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A Grécia de hoje é a Alemanha de ontem

Líder opositor na Grécia Alexis Tsipras, do Syriza, cita acordo para salvar a Alemanha do pós-guerra para pedir o perdão da dívida dos países hoje em crise

Tsipras durante campanha eleitoral na Grécia, em maio. Foto: Louisa Gouliamaki / AFP
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Por J.R. Penteado

Uma economia em frangalhos, uma dívida impagável, uma população sem esperança. Palavras que poderiam descrever Grécia, Espanha ou Portugal nos dias de hoje refletem a situação da Alemanhade 70 anos atrás, quando o país ainda recolhia os cacos de sua segunda derrota em guerras mundiais.

Foi em 1953 que o cenário começou a mudar. Naquele ano, diversos países do mundo, capitaneados por Estados Unidos, França e Reino Unido, ratificaram um acordo em Londres que reestruturava a dívida da então Alemanha Ocidental. Devendo à época um total de 38,8 bilhões de marcos, no dia da ratificação do acordo, em 27 de fevereiro de 1953, esse montante foi reduzido para 17,5 bilhões de marcos – um abatimento de 62,6%. E os benefícios não pararam por aí: ficou também combinado que a Alemanha Ocidental só pagaria sua dívida desde que tivesse dinheiro para isso, com a possibilidade de suspensão do pagamento e novas negociações em caso de falta de recursos. Somadas a outras cláusulas que asseguravam vantagens à economia local, e ao Plano Marshall, que entre 1948 e 1951 despejou bilhões de dólares para a reconstrução dos países aliados, os germânicos puderam manter um ritmo de crescimento elevado e melhorar as condições de vida da sua população, pagando completamente sua dívida em 1960, um tempo recorde.

Tantas vantagens, obviamente, não surgiam de nenhum espírito natalino por parte das potências da época. A ideia era evitar o surgimento de algo semelhante ao nazismo, que floresceu justamente no terreno fértil criado pelas pesadas punições econômicas impostas à Alemanha após a derrota na 1ª Guerra. Era também uma forma de blindar o país contra a ameaça comunista vinda do leste, da então poderosa União Soviética, que já irradiava influência em metade da Europa.

É exatamente esse programa de “facilidades” que o líder oposicionista grego Alexis Tsipras, do do Syriza, agora reivindica para tentar estancar a crise econômica no continente hoje.

“O que é preciso acontecer para resolver a crise que assola os países endividados, como a Espanha, Itália, Portugal e a própria Grécia, é o que foi feito com a Alemanha em 1953, quando mais da metade da sua dívida externa foi perdoada. Precisamos de uma moratória juntamente com uma cláusula de crescimento”, disse Tsipras durante palestra na sede nacional do PT em São Paulo, na terça-feira 18. O evento fez parte da agenda no Brasil de seu partido, o Syriza (acrônimo para Coalização da Esquerda Radical), que também visitará a Argentina com a intenção de aumentar o arco de alianças internacionais.

Espanha, Itália e Portugal também possuem dívidas virtualmente impagáveis, e seus governos, assim como o grego, também vêm implementando cortes sociais draconianos para tentar gerar caixa para pagar os seus credores. Para Tsipras, tais medidas só vão no sentido contrário do da solução.

“Temos que parar com a austeridade e com os cortes. Temos que subir o salário mínimo e ajudar as pessoas que não podem neste momento sobreviver. Precisamos realizar uma política de investimento estatal para poder avançar na economia. E também precisamos fazer mudanças estruturais em todo o país, sendo a mais importante a diminuição dos impostos para os pobres e o aumento para os mais ricos”, disse o líder grego, respondendo a uma pergunta sobre o que faria caso seu partido assumisse o governo.

No último dia 13, a troika – expressão de origem russa que designa o grupo composto pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI – liberou 34 bilhões de euros à Grécia, a primeira parte de um total de 130 bilhões a serem liberados. Para receber essa quantia, o governo grego foi forçado a cortar 18 bilhões de euros de seu orçamento, gerando mais protestos da população. O país se encaminha para o seu sexto ano seguido de recessão, com uma taxa de desemprego na casa de 26% (a maior na Zona do Euro) e uma dívida estimada em 175% em relação ao PIB – era de 127% em 2009.

Em junho, o partido de Tsipras quase venceu as eleições na Grécia ao registrar 27% do total dos votos, mas ficou atrás do conservador Nova Democracia, que marcou 30%. Desde então, o novo governo chefiado pelo primeiro-ministro Antonio Samaras tem adotado políticas sintonizadas com as exigências feitas pelo governo alemão de Angela Merkel, que tem sido o principal financiador dos pacotes de empréstimos financeiros concedidos à Grécia. O governo Merkel é o principal alvo das críticas de Tsipras. “O principal problema da Europa hoje é a Alemanha e sua política. Até agora o único país que não deu um passo atrás foram eles, e isso acontece porque é a classe dominante alemã que ganha com atual situação do euro e também com a crise.”

A única forma de mudar a situação atual parece ser a realização de novas eleições, mas, para Tsipras, são os gregos que devem mudar os destinos do país. O político não acredita que as eleições alemãs de 2013 provoquem qualquer grande mudança e aposta que a instabilidade na Grécia provocará um novo pleito em breve. “As eleições na Alemanha não devem ter repercussão na Grécia. O que ocorre na Grécia é que pode ter repercussão nas eleições na Alemanha”, diz. “Se nós ganharmos o governo, Merkel terá que pedir desculpa ao povo alemão por ter falhado no programa de pacotes de empréstimos. E ela não vai querer aceitar essa falha”, disse.

