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Donald Trump teme ser preso. O ex-presidente tem motivos de sobra para acreditar nessa possibilidade

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O republicano enfrenta três processos – Imagem: Tia Duford/Official White House
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Donald Trump está com medo. Após anos a zombar da Justiça, o ex-presidente dos Estados Unidos tem um encontro marcado com o passado de fraudes e mentiras. O líder republicano parece ter entendido o tamanho da encrenca. Nos últimos dias, Trump recorreu à sua plataforma digital, a Truth Social, para compartilhar mensagens de apoio de aliados. No sábado 18, convocou seguidores a protestar nas ruas e afirmou que temia ser preso na terça-feira 21. Não foi, mas ainda assim tem motivos suficientes para acreditar que será.

Antes de perder as eleições presidenciais para Joe Biden, em 2020, Trump havia virado alvo de investigações por crimes que podem colocá-lo na cadeia e enterrar as chances de uma possível recandidatura em 2024. Nas últimas semanas, um dos processos ganhou destaque e pode entrar para a história como o primeiro caso de indiciamento criminal a ser aberto contra um ex-presidente dos EUA. O inquérito está repleto de detalhes sórdidos e tem em destaque a atriz pornô Stormy Daniels.

A partir de depoimentos de Michael Cohen, ex-advogado de Trump, e da própria atriz, o promotor distrital de ­Manhattan, Alvin Bragg, reuniu elementos para acusar o ex-presidente de fraude contábil por conta de um pagamento secreto a Daniels às vésperas da eleição de 2016, da qual saiu vitorioso. De acordo com a atriz, eles teriam tido um caso extraconjugal, mas para que ela permanecesse em silêncio, sobretudo para não atrapalhar as eleições, Cohen fez o pagamento de 130 mil dólares do próprio bolso. No ano seguinte, 2017, Trump teria reembolsado o ex-advogado.

Ao fazer a declaração da saída do dinheiro, a empresa de Trump ocultou o destino do montante e registrou um receptor inexistente. As coisas não são, porém, tão simples. Para dar prosseguimento ao processo, a promotoria precisa provar que Trump agiu intencionalmente e mandou os funcionários criarem uma entrada falsa nos registros comerciais com a intenção de esconder violações à legislação eleitoral. Se provado, o ex-presidente pode ser indiciado com base no artigo 175 da lei penal de Nova York. A condenação por fraude contábil no estado acarreta sentença de até quatro anos de detenção.

Segundo o New York Times, a fraude contábil tem um estatuto de limitações de dois anos como contravenção e um de cinco anos como crime, e ambos teriam expirado em relação aos pagamentos feitos a Cohen em 2017. A lei de Nova York estende, no entanto, esses limites para cobrir períodos quando um réu está fora do estado. Neste caso, Trump viveu por quatro anos na Casa Branca e, ao deixar o governo, mudou-se para a Flórida. Além disso, durante a pandemia, o prazo prescricional foi prorrogado por mais de um ano.

A investigação sobre fraude contábil caminha célere na Justiça de Nova York

“Caça às bruxas. Bragg é um racista ao contrário, que está recebendo ordens de Washington. Eu os venci duas vezes, indo muito melhor na segunda vez e, apesar de sua campanha de desinformação, eles não querem concorrer contra ‘Trump’ ou meu grande recorde!”, esbravejou o republicano, que tem o hábito de falar sobre si mesmo na terceira pessoa. Pressionado a apoiar a liderança republicana num momento tão delicado, o governador da Flórida, Ron DeSantis, rival declarado no partido, acabou por ceder: “Eu não sei o que significa pagar dinheiro para uma estrela pornô para garantir o silêncio sobre algum tipo de suposto caso, mas posso dizer que, se você tem um promotor que está ignorando os crimes que acontecem todos os dias em sua jurisdição, e ele escolhe voltar muitos, muitos anos atrás, para tentar usar algo sobre pagamentos secretos de estrelas pornô, você sabe, este é um exemplo de perseguir uma agenda política e armar o escritório”.

Apesar do esforço do colega, o pronunciamento não agradou a Trump, que retrucou imediatamente. “Ron provavelmente descobrirá sobre falsas acusações e falsas histórias em algum momento no futuro, quando ficar mais velho, mais sábio e mais conhecido, quando for injusta e ilegalmente atacado por uma mulher, até mesmo colegas de classe que são ‘menores’ (ou possivelmente um homem!). Tenho certeza de que ele vai querer lutar contra esses desajustados assim como eu!”, postou o ex-presidente, em referência a uma antiga insinuação de que o governador teria se envolvido com alunos quando lecionava no início dos anos 2000.

O ex-presidente sabe, porém, que ­DeSantis é neste momento o menor de seus problemas. Outras três importantes investigações criminais seguem a todo vapor. Na Geórgia, o republicano é investigado por extorsão e conspiração para tentar reverter a derrota para Biden no estado em 2020. A base da acusação é o telefonema ao oficial eleitoral do estado, Brad ­Raffensperger, no qual exigia a recontagem dos votos. “Eu só quero encontrar 11.780 votos, o que é um a mais do que temos. O povo da Geórgia está com raiva, o povo do país está com raiva. E não há nada de errado em dizer isso, você sabe, hum, que você recalculou”, sugeriu. Raffensperger limitou-se a dizer que os dados citados pelo ex-presidente estavam errados. Na Geórgia, o crime de extorsão pode resultar em uma pena de 20 anos de prisão.

Trump também é investigado na instância federal. O primeiro caso diz respeito às centenas de documentos secretos encontrados no fim do ano passado em Mar-a-Lago que ele se recusou por meses a devolver ao Arquivo Nacional. Nesse caso, a pena varia de dez a 20 anos de prisão por desacato, retenção não autorizada de documentos de segurança nacional, obstrução e até manuseio incorreto de papéis oficiais. A outra frente sob análise do Departamento de Justiça é a tentativa do ex-presidente de anular os resultados das eleições de 2020, somado aos ataques ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Nos Estados Unidos, crimes como insurreição, conspiração e obstrução de processo oficial podem ser punidos com sanções que variam de cinco a 20 anos de detenção. Como todos os processos ainda estão em curso, o destino de Trump é incerto. Suficientemente incerto para lhe tirar o sono. •

Publicado na edição n° 1252 de CartaCapital, em 29 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A hora da verdade’

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