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A enrascada de Trump é um alerta sobre Bolsonaro

Ídolo do extremista brasileiro, presidente dos EUA sofre cerco em várias frentes, corre risco de impeachment e abusa do poder para se salvar

Se democratas se tornarem maioria no Congresso em novembro, o caldeirão tem tudo para ferver em 2019
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Jair Bolsonaro adora o presidente Donald Trump, gosta de comparar-se a ele. Por isso, é bom que os brasileiros saibam que o líder norte-americano está em água quente e que a panela pode ferver. O impeachment é o assunto do momento em Washington.

Trump e seus fervorosos partidários alegam que há uma conspiração do “establishment profundo” para derrubar o governo e o movimento Torne a América Grande de Novo, mas procuradores federais tem encontrado caixas de evidências indicando obstrução da Justiça, conspiração criminosa e extorsão praticadas por membros do círculo íntimo e da família do presidente.

Se o Partido Democrata, que faz oposição à Casa Branca, substituir os Republicanos como maioria no Congresso nas eleições parlamentares de novembro, o caldeirão tem tudo para ferver em 2019.

Assim como no Brasil, o impeachment presidencial é fundamentalmente um processo político nos Estados Unidos, mas regulado pela Constituição. A Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil) funciona como Promotoria. Para aprovar a abertura de um processo em casos de “traição, suborno ou outros crimes e delitos graves”, é necessário o voto da maioria simples de seus membros.

O caso segue então para o Senado, onde é julgado como se fosse um tribunal, antes de os senadores votarem por aprovar ou rejeitar a acusação. Para ser aprovado, o impeachment precisa dos votos de dois terços dos senadores.

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Nenhum presidente dos EUA jamais foi acusado com sucesso desde a fundação do país em 1776. Em 1868, a Câmara aprovou a abertura de processo contra o presidente Andrew Johnson, mas no Senado a cassação ficou aquém dos dois terços exigidos pelo Artigo I da Constituição. Richard Nixon enfrentaria um impeachment certo, mas renunciou antes da votação na Câmara.

Bill Clinton encarou a ameaça em 1998, por perjúrio e abuso de poder, mas a economia em expansão alimentou sua crescente aprovação e persuadiu metade do Senado a votar contra a sua destituição. Trump também desfruta de uma economia em expansão, mas agora é alvo de uma aguda investigação de sua campanha presidencial e de seus negócios por parte do ex-diretor do FBI e hoje chefe do Conselho Especial, Robert S. Mueller III, e sua equipe de promotores federais.

O Conselho Especial foi nomeado em maio de 2017 para investigar o conluio entre a candidatura de Trump e medidas ativas do governo russo para sabotar as eleições norte-americanas de 2016. Até agora, a equipe de Mueller indiciou dezenas de norte-americanos e de russos por uma série de acusações, desde fraude fiscal até violações da lei eleitoral.

Advogado de longa data e preposto de Trump, Michael Cohen declarou-se culpado recentemente por violações de impostos e fraudes bancárias, além de contribuições ilegais à campanha de Trump. Ao depor sob juramento, disse que foi instruído pelo presidente a fazer pagamentos ilegais a mulheres que alegadamente tiveram relações com Trump.

Richard Gates, vice-diretor de campanha de Trump, e Michael Flynn, ex-conselheiro presidencial para Segurança Nacional, já se declararam culpados de inúmeros delitos, incluindo mentir perante as autoridades policiais federais e obstrução da Justiça. Paul Manafort, companheiro de negócios e diretor de campanha de Trump, foi condenado há apenas algumas semanas em oito acusações de fraude bancária e fiscal.

Ele enfrenta um outro julgamento neste mês que pode levar a novas revelações sobre a relação entre a campanha de Trump e agentes russos de inteligência. Muitos outros parceiros Trump estão às voltas com crimes menores e negociando acordos de imunidade em troca de cooperação total com Mueller. Alguns especialistas já não têm dúvidas de que Trump é um co-conspirador não declarado.

Revelações, investigações e processos pintam um retrato detalhado dos esforços do presidente Trump para colaborar com agentes do governo russo durante a campanha de 2016 e para tentar encobrir isso posteriormente.

A demissão do ex-diretor do FBI James Comey no início de 2017 pode ter sido a tentativa mais audaciosa de obstruir a Justiça, mas Trump ainda parece continuar exercendo suas prerrogativas presidenciais para cercar a investigação conduzida pela equipe de Muller. Ele demitiu o ex-vice-diretor do FBI Andrew McCabe e agora busca remover do cargo o procurador-geral, Jeff Sessions, o primeiro político Republicano a apoiar no Senado a candidatura de Trump, e o vice-procurador-geral, Rod Rosenstein.

Enquanto enfrenta alegações em cascata que podem acabar com sua Presidência, sua equipe na Casa Branca está em desordem. Recentemente, foi anunciado que seu principal conselheiro, Don McGahn, sairá em breve. Na semana passada, o índice de desaprovação do presidente atingiu o nível mais alto, 60%.

O site de análises políticas e de dados fivethirtyeight.com prevê que os Democratas têm 72% de chances de tomar o controle da Câmara nas eleições parlamentares de novembro. Se estiverem em maioria, os Democratas assumirão o comando das comissões da Casa e poderiam usará o poder de intimação delas para forçar o testemunho dos auxiliares e cúmplices de Trump. Com o caldeirão fervendo, os Republicanos serão pressionados pela mídia e pelos eleitores a responder à pergunta: você apoia o presidente?

Lideranças democratas ficariam felizes em aumentar a pressão, mas têm agido de forma esquisita. Segundo o The New York Times, a líder democrata na Câmara, Nancy Pelosi, tem orientado os candidatos do partido a evitar o tema “impeachment” e a falar sobre a “cultura da corrupção” de Trump. Até mesmo o senador Bernie Sanders, pré-candidato do partido à Presidência, tem advertido seus seguidores sobre “sacar a arma”.

De qualquer forma, Trump e seus apoiadores destemidos estão preparados para a luta. O presidente desempenha o papel principal de um messias imperfeito enquanto seu movimento Torne a América Grande de Novo se arma para uma batalha existencial do bem contra o mal (Democratas e Republicanos que não juram lealdade a Trump).

Os partidários do presidente já jogam o máximo possível de lama no Republicano Robert Mueller, que ganhou a medalha “Purple Heart” como fuzileiro naval no Vietnã, antes de seguir carreira no serviço público como uma das mais destacadas autoridades da sua geração. Para continuar a estrela do show, Trump está pronto a atirar qualquer um debaixo de ônibus ou do alto do convés. Como todas as telenovelas, o governo Trump terminará. A questão é se os Democratas vão escrever o último capítulo.

Esse caldo político tribal deveria ser levado em conta pelos brasileiros que enfrentam a escolha de votar em Jair Bolsonaro, o populista conservador que admira abertamente Trump.

*Mark S. Langevin é membro sênior da Escola Schar de Política e Governo da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, e diretor da BrazilWorks, consultoria econômica e política para assuntos bilaterais Brasil-EUA. Ele pode ser contactado pelo email [email protected]

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