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Abstenção é um risco para a reeleição de Macron, diz cientista político francês
Os números mais recentes sobre as intenções de voto no primeiro turno mostram que o apoio ao atual presidente se estabilizou em cerca de 27%


Um importante cientista político francês alertou os eleitores para que não considerem a eleição presidencial uma conclusão previsível, pois tudo pode acontecer antes do primeiro turno, em 10 de abril. Dominique Reynié, chefe do influente grupo de pensadores Fondapol, sugeriu que é perigoso os eleitores não irem votar apenas porque as pesquisas de opinião preveem a vitória de Emmanuel Macron. A combinação da Covid-19 com a guerra na Ucrânia tornou a eleição imprevisível, afirmou, antes de admitir que mesmo especialistas em análise de padrões de votação não podem prever o resultado com segurança. “Esta não é uma eleição como qualquer outra, e não vejo de forma alguma que o resultado esteja garantido. Podemos dizer uma coisa hoje e amanhã pode ser diferente”, declarou Reynié, professor da universidade Sciences Po em Paris, a jornalistas estrangeiros. “Não podemos ter certeza de nada.”
Macron desfruta de um aumento de popularidade nas pesquisas atribuído em grande parte ao seu papel como intermediário global entre Moscou e Kiev. Os números mais recentes sobre as intenções de voto no primeiro turno mostram que o apoio ao atual presidente se estabilizou em cerca de 27%, ligeira queda em relação à semana anterior, mas acima do período que antecedeu a invasão da Ucrânia pela Rússia. Marine Le Pen, da extrema-direita, que costumava apoiar Vladimir Putin, mas recentemente se distanciou, subiu para 21%. O candidato da esquerda Jean-Luc Mélenchon alcançou o terceiro lugar, com 13%, com a candidata de direita Valérie Pécresse atrás dele (12%) e Éric Zemmour, com 10%. A candidata socialista Anne Hidalgo está em oitavo lugar, com 2%, atrás do criador de ovelhas Jean Lassalle, com 3%, Fabien Roussel do Partido Comunista, com 4%, e Yannick Jadot, dos Verdes, com 5%. Isso levaria a um segundo turno entre Macron e Le Pen, uma repetição da eleição presidencial de 2017, com pesquisas a prever uma vitória do primeiro por 55% a 45%.
Uma pesquisa para o jornal Les Echos sugeriu que o custo de vida e as proteções sociais, incluído o Estado de Bem-Estar Social, continuam a ser as principais preocupações dos eleitores. A guerra na Ucrânia foi citada por pouco mais de um quarto como um fator que influenciará seu voto. “A vantagem para Macron é que, neste momento de guerra, os cidadãos se unem ao presidente, que é o chefe dos militares e da política exterior. E há a ideia de que não é razoável nesta situação ter um novo presidente sem experiência”, avaliou Reynié. O cientista político alertou, porém, para o fato de que o “efeito bandeira” pode ser um tiro pela culatra se as consequências econômicas da guerra, sobretudo o aumento dos preços dos combustíveis, atingirem demais o bolso dos eleitores franceses. “É claro que não podemos comparar problemas como o custo de vida com a tragédia na Ucrânia, mas temos de levá-los em consideração.” Reynié avança: “Os franceses estão chocados com a agressão de Putin e são pró-Ucrânia, mas é uma situação difícil e em evolução. Além disso, os eleitores franceses não acham que devem pagar por este esforço de guerra. Em muitos países, esta, provavelmente, seria considerada uma ideia engraçada, mas, na França, os eleitores muitas vezes consideram que o esforço não cabe a eles, mas ao ‘Estado’, sem entender que ‘o Estado’ é a mesma coisa que ‘os franceses’. Não acredito que dirão ‘oh, que pena para os ucranianos’, mas poderão dizer que o Estado deve pagar por isso”.
“Esta não é uma eleição como qualquer outra”, diz Dominique Reynié, do Grupo Fondapol
O jornal Le Monde descreveu esta corrida presidencial como uma “campanha fantasma” – terminada antes mesmo de começar –, mas Reynié disse que os eleitores que não comparecerem porque acreditam que não faz sentido se arriscarem a uma repetição do trauma presidencial de 2002, quando a combinação de abstenção com votos de protesto fez Jean-Marie Le Pen, da extrema-direita, nocautear o candidato socialista no primeiro turno. “Em 10 de abril pode haver uma forte abstenção de eleitores moderados que são contra Marine Le Pen, mas hostis a Emmanuel Macron, e este é o maior grupo do eleitorado. Se eles não comparecerem no primeiro turno, pensando que é uma conclusão previsível, simplesmente não sabemos quais serão as consequências. O que sabemos é que a alta abstenção cria situações irreversíveis e enfraquece a natureza democrática do voto.”
Reynié disse que, se Macron ganhar o segundo mandato, precisará de uma pontuação convincente para aprovar reformas controversas, entre elas aquela do sistema previdenciário, há muito prometida. “Sabemos como a população reagirá às medidas contestadas: dirá que votamos em você porque houve a guerra na Ucrânia, votamos em você porque você era contra Marine Le Pen. Não votamos em você para fazer essa reforma.” Ele acrescentou: “Vou arriscar e dizer que, se fosse apostar, seria na reeleição de Emmanuel Macron, mas estou arriscando por causa de todas as coisas sobre as quais não tenho controle e que podem ter ramificações. Com base nas pesquisas de opinião e intenções de voto hoje, podemos dizer que é provável, mas apenas uma probabilidade: seria absurdo dizer que a reeleição de Emmanuel Macron é certa”. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1202 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Já ganhou? Ainda não”
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