Mundo

A chegada de novas elites globais muda a face da Europa

Magnatas e nova classe média russos, asiáticos e árabes estão reescrevendo as regras do turismo europeu

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Por Conal Urquhart

As praias, balneários e diversas atrações turísticas da Europa estão passando por uma revolução silenciosa, uma transformação comparável ao boom de viagens ao exterior detonado pelos pacotes turísticos baratos da década de 1960. Os russos não estão mais chegando. Já chegaram. E os chineses estão prestes a segui-los em números ainda maiores.

Com suas belas piazzas e igrejas antigas, Montecatini é uma típica cidade da Toscana. E também é lá que o prefeito propôs que todas as placas de ruas sejam escritas no alfabeto cirílico, usado na Rússia, um reflexo da invasão sem precedentes de pessoas que vêm do leste em busca de prazer.

Em todo o resto do continente, a imagem é a mesma. Russos, asiáticos e árabes estão reescrevendo as regras do turismo europeu, enquanto magnatas recentes e os beneficiários da classe média das economias pujantes do mundo compram propriedades e ocupam espaço nas praias que já foi protegido com ciúme pelos europeus do norte.

O número de turistas oriundos da Europa ocidental e dos Estados Unidos permaneceu bastante estático nas últimas décadas, mas o dos que vão na outra direção é surpreendente. Veja a China, onde o surto de viagens teve o mesmo ritmo do vertiginoso crescimento econômico do país. Os 5 milhões que viajaram ao exterior em 1996 se transformaram em 60 milhões em 2010. No mesmo período, 12 milhões de visitantes de Moscou, São Petersburgo e do resto da Rússia se multiplicaram em quase 40 milhões.

Enquanto a Zona do Euro (e a Grã-Bretanha) se perguntam de onde virá o crescimento econômico sustentado no deprimente período pós-crise bancária, os governos que cuidam de economias em declínio no sul da Europa fazem o possível para atrair visitantes não europeus com dinheiro para gastar. Países como Portugal, Chipre e Espanha chegaram a oferecer vistos de residência para estrangeiros que comprem casas, para energizar seus mercados imobiliários.

Joanna Leverett, da corretora de imóveis Savills, disse que há várias tendências. “Os russos ainda estão comprando no sul da França, Toscana e Turquia. Os compradores dos Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Catar começaram a atuar na Turquia, assim como no sul da França. Marbella continua popular. Eles tendem a comprar mansões em balneários com bons serviços. Os americanos continuam a comprar na Itália e na França. Os chineses compram apartamentos novos em Paris e Londres, mas nesse caso está mais relacionado a educação e vistos que a turismo”, ela disse.

No contexto da crise da Zona do Euro, parece ter-se iniciado uma liquidação de patrimônio. Na semana passada, o emir do Catar comprou seis ilhas gregas por 7 milhões de libras esterlinas, continuando uma tendência iniciada pelo rei Fahd da Arábia Saudita quando se apaixonou por Marbella em 1974. O rei passava até dois meses na Costa del Sol todos os verões, e foi seguido por grande parte da corte saudita e muitos outros príncipes do Oriente Médio. Dizia-se que cada visita real bombeava 60 milhões de libras para a economia local.

Marbella ainda é um ímã para visitantes do Oriente Médio. A família real saudita possui o complexo Nahda, de 80 hectares, que inclui uma clínica, uma mesquita e uma réplica da Casa Branca, entre outros palácios. O xeque Abdullah al-Thani do Catar é dono do clube de futebol Málaga. Mas a riqueza russa ganhou destaque nos últimos anos.

Jelena Cvjetkovic, também da Savills, disse que os russos ricos ainda procuram “propriedades-troféus”, e no ano passado um deles comprou um imóvel em St. Tropez por 40 milhões de libras. A última moda dos abastados, segundo ela, é ter uma propriedade campestre, além da casa de praia. “Estamos vendo um maior interesse pela Toscana. Eles já têm uma propriedade à beira-mar e agora querem uma no campo, com um vinhedo. Muitas dessas vendas se realizam entre particulares, mas ouvi advogados dizerem que muitas chegam a 30-40 milhões”, ela disse.