Por J.R. Penteado

Uma economia em frangalhos, uma dívida impagável, uma população sem esperança. Palavras que poderiam descrever Grécia, Espanha ou Portugal nos dias de hoje refletem a situação da Alemanhade 70 anos atrás, quando o país ainda recolhia os cacos de sua segunda derrota em guerras mundiais.

Foi em 1953 que o cenário começou a mudar. Naquele ano, diversos países do mundo, capitaneados por Estados Unidos, França e Reino Unido, ratificaram um acordo em Londres que reestruturava a dívida da então Alemanha Ocidental. Devendo à época um total de 38,8 bilhões de marcos, no dia da ratificação do acordo, em 27 de fevereiro de 1953, esse montante foi reduzido para 17,5 bilhões de marcos – um abatimento de 62,6%. E os benefícios não pararam por aí: ficou também combinado que a Alemanha Ocidental só pagaria sua dívida desde que tivesse dinheiro para isso, com a possibilidade de suspensão do pagamento e novas negociações em caso de falta de recursos. Somadas a outras cláusulas que asseguravam vantagens à economia local, e ao Plano Marshall, que entre 1948 e 1951 despejou bilhões de dólares para a reconstrução dos países aliados, os germânicos puderam manter um ritmo de crescimento elevado e melhorar as condições de vida da sua população, pagando completamente sua dívida em 1960, um tempo recorde.

Tantas vantagens, obviamente, não surgiam de nenhum espírito natalino por parte das potências da época. A ideia era evitar o surgimento de algo semelhante ao nazismo, que floresceu justamente no terreno fértil criado pelas pesadas punições econômicas impostas à Alemanha após a derrota na 1ª Guerra. Era também uma forma de blindar o país contra a ameaça comunista vinda do leste, da então poderosa União Soviética, que já irradiava influência em metade da Europa.

É exatamente esse programa de “facilidades” que o líder oposicionista grego Alexis Tsipras, do do Syriza, agora reivindica para tentar estancar a crise econômica no continente hoje.

“O que é preciso acontecer para resolver a crise que assola os países endividados, como a Espanha, Itália, Portugal e a própria Grécia, é o que foi feito com a Alemanha em 1953, quando mais da metade da sua dívida externa foi perdoada. Precisamos de uma moratória juntamente com uma cláusula de crescimento”, disse Tsipras durante palestra na sede nacional do PT em São Paulo, na terça-feira 18. O evento fez parte da agenda no Brasil de seu partido, o Syriza (acrônimo para Coalização da Esquerda Radical), que também visitará a Argentina com a intenção de aumentar o arco de alianças internacionais.

Espanha, Itália e Portugal também possuem dívidas virtualmente impagáveis, e seus governos, assim como o grego, também vêm implementando cortes sociais draconianos para tentar gerar caixa para pagar os seus credores. Para Tsipras, tais medidas só vão no sentido contrário do da solução.

“Temos que parar com a austeridade e com os cortes. Temos que subir o salário mínimo e ajudar as pessoas que não podem neste momento sobreviver. Precisamos realizar uma política de investimento estatal para poder avançar na economia. E também precisamos fazer mudanças estruturais em todo o país, sendo a mais importante a diminuição dos impostos para os pobres e o aumento para os mais ricos”, disse o líder grego, respondendo a uma pergunta sobre o que faria caso seu partido assumisse o governo.

No último dia 13, a troika – expressão de origem russa que designa o grupo composto pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI – liberou 34 bilhões de euros à Grécia, a primeira parte de um total de 130 bilhões a serem liberados. Para receber essa quantia, o governo grego foi forçado a cortar 18 bilhões de euros de seu orçamento, gerando mais protestos da população. O país se encaminha para o seu sexto ano seguido de recessão, com uma taxa de desemprego na casa de 26% (a maior na Zona do Euro) e uma dívida estimada em 175% em relação ao PIB – era de 127% em 2009.

Em junho, o partido de Tsipras quase venceu as eleições na Grécia ao registrar 27% do total dos votos, mas ficou atrás do conservador Nova Democracia, que marcou 30%. Desde então, o novo governo chefiado pelo primeiro-ministro Antonio Samaras tem adotado políticas sintonizadas com as exigências feitas pelo governo alemão de Angela Merkel, que tem sido o principal financiador dos pacotes de empréstimos financeiros concedidos à Grécia. O governo Merkel é o principal alvo das críticas de Tsipras. “O principal problema da Europa hoje é a Alemanha e sua política. Até agora o único país que não deu um passo atrás foram eles, e isso acontece porque é a classe dominante alemã que ganha com atual situação do euro e também com a crise.”

A única forma de mudar a situação atual parece ser a realização de novas eleições, mas, para Tsipras, são os gregos que devem mudar os destinos do país. O político não acredita que as eleições alemãs de 2013 provoquem qualquer grande mudança e aposta que a instabilidade na Grécia provocará um novo pleito em breve. “As eleições na Alemanha não devem ter repercussão na Grécia. O que ocorre na Grécia é que pode ter repercussão nas eleições na Alemanha”, diz. “Se nós ganharmos o governo, Merkel terá que pedir desculpa ao povo alemão por ter falhado no programa de pacotes de empréstimos. E ela não vai querer aceitar essa falha”, disse.

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