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Ameaça à democracia vem de quem se sente traído pelo sistema, diz Jamil Chade, que estreia podcast em CartaCapital

Com mais de duas décadas de experiência como correspondente internacional, Jamil Chade comanda o podcast semanal ‘De Cabeça Para Baixo’

Ameaça à democracia vem de quem se sente traído pelo sistema, diz Jamil Chade, que estreia podcast em CartaCapital
Ameaça à democracia vem de quem se sente traído pelo sistema, diz Jamil Chade, que estreia podcast em CartaCapital
O jornalista Jamil Chade. Foto: Reprodução
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Jamil Chade viu e segue de perto as acentuadas mudanças que atravessam algumas das principais democracias ocidentais. Com mais de duas décadas como correspondente internacional na Europa – e, agora, com uma passagem pelos Estados Unidos –, o repórter e internacionalista esteve em mais de 70 países. Cobriu alguns dos grandes eventos que marcaram rumo histórico deste início de século XXI. E conversou com todo tipo de pessoa, registrando histórias de personagens – famosos e anônimos – que ajudaram a escrever a história das gerações atuais. 

Agora, Jamil chega à CartaCapital com o podcast De Cabeça para Baixo. A tarefa é do tamanho da complexidade que os tempos atuais exigem: explicar as crises políticas, os conflitos e as disputas por direitos da atualidade. E os efeitos de tanta incerteza presente para a democracia.

A ideia é oferecer aos ouvintes e leitores debates aprofundados sobre os desafios atuais. “A questão da censura e da liberdade de expressão, migração, deportação. Da questão nuclear à participação de migrantes na construção de sociedades”, diz.

Ouça o episódio de estreia.

Pilares do mundo estão sob ameaça 

O que, então, está em jogo neste momento histórico? Para ele, “evitar o desmonte de décadas de construção dos direitos humanos, do desenvolvimento social, e de uma visão civilizatória que, de fato, aumentou a expectativa de vida e o bem-estar social”. 

Eis um risco real. Que, hoje em dia, praticamente nenhum país do mundo pode se dar ao luxo de se dizer imune. A contestação explícita aos pilares da convivência democrática é uma ameaça constante no Brasil e se faz, hoje, latente no centro da Europa Ocidental e nos Estados Unidos. “A nessa geração tem a obrigação de confrontar essa situação de olhos abertos, sem a tentação de normalizar absurdos e desmontes, e assumindo a defesa da democracia”, diz Jamil.

Para começar a compreender questões dessa natureza, é preciso ter a noção de como, neste século, a ameaça à democracia se faz. E como ela se diferencia das ameaças do passado. Com figuras como Donald Trump no poder e seus satélites em outros países no mundo – a exemplo de Jair Bolsonaro no Brasil e Javier Milei na Argentina –, assim como com o crescente fechamento da Europa àquilo que chega de fora –, a ameaça democrática de hoje não faz estardalhaço ao usar tanques, como no passado, nem mesmo é algo que vem de fora do sistema. É uma ameaça interna.

“A ameaça à democracia no século XXI passa por usar os instrumentos democráticos para, depois, desmontá-los. É a manipulação desses mecanismos – principalmente a eleição – para restaurar no poder determinado movimento. Como está acontecendo nos Estados Unidos. É equivocado pensar que existe um movimento que é só inconstitucional. Ele vai além disso”, explica Jamil.

Ele também alerta: “não espere pelos tanques para derrubar a porta do palácio presidencial e a gente declarar que a democracia morreu”. 

“Não está sendo assim nos EUA, por exemplo. Está sendo algo muito nítido quando você prende juízes, quando você não atende às decisões judiciais, quando você criminaliza a oposição, quando a censura é absoluta a qualquer pensamento que contrarie o seu pensamento, e quando se retira direitos daquelas populações que não estão conforme à sua visão de mundo”, diz.

Uma crise interna 

Em ‘De Cabeça para Baixo’, o repórter vai se debruçar sobre fatos. No ofício jornalístico, são eles que importam. Resgatar a importância dos fatos, na visão de Jamil, faz com que se evite cair em narrativas com pouca ou nenhuma base na realidade concreta. Para tratar dos fatos do atual momento do mundo, é preciso retomar fatos do passado. Para que seja possível começar a responder à seguinte questão: como chegamos a tamanho risco democrático?

Jamil lembra da crise financeira de 2008, a mais grave da história do capitalismo, superada apenas pela Grande Depressão de 1929. E descreve como viu o comportamento das pessoas mudarem, deixando de formar sociedades afeitas ao sistema democrático, e passando a se sentir traídas por esse mesmo sistema.

“Há 25 anos, quando cheguei na Suíça, para falar em partidos de extrema-direita se falava até sussurrando, porque era uma vergonha falar deles ou citá-los. Era quase uma absurdo considerar que aquilo ali era uma realidade política”, descreve. “Tanto na Europa como nos EUA, o ponto fundamental é a crise financeira de 2008. Ali, uma sociedade inteira é traída pelos seus partidos tradicionais, que usam o dinheiro da população, dos idosos, e o próprio estado de Bem-Estar social para salvar o capitalismo. O resultado disso é uma enorme frustração em relação a partidos tradicionais”, explica Jamil. 

“De uma forma muito clara, eles traíram a democracia. Ali é um ponto de virada no comportamento das sociedades, de dizer ‘não, eu não confio mais nesse sistema que diz que eu era o centro, e não sou mais'”, diz ele, que afirma que a frenética aceleração tecnológica da atualidade “dá uma sensação de que a sociedade está perdendo o controle do seu destino”, o que contribui ainda mais para a grande sensação de insegurança que marca os nossos tempos.

Com esses e tantos outros temas, ‘De Cabeça para Baixo’ vai ao ar toda quinta-feira no Spotify, no YouTube ou na sua plataforma de áudio favorita.

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