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A próxima variante

A Delta tornou-se dominante na pandemia, mas os epidemiologistas não descartam novas supermutações

Olha a onda. Para “salvar” o Natal, o governo holandês foi obrigado a impor o lockdown agora. Na Rússia, as mortes e internações estão em alta
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por David Cox

Todas as semanas, um grupo de epidemiologistas do Nordeste dos Estados Unidos reúne-se em uma teleconferência totalmente dedicada a discutir as últimas pistas de novas variantes da Covid-19 relatadas em todo o mundo. “É como a previsão do tempo”, diz William Hanage, epidemiologista da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, em Harvard. “Costumava ser ‘temos um pouco de Gama lá, temos Alfa chegando aqui’. Mas agora é apenas Delta.”

Desde que foi detectada pela primeira vez na Índia, em dezembro de 2020, a variante Delta do vírus Sars-CoV-2 ­tornou-se tão generalizada que seria fácil supor que a evolução antes rápida do vírus foi substituída por um estado de latência. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 99,5% de todas as sequências genômicas da Covid-19 relatadas em bancos de dados públicos agora são Delta.

Embora novas cepas tenham continua­do a surgir, como a recente AY. 4.2 ou a variante Delta Plus no Reino Unido, que os cientistas estimam ser 10% a 15% mais transmissível, apesar de ainda não existirem dados exatos, elas são quase idênticas à variante Delta, exceto por alguma pequena mutação aqui e ali. Hanage passou a referir-se a elas como netas da Delta. “Houve uma boa quantidade de ‘Deltas Plus’”, diz. “Dei uma entrevista recente na rádio, na qual disse que Delta Plus é o código para qualquer coisa que estejam confundindo no momento. Não é extremamente mais transmissível.”

Mas a razão pela qual Hanage e seus colegas ainda examinam, toda semana, bancos de dados como Pangolin e ­Nextstrain, e o propósito de suas ligações regulares via Zoom, é tentar prever o que pode vir agora. A Delta é realmente o fim do jogo da Covid-19 ou algo mais sinistro espreita no futuro? É uma pergunta para a qual ninguém tem certeza da resposta.

Uma possibilidade é que, após os saltos drásticos iniciais em sua sequência genética, que deram origem primeiro à Alfa, depois à Delta, o Sars-CoV-2 agora sofrerá mutação lenta e constante, eventualmente saindo do alcance das vacinas atuais, mas apenas ao longo de muitos anos. Enquanto os cientistas se esforçam para indicar que suas previsões são principalmente especulações informadas, alguns as veem como o resultado mais provável. “Prevejo que o tipo de evolução que teremos será mais o que chamamos de deriva antigênica, em que o vírus evolui gradualmente para escapar do sistema imunológico”, afirmou François Balloux, diretor do Instituto de Genética da UCL. “Para Influenza e outros Coronavírus que conhecemos muito bem, leva cerca de dez anos para o vírus acumular mudanças suficientes para não ser reconhecido por anticorpos do sangue.”

Os cientistas monitoram o efeito das recombinações virais da Covid-19

Mas a alternativa é o súbito aparecimento de uma cepa completamente nova, com grande transmissibilidade, virulência ou propriedades imunoevasivas. Ravi Gupta, professor de microbiologia clínica na Universidade Cambridge, refere-se a essas cepas como “supervariantes” e diz ter 80% de certeza de que outra surgirá. A questão é quando. “Temos uma pandemia Delta no momento”, diz. “Esta nova variante Delta Plus é relativamente fraca em comparação com o tipo de coisa de fato. Ela tem duas mutações da cepa Delta, não acho que sejam tão preocupantes, e não decolou muito em outros países. Mas é inevitável que haja outra variante significativa nos próximos dois anos, e ela vai competir com a Delta e pode superá-la.”

Isso pode ocorrer de várias maneiras. No segundo semestre de 2020, os epidemiologistas começaram a observar sinais de um fenômeno preocupante conhecido como recombinação viral, em que diferentes versões do ­Sars-CoV-2 trocavam mutações e se combinavam para formar uma cepa totalmente nova. Felizmente, Gupta diz que a recombinação não parece ser tão comum, mas continua uma possível fonte de nova supervariante, particularmente em partes do mundo onde proporções consideráveis da população permanecem não vacinadas e cepas virais podem circular livremente. “Agora que a Delta é o vírus principal, de forma avassaladora, isso se tornou menos provável”, avalia. “Mas existem grandes áreas do planeta que não estamos amostrando e não sabemos o que está acontecendo lá. Portanto, é uma possibilidade muito real.”

A segunda é uma série de grandes mutações resultando em versão muito aprimorada da Delta ou algo muito diferente. Acredita-se que ainda existe um espaço significativo para que isso aconteça. “Embora as variantes recentes sejam versões da Delta, o vírus tem enorme potencial para evoluir no futuro”, explica Gideon Schreiber, professor de ciências biomoleculares no Instituto Weizmann de Ciência, em Israel. “Podem evoluir mutações mais complexas, com variações simultâneas em mais de uma posição, o que pode ser mais problemático.”

Nas últimas semanas, surgiram preocupações de que o uso de novos comprimidos antivirais, em particular o Molnupiravir, da Merck, poderia contribuir para isso, encorajando ativamente o ­Sars-CoV-2 a evoluir. O Molnupiravir interfere na capacidade do vírus de se replicar e espalha mutações em seu genoma até que ele não consiga mais se reproduzir. Alguns virologistas argumentaram que, se algum desses mutantes virais sobreviver e se espalhar para outros, poderá teoricamente estimular o surgimento de novas variantes. Outros reconhecem que, embora valha a pena monitorar isso, não é suficientemente preocupante para negar a pacientes com doenças graves um medicamento que pode salvar vidas.

