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A dura verdade

A Truth Social soma-se à longa lista de empreendimentos fracassados de Donald Trump

Como empresário, Trump é um ótimo político. E vice-versa - Imagem: Stefani Reynolds/AFP
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Sob todos os ângulos, a plataforma de rede social de ­Donald Trump, Truth ­Social, teve um começo difícil. O engajamento é baixo, o fluxo inicial de downloads do aplicativo diminuiu e começou uma série de autodemissões de sua equipe principal. Ainda é cedo para dizer se é um fracasso, mas, como acontece com muitos negócios de Trump que não decolam, o ex-presidente dos EUA parece lavar as mãos: ele mal a utilizou.

O clone do Twitter, em que as postagens são chamadas de “verdades”, foi lançado com grandes expectativas no Dia do Presidente, em fevereiro. Foi brevemente o aplicativo gratuito mais baixado na ­Apple Store. Mas, três semanas após o lançamento da Truth Social, sua posição no gráfico de downloads caiu para o 116º lugar. No início de abril, ela nem sequer chegava ao “Top 200”. Um estudo revelou que os downloads caíram até 95%.

Agora, parece que a Truth Social segue o mesmo caminho que o Trump Steaks e a Trump Vodka, só para citar alguns exemplos. Colocar o nome Trump em um produto que outros produzem melhor simplesmente não funciona, especialmente agora. Era, contudo, para ser uma história muito diferente desta vez. “Criei a Truth Social… para enfrentar a tirania das grandes empresas tecnológicas”, disse Trump em outubro do ano passado, dez meses depois de ser banido permanentemente do Twitter. Mas os usuários ficaram desapontados com a experiência na rede social.

Os 1,2 milhão de usuários que ­possuem o aplicativo exclusivo da Apple enfrentaram longos tempos de espera para acessar a plataforma. “Obrigado por aderir!”, diz o prompt da Truth Social. “Devido à grande demanda, colocamos você em nossa lista de espera.” O próprio Trump parece estar se afastando, e até agora postou na plataforma apenas uma vez.

Enquanto isso, a Digital Word Acquisition Corp., veículo especial de aquisições que traz ao público a Truth Social, está sob investigação da Comissão de Valores Mobiliários. O negócio tinha sido antecipado para recompensar os investidores com milhões – e o próprio Trump com até 1 bilhão de dólares –, mas a empresa foi abalada pelo êxodo de executivos.

No início de abril, Josh Adams e Billy Boozer, chefes de tecnologia e desenvolvimento de produtos da Truth Social, se demitiram. O Washington Post informou que as demissões ocorreram depois que o CEO do Trump Media & Technology Group, Devin Nunes, ex-congressista dos EUA, tentou instalar seus próprios aliados para administrar a empresa.

Com muitas falhas e poucos usuários, a rede social foi rejeitada pelo próprio criador

Os problemas de serviço da Truth Social ocorreram quando o CEO da ­Tesla, Elon Musk, tornou-se o maior acionista do Twitter, adquirindo uma participação de 9,2% na empresa e um assento em seu conselho. Musk, que teve uma série de desentendimentos com reguladores financeiros dos EUA sobre publicações feitas nas redes sociais, sinalizou que pretende defender mudanças na plataforma, onde tem 80,4 milhões de seguidores. As ações do Twitter subiram mais de 27%.

No mês passado, ele perguntou aos seus seguidores se o Twitter não estava cumprindo os princípios da liberdade de expressão. “A liberdade de expressão é essencial para uma democracia funcionar. Você acredita que o Twitter respeita rigorosamente esse princípio?”, indagou. Após mais de 2 milhões de usuários responderem, Musk escreveu: “Dado que o Twitter serve como uma praça pública de fato, não aderir aos princípios da liberdade de expressão mina fundamentalmente a democracia”.

Com a especulação crescente de que Musk poderia usar seu poder de acionista e membro do conselho para restaurar Trump ao Twitter, onde ele tinha 90 milhões de seguidores antes de ser expulso após o motim de 6 de janeiro, o propósito e o destino da Truth Social estão na balança.

O Trump Media & Technology Group, empreendimento de Trump que assessores prometeram que se tornaria uma “potência da mídia”, inicialmente apresentou a Truth Social como a peça central de suas ambições para combater o que o ex-presidente chama de “mídia de fake news” e estabelecer uma presença na rede social que hoje não tem. Mas, segundo o Post, Trump “irritou-se” com a lenta aceitação e falhas da Truth Social e considerou entrar na concorrente Gettr.

Por várias razões, a Truth Social pode ter sido um passo grande demais, avalia David Carr, da SimilarWeb. A empresa de análise estima os visitantes da ­Truth Social em 200 mil diariamente, 70% masculinos, em comparação com o 1 milhão na Gettr. O Twitter tem média de 217 milhões.

“A Gettr e o Parler surgiram para atender o mesmo público”, observa Carr. “Precisava ser 150% melhor, mas até agora não criou um grande engajamento. Se Trump tivesse postado uma tonelada de conteúdo, e realmente houvesse uma demanda reprimida por isso, talvez as coisas tivessem sido diferentes.” O aparente fracasso da Truth Social apresenta, porém, certas verdades sobre as próprias redes sociais. A maioria dos usuários não as acessa para comunicação política, fora talvez o Twitter com seu número relativamente baixo de usuários. Além disso, as conversas unilaterais raramente inspiram engajamento e os sites precisam de um grande número de usuários e tráfego para causarem impacto social.

No centro da questão está o que Joshua Tucker, codiretor do Centro para Redes Sociais e Política da Universidade de Nova York, chama de “efeitos de rede”. “Os sites de rede social são mais valiosos quanto mais pessoas os estiverem usando. Como uma lista telefônica eles não têm valor”. Parte do problema da Truth Social era que ela pretendia excluir uma grande parte do espectro político. “Eles foram atrás do pessoal do ‘Make America Great Again’, começaram com uma mão amarrada nas costas.”

“A Truth Social foi criada para combater o que muitos conservadores chamam de ‘cultura do cancelamento’, a censura da esquerda. Mas, por causa de seu domínio conservador, a plataforma de rede social de Trump tornou-se um meio para trolls, especialistas autodeclarados e autodidatas, teóricos da conspiração e todos os tipos de pessoas que buscam atenção”, afirma Mark Federman, da Universidade de Guelph-Humber. “A motivação de Trump era assumir o controle de sua amplificação de voz. Isso falhou, então ele teve de admitir a derrota.” •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A dura verdade”

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