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A vida de refugiados na Alemanha dois anos após boas-vindas de Merkel

Chanceler surpreendeu o mundo ao abrir as fronteiras em 2015, acolhendo centenas de milhares de refugiados. Quão bem integrados eles estão à Alemanha?

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Por Phoebe Cooke

Na elegante cidade de Wismar, no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, no Leste alemão, turistas passeiam pelas ruas de paralelepípedos e admiram a arquitetura gótica de todos os ângulos. A sensação é de que este porto hanseático parou no tempo, e que a era medieval deixou mais vestígios do que a recente crise migratória.

Há exatos dois anos, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, pronunciou o mais famoso slogan da crise migratória, “Nós vamos conseguir”, após sua decisão de abrir as fronteiras alemãs a milhares de refugiados. Mais de 1,3 milhão pediram asilo na Alemanha desde então. No entanto, o pouco populoso estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental provou não ser um destino popular.

Três quartos dos 19 mil refugiados que lá receberam asilo em 2015 se mudaram para outras regiões do país antes de a controversa “lei de integração” entrar em vigor, para reverter essa tendência em todo o país.

A jovem síria Tasneem Almurdi, de 19 anos, que recebeu asilo em março de 2016, também está sujeita a essa lei: desesperada para deixar o estado, ela tem que permanecer nele pelo menos três anos.

“Viver aqui é a coisa mais terrível da vida”, reclama Almurdi. “Tenho muitos amigos que estão vivendo no Oeste, e lá eles não se sentem como estrangeiros. Fiquei chocada como as pessoas aqui são pouco amigáveis.”

Diferenças entre Leste e Oeste

René Fuhrwerk, de 38 anos, trabalha como mentor no Conselho para Refugiados de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, onde informa migrantes como Tasneem sobre seus direitos de asilo. Para ele, os que têm asilo não deveriam ser obrigados a ficar num estado contra a própria vontade, já que na União Europeia vigora a liberdade de movimento.

“Em vez disso, deveria haver um maior esforço para tornar os lugares mais atraentes para os refugiados, através de medidas de integração, aprendizagem da língua e incentivo do contato com sua família e amigos na cidade natal.”

Os estados do Leste alemão têm fama de ser menos amigáveis com os estrangeiros do que os do Oeste. A Renânia do Norte-Vestfália é particularmente atraente para os refugiados. Sua população de 17,5 milhões é maior do que a de toda a antiga Alemanha Oriental, e inclui mais de 500 mil residentes turcos.

“As pessoas têm na cabeça que o Leste alemão está cheio de nazistas. Na antiga Alemanha Ocidental há uma história de imigração mais longa”, afirma Fuhrwerk. “Mas alguns sírios preferem estar aqui. Se você for para Bochum [no norte da Renânia do Norte-Vestfália], eles podem fazer tudo em língua árabe. Aqui, o refugiado tem que aprender alemão, integrando-se melhor e tendo mais contato com as pessoas daqui.”

Falar alemão não é tudo

Sobretudo os refugiados mais jovens conseguem aprender alemão rápido nas assim chamadas classes de boas-vindas, onde eles têm aulas intensivas de idioma nas escolas de seus coetâneos alemães, ainda que em salas separadas. Mas, apesar de falar o idioma bastante bem para se comunicar, Tasneem tem dificuldades em se adaptar.

“O melhor ainda é quando as pessoas nem falam comigo. Quando falam, dizem palavras feias, que eu nem posso repetir”, conta a jovem natural de Aleppo. “Eu ouço essas palavras o tempo todo, nas ruas, no pátio da escola. É porque eu uso hijab. Eu tenho que lidar com isso, não posso me mudar daqui. Eu quero, mas não posso.”

É difícil avaliar se essas experiências são indicativo de uma intolerância mais ampla contra os refugiados. Em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, o apoio a Merkel despencou em 2016, quando o partido da chanceler federal alemã perdeu as eleições estaduais para a Alternativa para a Alemanha (AfD), anti-imigração e populista de direita.