Extremos. A vacinação nos EUA empacou, enquanto a China quer evitar o pior no inverno

Gupta diz que um problema maior, e com grande probabilidade de levar a uma supervariante, é a taxa de infecção persistentemente alta em países como o Reino Unido, devido à capacidade de a variante Delta se transmitir entre indivíduos vacinados. “Quanto mais infecções por dia, maior a chance de haver alguém, um paciente X, que se infecte e suas células T não sejam fortes o suficiente para eliminar a infecção, porque estão imunossuprimidas”, diz. “Então, eles acabam por ter a infecção durante vários dias. Eles têm alguns anticorpos porque tiveram uma resposta parcial à vacina, e o vírus aprende a evitá-los, e então se espalha.”

No início deste ano, Gupta publicou um artigo que mostrou que esse processo pode ocorrer em pacientes gravemente doentes que receberam plasma convalescente carregado com anticorpos que matam os vírus. Como seu sistema imunológico ainda não conseguiu eliminar o vírus, ele aprendeu a sofrer mutações em torno desses anticorpos. Especula-se que o uso generalizado de plasma convalescente no início da pandemia foi responsável pelo surgimento de variantes. “Não sabemos ao certo, mas muito plasma foi usado, e foi potencialmente um dos impulsionadores das variantes”, afirma. “Foi amplamente utilizado no Brasil, na Índia, no Reino Unido e nos Estados Unidos, que desenvolveram seus próprios conjuntos de variantes.”

Os epidemiologistas tentam criar modelos para saber como seria uma nova supervariante. Até agora, as principais transformações do vírus aumentaram a sua transmissibilidade. Hanage explica que uma das razões pelas quais a variante Delta teve tal impacto é porque ela cresce extremamente depressa nas células humanas, antes que o sistema imunológico comece a funcionar. Como resultado, os infectados com a ­Delta carregam, aproximadamente, 1,2 mil vezes mais partículas virais em seus narizes em comparação com a cepa Sars-CoV-2 original, e desenvolvem sintomas dois a três dias antes.

Isso é resultado da seleção natural. Cópias diferentes do vírus são criadas o tempo todo, mas aquelas que sobrevivem e se tornam mais dominantes são as mais capazes de infectar. As variantes capazes de contornar os anticorpos tendem a ficar mais dominantes, deixando a próxima supervariante muito mais propensa a conseguir escapar de ao menos algumas partes da resposta imune. “As cepas do vírus que acabam sobrevivendo e se tornando dominantes variam, dependendo do estágio da pandemia em que a pessoa se encontra”, afirma ­Hanage. “Até agora foi muito mais importante para o vírus estar se transmitindo de forma eficaz para o grupo restante de pessoas desprotegidas. Mas espera-se que isso deva mudar agora.”

As melhores proteções, além da vacina, continuam a ser o uso de máscara e o distanciamento social

Embora possa parecer um pouco assustador, nem tudo são más notícias. Como as vacinas contra a Covid-19 são criadas levando-se em conta a evolução viral, os epidemiologistas não esperam que uma nova supervariante as torne completamente inúteis e, portanto, seria extremamente improvável que levasse a grandes surtos graves, como nos últimos dois anos. Além disso, existe uma segunda geração de vacinas para Covid-19 que foi desenvolvida. A desenvolvedora de vacinas Novavax espera obter a aprovação regulatória para seu imunizante nos próximos meses, enquanto muito mais vacinas deverão chegar ao mercado entre hoje e 2023. Todas essas plataformas tomam medidas para combater potenciais variantes.

De acordo com Karin Jooss, vice-presidente-executiva e chefe de P&D da empresa farmacêutica norte-americana Gritstone, que tem uma vacina para Covid-19 de segunda geração em testes clínicos de Fase 1, as empresas estão sequenciando todas as cepas existentes do Sars-CoV-2, com o objetivo de gerar respostas de anticorpos neutralizantes contra áreas do vírus que são conservadas entre todas essas variantes.

Mas os epidemiologistas também acreditam que confiar apenas nas vacinas não é suficiente. Gupta diz que, enquanto tentamos encontrar uma maneira de viver com a Covid-19, ainda deve haver algumas restrições para limitar a propagação do vírus e reduzir o número de oportunidades de mutação. “Os números de casos são tão altos no momento que é muito melhor prevenir novas infecções”, diz Gupta. “Em outras palavras, não devemos frequentar lugares lotados, entrar em prédios sem máscaras, mesmo que seja difícil. Se você olhar para as variantes que tivemos, todas surgiram em países com transmissão muito alta, descontrolada: Índia, Reino Unido, Brasil. Há uma razão pela qual não ouvimos falar de uma variante de Cingapura ou da Coreia do Sul.”

É uma filosofia com a qual muitos de seus colegas concordam. “Você quer limitar o número de oportunidades que o vírus tem de lançar os dados”, diz ­Hanage. “Com a seleção natural, você está basicamente falando sobre a força mais criativa que conhecemos, quando se trata de resolver problemas. É incrível. E é por isso que você nunca apostaria contra ela. Acreditamos que o vírus continuará a evoluir.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

CRÉDITOS DA PÁGINA: ALEXEI MAISHEV/SPUTNIK/AFP E JEFFREY GROENEWEG/ANP MAG/AFP – CHRISTOPHER MUNCY/U.S. AIR FORCE E ISTOCKPHOTO

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1185 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE NOVEMBRO DE 2021.

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