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“A solução é um só Estado para israelenses e palestinos”

Para Jeff Halper, diretor do Comitê Israelense Contra a Demolição de Casas (ICAHD), derrubada de residências de palestinos é “campanha sistemática de limpeza étnica”

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De Kfar Saba, Israel

A demolição de residências de palestinos nos territórios ocupados é parte de um processo deliberado e planejado para expulsar a minoria árabe do Estado de Israel, representando uma campanha sistemática de limpeza étnica. A afirmação é de Jeff Halper, diretor do Comitê Israelense Contra a Demolição de Casas (Icahd) em Jerusalém, organização que trabalha em campo contra a remoção de palestinos da Cisjordânia. Apesar de admitir que “nada pode deter a demolição de casas”, Halper diz em entrevista a CartaCapital acreditar que a sociedade civil pode criar fortes pressões para manter o assunto vivo e pressionar Israel.

Segundo o Icahd, os números estão atingindo um nível preocupante. Se em 2009 foram 275 estruturas demolidas e 643 árabes desalojados, em 2011 houve 622 demolições e 1094 pessoas que ficaram sem casas. Neste ano, até agora, os território ocupados foram palco de 550 estruturas demolidas, 900 pessoas desalojadas e mais de 3340 palestinos feridos nas operações de demolição perpetradas pelas Forças de Defesa de Israel. “A situação atual é insustentável. E o controle de Israel, por mais forte que seja hoje, não pode manter-se a longo prazo”, afirmou Halper. Para o ativista, indicado ao Nobel da Paz em 2006, a única saída possível para o fim do conflito é a solução baseada em um só Estado, no qual israelenses e palestinos viveriam juntos. “Apoio a ideia de um Estado binacional no qual todos os cidadãos têm o voto para um parlamento comum. Parece utópico agora, mas depois do colapso do status quo, que eu espero que ocorra em breve, novas possibilidades se abrirão.”

Confira os principais trechos da entrevista:

CartaCapital – Como o Comitê Israelense Contra Demolições (ICAHD) de Casas trabalha?

Jeff Halper – O ICAHD é uma organização não violenta, de ação direta e dedicada a dar fim tanto à ocupação de Israel quanto ao processo de paz entre israelenses e palestinos. Acreditamos que a ocupação dos colonos nos assentamentos está destruindo Israel assim como a sociedade palestina. O foco da nossa resistência é contra a política de ocupação de Israel de demolir de maneira sistemática a casa de palestinos na Cisjordânia. Desde 1967 cerca de 28 mil casas foram destruídas na Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental, deixando famílias desalojadas, destituídas, vivendo em meio a traumas e medo. Com foco nesse tipo de ação, de resistir de forma física a tais demolições e também de reconstrução dessas casas, queremos mostrar como a ocupação israelense funciona (contrariando a justificativa israelense de que trata-se de uma questão de “segurança”) e mostrando quais são as intenções de Israel (eliminar a solução de dois Estados) e qual o custo humanitário por trás disso. A partir do nosso trabalho em campo, somos capazes de desenvolver uma análise poderosa do conflito, o que pode levar o mundo a campanhas de sensibilização dirigidas à mobilização da sociedade civil internacional.

CC – Quantas famílias palestinas são desalojadas por ano pelos colonos judeus?

JH – Os números variam. Desde 1967, Israel demoliu cerca de 28 mil casas palestinas nos territórios ocupados, a maioria em invasões militares (na Operação Chumbo Fundido em Gaza em 2008/9, cerca de 4 mil casas foram destruídas), mas também porque Israel se recusa a conceder licenças de construção aos palestinos, e, assim, acaba destruindo suas casas “ilegais”. Até agora neste ano Israel demoliu mais de 550 estruturas – casas inacabadas, assim como inabitadas – e desalojou 900 pessoas. É importante entender que Israel destrói as casas de seus próprios cidadãos dentro do Estado de Israel (todos árabes, sejam cidadãos palestinos ou beduínos de Israel). A aldeia beduína de Al Arakib, no Negev, é a mais representativa, uma vez que teve 53 estruturas demolidas. As demolições representam uma campanha sistemática de limpeza étnica, e isso vem acontecendo em todo o país, de 1948 até o presente.

CC – Quais as histórias mais dramáticas com as quais o senhor se deparou?