Enquanto isso, a classe média russa emergente – os que estão apenas bem de vida, em comparação com os super-ricos – transforma o mercado de turismo de massa e aumenta suas próprias carteiras de propriedades modestas. Em 2011 os russos foram o maior grupo de visitantes na Europa, com 24,6 milhões, seguidos por cidadãos dos Estados Unidos: 30,6 milhões. Depois vêm a China com 4,7 milhões, o Canadá com 4,2 milhões e o Japão com 4,1 milhões.

Muitos desses turistas também estão comprando. Mike Bridges, editor da revista de imóveis russa International Residences, disse: “A maioria dos compradores russos hoje é da classe média, com um orçamento médio de 500 mil euros. Normalmente eles não precisam de hipotecas e pagam em dinheiro. A economia russa vai muito bem, e a classe média é imensa”.

Em consequência disso, grandes comunidades russas estão brotando no nordeste da Espanha, em Montenegro e em Chipre, onde há oferta de lojas e serviços russos. Bridges disse: “Os russos procuram lugares com voos diretos para São Petersburgo e Moscou, e precisam muito de intérpretes locais. Os desenvolvedores normalmente precisam de funcionários que falem russo. A Bulgária e Montenegro são populares por causa das semelhanças linguísticas, mas a Espanha está sendo muito procurada por causa dos baixos preços”.

Os russos hoje representam 9% do mercado de imóveis na Costa del Sol, à frente dos alemães com 7%, mas ainda muito atrás dos britânicos, com 35%.

O novo influxo teve um lado mais sombrio, em meio a acusações de atividade da máfia e corrupção. Em Chipre, um tribunal concedeu em 2010 fiança a um russo acusado de espionagem nos EUA, dando-lhe assim a oportunidade de fugir. Na Espanha, empresários russos e políticos espanhóis foram acusados de colaborar na corrupção.

Mas, enquanto a capacidade de gastos das novas locomotivas da economia global cresce inexoravelmente, os novos garotos do bairro se tornam mais numerosos. E se os russos estão presentes os chineses são o futuro. Jovens chineses passam cada vez mais das viagens em grupos organizados para o turismo independente: fazem reservas, compram bilhetes pela internet e vão além das principais atrações turísticas.

A ONU prevê que 100 milhões de chineses farão turismo em algum lugar da Europa em 2020. O continente, ou pelo menos seus locais mais atraentes, deverá se tornar um playground para os novos ricos do Oriente. Coisa muito diferente da Costa Brava nos anos 1970.

A disputa pelo continente

Reino Unido

O clima britânico não se presta aos amantes do sol não europeus, mas a corrida por propriedades de luxo é cada vez mais intensa. Quando os malásios donos do empreendimento na usina de energia de Battersea puseram à venda o primeiro lote de 600 apartamentos, em janeiro, estes se esgotaram em dois dias.

“Estamos no centro da tempestade neste momento”, disse James Moran, diretor de vendas no escritório de South Kensington da corretora de imóveis Winkworth. “As vendas aumentaram até 60% sobre o ano passado, e estamos vendo os mercados tradicionais como os franceses e italianos serem substituídos por compradores da Rússia, Oriente Médio e Ásia.”

A Primavera Árabe também resultou em um surto de demanda do Egito, da Líbia e do Irã, enquanto os compradores buscam um porto seguro para seu dinheiro.

Joanne O’Connor

França

Os russos continuam comprando casas de férias na Riviera Francesa, mas hoje são acompanhados por escandinavos sedentos de sol e egípcios abastados. O “Triângulo Dourado” – Cannes, Cap d’Antibes, Châteauneuf – continua popular. Fredrik Lilloe, da Estate Net Prestige-Knight Frank, diz que sua agência está procurando compradores do Oriente Médio, especialmente os egípcios. Os chineses mostraram grande interesse por vinhedos na Borgonha, mas em geral não moram na propriedade. Põem alguém para dirigi-la e enviar o vinho para a China.

Mark Harvey, da equipe francesa da Knight Frank em Londres, disse que Paris é procurada por compradores do Oriente Médio e americanos, assim como russos e italianos.

A ameaça do presidente François Hollande de aplicar impostos maiores fez muitos compradores deixarem o país em busca de investimentos em “portos seguros” em lugares como Mônaco e Suíça.

