Justiça, apesar de ser considerada tardia pelas vítimas.

Schültz “não é acusado de ter atirado em alguém em particular, mas de ter contribuído com estes atos através de seu trabalho de guarda e de saber que tais assassinatos aconteciam nos campos”, explica a porta-voz do Ministério Público de Neuruppin, Iris le Claire.

Boa saúde

Teoricamente, Schütz pode ser condenado no mínimo a três anos de prisão, mas a pena será provavelmente simbólica, devido à idade avançada do acusado. Em agosto, um médico o declarou apto a comparecer, à condição de limitar as 22 audiências, previstas até o começo de janeiro, a duas horas no máximo, cada uma.

O processo será realizado excepcionalmente em um ginásio, situado nas proximidades da residência de Schültz, para diminuir sua locomoção. “Ele tem uma saúde relativamente boa e não mostra nenhum sinal de demência nascente. Podemos afirmar que ele está mental e espiritualmente muito saudável”, afirmou à AFP Thomas Walther, advogado de 11 das 16 partes civis do processo, entre elas, sete sobreviventes. Para ele, não existe um “prazo de validade” para fazer justiça às vítimas dos crimes do Terceiro Reich.

Poucos elementos sobre a vida de Schültz são conhecidos: após o retorno da detenção, no pós-guerra, em 1947, ele teria levado uma vida discreta como serralheiro, na província de Brandemburgo, vizinha de Berlim, sem ser investigado, segundo o jornal Bild. “Até hoje o acusado ficou em silêncio”, disse à AFP seu advogado, Stefan Waterkamp, que não esclareceu se pedirá sua liberação.

Função de memória

“Eu espero que ele dirá ‘eu agi como um idiota, tenho vergonha’, mas sobretudo que ele seja condenado”, diz Antoine Grumbach, de 79 anos, defendido por Walther. O francês assite à abertura do julgamento em memória de seu pai, envolvido na resistência francesa e assassinado em março de 1944, em Sachsenhaussen.

“A função principal deste processo é memorial”, explica Guillaume Mouralis, diretor de pesquisa no CNRS e membro do Centro Marc Bloch, em Berlim.

Em julho de 2020, um tribunal condenou a uma pena de dois anos de prisão o ex-guarda do campo de Stutthof Bruno Dey, de 93 anos. Outros oito casos de ex-SS são atualmente examinados pelo Ministério Público de diferentes províncias da Alemanha.

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