JH – A família Shawamreh (Salim, Arabiya e seus sete filhos) teve sua casa na cidade de Anata, na Cisjordânia, perto de Jerusalém, demolida e reconstruída seis vezes. A história deles é uma das mais dramáticas sobre como famílias palestinas lutam para manter suas casas. [Depois de ser demolida pela primeira vez em julho de 1998, a casa da família Shawamreh foi reconstruída em agosto do mesmo ano. Em 2001, passou novamente por uma demolição e depois por uma reconstrução em abril. Passou pela terceira vez pelo mesmo processo em abril de 2003 e novamente pelo quarto em agosto daquele ano. Foi novamente demolida em janeiro de 2012 e reconstruída em agosto. Quatro meses depois, foi demolida pela sexta vez, para ser reerguida como Memorial de Demolição e Desalojamento em agosto de 2013.]

CC – O que poderia, na sua opinião, deter as demolições nos territórios ocupados? De que maneira o governo israelense poderia lidar com isso de uma maneia menos traumática?

JH – Nada pode parar a demolição de casas. Elas são parte de um processo deliberado e planejado em que palestinos e beduínos são confinados a pedaços minúsculos do país ou sujeitos a condições de vida tão miseráveis que simplesmente os obrigam a migrar. Fazer com que as demolições sejam um processo dramático é atualmente parte de uma estratégia que usa medo e intimidação para dissuadir os palestinos de construir suas casas e lhes dar a sensação de que nunca estarão seguros e nunca terão uma casa ou terra sua.

CC – Como o senhor enxerga o Muro da Cisjordânia, que separa territórios palestinos do restante do Estado de Israel?

JH – O Muro de Separação tem duas funções: 1. Ele define os três “cantões” palestinos (termo israelense) aos quais são confinados: norte, centro e sul da Cisjordânia, fora Gaza e parte de Jerusalém; 2. Também incorpora os principais blocos de assentamentos em Israel. Não tem, absolutamente, nenhuma função de segurança ou lógica envolvida. Na verdade, separa ainda mais palestinos de palestinos, e não palestinos de israelenses.

CC – No nível internacional, quem poderia pressionar o governo de Israel?

JH – Governos, incluindo o Brasil, poderiam forçar Israel a deixar os territórios ocupados e, assim, ajudar a salvar a solução de dois Estados. Mas, certamente, não farão isso. A vontade de pressionar Israel a se retirar é totalmente esvaziada – em parte porque ninguém quer entrar em uma briga com os EUA. Israel é, também, aliado da maioria dos países (vende armas e apoio técnico para da polícia para o Brasil). A União Europeia é o maior parceiro comercial de Israel e poderia pressioná-lo, mas não vai (como a própria Alemanha já antecipou). Nossa estratégia, portanto, é mobilizar a sociedade civil – sindicatos, igrejas, grupos universitários, de direitos humanos e organizações políticas etc –, a fim de mudar a opinião pública e colocar pressão sobre os governos. É por isso que buscamos trabalhar internacionalmente.

CC – Afinal, o processo de paz existe, na opinião do senhor?

JH – Não, não existe um processo de paz. Israel acredita que isso está superado, pacificou a tensão com os palestinos, eliminou a solução de dois Estados, incorporou os assentamentos para si, assumiu o controle permanente de todo o país, e que a comunidade internacional não fará nada para detê-lo. Se as “negociações” com o secretário de Estado americano, John Kerry, falharem (e irão), os EUA e os outros países aceitarão o status quo; eles nunca vão apoiar a solução de um Estado.

CC – Como a paz pode deixar de ser uma utopia?

JH – Eu acredito que, assim como com a África do Sul, a sociedade civil pode criar fortes pressões para forçar os governos a agir – ou pelo menos manter o assunto vivo para Israel não poder “ganhar” e fazer a pauta desaparecer. Isso é o que campanhas como a BDS [Boicote, Desivestimento e Sanções] e outras, como nosso advocacy [grupo de pressão] internacional, estão fazendo. Acredito que a situação atual é insustentável – e muito perturbadora. E o controle de Israel, por mais forte que pareça hoje, não pode se manter a longo prazo. Quando Kerry falhar, a Autoridade Palestina talvez colapse e Israel se veja obrigado a reocupar cidades palestinas (até mesmo Gaza). E, então, o mundo será forçado a agir.

CC – A paz pode ser alcançada com um acordo territorial? Como ele seria?

JH – A única saída possível é a solução baseada em um Estado. Apoio a ideia de um Estado binacional no qual todos os cidadãos têm o voto para um parlamento comum. Parece utópico agora, mas depois do colapso do status quo, que eu espero que ocorra em breve, novas possibilidades se abrirão.

 

*A repórter foi enviada por CartaCapital para Israel para participar do curso Os Meios de Comunicação em Zonas de Conflito, promovido pelo Ministério das Relações Exteriores israelense

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