No entanto, o apoio a Merkel se recuperou um pouco no estado e em todo o país, o que pode estar relacionado à redução do afluxo de refugiados e à implementação de uma linha mais dura na política migratória.

Perda da família

A sensação de calma após a crise migratória pode ser sentida num centro dirigido pela organização Alep, localizada no bairro berlinense de Neukölln, onde moram refugiados desacompanhados do sexo masculino, entre 16 e 20 anos de idade.

A organização propicia ajuda especializada no local, tanto sobre os trâmites da complexa burocracia alemã como garantindo-lhes acesso adequado a cuidados de saúde. O objetivo é ajudar os jovens a se tornarem membros participantes e totalmente independentes da sociedade alemã.

O assistente social Jonas Gugel, de 29 anos, diz que a situação está muito melhor agora do que no ”catastrófico” outono de 2015, quando os recursos eram extremamente apertados. Mas os refugiados ainda enfrentam inúmeros desafios, especialmente quando não têm status legal fixo, o que restringe suas possibilidades de trabalho e acesso a benefícios.

Ao trauma emocional que esses menores desacompanhados sofreram para chegar à Alemanha, soma-se ainda a separação familiar. “Eles nunca sabem o que aconteceu com suas famílias, elas podem estar em perigo”, relata Jonas. “Isso representa muita pressão para um jovem; tanto a ansiedade sobre o que pode estar acontecendo com as famílias, como a expectativa que estas colocam sobre eles.”

Um de seus pupilos, Fayez Sukkareih, teve que deixar a família para trás em Damasco quando partiu sozinho para a Alemanha aos 16 anos. Hoje aos 20, Sukkareih fala alemão fluente, aprendido inteiramente nas classes de boas-vindas. Ele apenas começou um aprendizado num serviço de catering, a fim de perseguir o sonho de abrir uma loja de doces teuto-síria em Berlim.

Clima mais negativo

Depois de chegar na Alemanha no fim de 2014, Sukkareih passou os dois primeiros anos em Zehlendorf, no sudoeste de Berlim, onde os colegas alemães eram “incrivelmente amigáveis”. Mas ele acredita que as atitudes em relação aos refugiados mudaram nestes dois anos desde que Merkel abriu as fronteiras. Embora vivendo em Neukölln, onde mais de 40% dos moradores têm origens estrangeiras, ele não se sente mais em casa do que Tasneem em Wismar.

“No começo eu me sentia bem-vindo, agora não mais”, queixa-se Sukkareih. “Os berlinenses costumavam ser amigáveis, mas agora somos postos de lado. Eles não querem mais nada conosco.”

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Ele acredita que a mudança de atitude está diretamente relacionada ao número de refugiados que entrou na Alemanha desde 2015, bem como o aumento dos ataques terroristas na Europa.

“Eles estão preocupados com a nossa religião, e acham que a gente é do ‘Estado Islâmico‘. Eu tenho cabelo preto, dá para ver que eu sou árabe. Agora eles dizem: ‘Saia daqui! O que você quer aqui?’ Não me dão nem a chance de ir ver um apartamento para alugar, por causa do meu sobrenome.”

País de imigrantes

O assistente social Gugel acredita que a falta de discussão pública em torno dos refugiados está impedindo a integração. “De um lado você tem a AfD. Do outro, a No Borders [uma rede de grupos antirracistas]. Se alguém questiona em público o número de refugiados, é logo colocado nas fileiras da AfD. Há uma carência real de debate saudável.”

De volta à sonolenta Wismar, o conselheiro René Fuhrwerk espera que a Alemanha encontre um jeito de avançar. Afinal, ela sempre foi um país de imigrantes, mesmo que muitos não queiram escutar isso.

“A cultura das outras pessoas é enriquecedora, e para mim o país é uma mistura de várias coisas, de várias culturas. Nós sempre dizemos que a gente de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental demora 100 anos para se acostumar a qualquer coisa. Eles estão sempre um pouco atrasados”, brinca Fuhrwerk. “Vamos chegar lá, mas isso vai levar algum tempo.”

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