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A relação entre Brasil e EUA no caminho do pragmatismo após vitória de Lula

Há afinidades ambientais entre os países, mas também divergências sobre China ou Rússia, estimam analistas

Créditos: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP
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A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, rapidamente saudada pela Casa Branca, abre uma nova etapa marcada pelo pragmatismo nas relações com os Estados Unidos, com afinidades ambientais, mas também divergências sobre China ou Rússia, estimam analistas.

A relação entre os Estados Unidos e o Brasil é “pragmática e uma questão de Estado, independentemente de quem esteja no poder”, diz Valentina Sader, diretora associada do Centro Adrienne Arsht para a América Latina do Atlantic Council, em Washington.

Mudança de direção? 

Dada a “natureza muito pragmática e conciliadora” de Lula, a relação bilateral será “mais previsível e estável” do que com o presidente ultradireitista Jair Bolsonaro, estima a pesquisadora Isabelle C. Somma de Castro, da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do INCT-INEU.

Lula provavelmente se concentrará no combate às mudanças climáticas.

“Seria uma via importante para aprofundar a cooperação” com o governo do presidente Joe Biden, “e um ponto de liderança potencial para ambos em nível mundial”, diz Sader.

À luz de seus mandatos anteriores, o Brasil priorizará os laços “dentro da região e com todo o hemisfério sul, trabalhando em estreita colaboração com Estados Unidos, Europa, China”, aponta Sader.

Quanto às organizações multilaterais – explica – é provável que Lula solicite um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, de forma geral, busque o apoio dos Estados Unidos para aumentar sua representação nas instituições, como no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI).

Do ponto de vista de Biden, Lula é “a melhor alternativa”, apesar de tanto ele quanto a esquerda brasileira “não serem grandes admiradores dos Estados Unidos (como a esquerda latino-americana em geral)”, opina Carlos Gustavo Poggio, professor de ciência política no Berea College, em Kentucky, Estados Unidos.

“Dito isso – acrescenta – não espero que as relações bilaterais mudem muito (…) a menos que haja algum tipo de ruptura institucional, caso em que os Estados Unidos se distanciariam do Brasil”.

Com Lula pode haver “maior afinidade em relação a questões relacionadas à agenda de Biden, como necessidade de investimentos em infraestruturas, atenção às mudanças climáticas, preservação ambiental e enfrentamento ao racismo institucional”, diz Paulo Abrão, ex-secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

No nível comercial, os especialistas consultados descartam mudanças significativas.

Escolhas possíveis

Também concordam que Lula tentará consolidar as relações com a China, país que Washington considera como seu principal desafio de segurança nas próximas décadas.

No passado, Lula concentrou sua política externa nas relações estratégicas e a China é o principal parceiro comercial do Brasil.

Mas as relações “também seriam pragmáticas”, considera Sader, que não descarta uma maior cooperação com o país asiático em fóruns multilaterais, como BRICS e G20.

No nível pessoal, o fato de Biden ser democrata não pré-determina um bom relacionamento.

Vale lembrar, destaca Somma de Castro, que o líder esquerdista se dava melhor com o presidente republicano George W. Bush do que com o democrata Barack Obama.

E a presidente Dilma Roussef sofreu com escutas telefônicas quando os democratas estavam no poder, o que deixou o Partido dos Trabalhadores (PT) “muito desconfiado”, acrescenta.

A migração pode ser outro ponto de atrito, já que Lula pode alterar ou interromper voos americanos transportando imigrantes brasileiros em situação irregular porque “os progressistas veem isso como uma ação humilhante”, explica.

Nova onda de esquerda

A frente de esquerda na região se fortalece com a vitória de Lula, mas “isso não afetará as relações de longo prazo”, porque “tivemos ondas de direita e esquerda e não houve mudanças substanciais e isso é especialmente verdade no caso do Brasil”, diz Poggio.

No entanto, segundo Sader, pode provocar “um possível desalinhamento com respeito” às relações com Venezuela, Nicarágua e Cuba.

“Pode haver diferenças de estilo entre Lula e Biden quanto às melhores estratégias para lidar com governos com tendências autocráticas na região”, estima Abrao, insistindo que não se pode falar de uma única esquerda, mas de “diferentes correntes de governos progressistas”.

Para Somma de Castro, Lula é mais de centro-esquerda e será forçado a se concentrar “em questões internas, como impulsionar a economia e reconstruir programas sociais”.

Reservas sobre a Ucrânia

Se houver alguma mudança em relação à abordagem de Brasília à guerra na Ucrânia, “seria mínima”, prevê Sader.

O Brasil, que depende dos fertilizantes russos, “continuará apostando em negociações pacíficas para encontrar uma solução para o conflito por via diplomática”, acrescenta.

Isso se choca com os interesses de Washington, que quer que alguns países latino-americanos levantem suas vozes contra a Rússia após a invasão da Ucrânia.

Em entrevista à Time Magazine este ano, Lula observou que Volodimir Zelensky “quis a guerra” e que o presidente ucraniano é “tão responsável quanto (o russo Vladimir) Putin pela guerra”.

Lula também criticou Biden e a União Europeia por não terem feito o necessário para evitar o conflito.

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