Kim Willsher

Espanha

Com o colapso do mercado habitacional depois que a bolha dos imóveis estourou há cinco anos, compradores de todas as nacionalidades têm sido raros – apesar de o presidente russo, Vladimir Putin, supostamente ser um dos que avaliaram a exclusiva propriedade de luxo La Zabaleta, em Marbella, no ano passado.

O governo está tão desesperado para vender os estimados 1 milhão de novos imóveis vazios, que pretende modificar as leis de vistos para permitir que não europeus que gastarem mais de 160 mil euros em uma casa morem no país.

O secretário de Estado para o Comércio, Jaime García-Legaz, disse que a medida se destina especificamente a atrair compradores russos e chineses ricos. Com os preços em queda de mais de 30%, os russos superaram os alemães no ano passado como segundos compradores de propriedades – depois dos britânicos – na Costa del Sol, sul do país. Em Alicante, no leste, eles abocanham as propriedades mais caras.

Enquanto isso, os compradores chineses também procuram investimentos muito maiores. Um consórcio chinês está avaliando um local de 7,5 km2 nos arredores de Madri, onde pretende construir um novo centro financeiro.

Mas tudo isso empalidece ao lado da área em Alcorcón, perto de Madri, onde o bilionário americano Sheldon Adelson pretende construir um vasto complexo conhecido como EuroVegas.

Giles Tremlett

Itália

Os oligarcas russos e suas esposas louríssimas têm sido uma visão comum na Costa Esmeralda da Sardenha há anos, lotando o bar da boate Billionaire, de Flavio Briatore. A maré russa atingiu o continente, e o prefeito de Forte dei Marmi, na Toscana, ficou tão alarmado com a aceleração dos preços dos imóveis que decidiu reservar novas casas só para os moradores locais.

Mais para o interior, Svetlana Medvedeva, mulher do primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, ocupou um hotel-spa inteiro em Montecatini Terme no ano passado, com sua comitiva de mais de 30 pessoas, levando o prefeito a sugerir que colocaria placas de ruas em russo na esperança de que a chegada de Medvedeva causasse um boom de russos gastadores.

Os árabes do Golfo também estão em campo e esperam inchar seus números depois que a família real do Catar assinou um contrato no ano passado para expulsar o proprietário americano da Costa Esmeralda – uma faixa incrível do litoral da Sardenha desenvolvido primeiramente pelo Aga Khan. Houve comentários de planos de empreendimentos em grande escala de catarianos, despertando temores de que as enseadas sonolentas sejam recheadas de mansões para receber os árabes do Golfo.

Os hoteleiros italianos, enquanto isso, estão desesperados para descobrir como agarrar uma fatia do crescente negócio de turismo chinês, desde oferecer o chá certo até acatar as regras do feng shui.

O temor é que os empresários chineses comprem hotéis para acomodar turistas chineses, tirando os italianos da corrida do ouro. Milão já tem um hotel totalmente chinês, o Huaxia.

Os turistas indianos hoje são uma visão comum nas ruas de Roma, deslocando as tradicionais multidões de japoneses com bonés de beisebol e câmeras.

Tom Kington

Alemanha

A Alemanha não é um país acostumado com investidores estrangeiros. Em um comentário tipicamente rude, o tabloide Bild lamentou recentemente que “russos, chineses, indianos e árabes” estejam “enchendo os bolsos” com “pechinchas alemãs”.

“E eles ainda têm em vista os melhores cortes de carne.”

Números crescentes de estaleiros no litoral norte da Alemanha se viram em mãos estrangeiras, para tristeza de muitos alemães que sentem que a venda dos estaleiros é apenas a ponta de uma aquisição estrangeira generalizada da Alemanha corporativa, que deixa a maior economia da Europa exposta à especulação e a visões de curto prazo.

Kate Connolly

Montenegro

Quando fazia parte da Iugoslávia, Montenegro era o destino favorito das classes médias sérvias. A baía de Kotor foi o último lar da marinha iugoslava, e o balneário de Herceg Novi era conhecido como Pequena Belgrado pelo número de turistas que recebia todo verão da capital sérvia.

Hoje os russos quase se equiparam ao número de sérvios que viajam para Montenegro, mas compram mais propriedades. O jornal russo Novaya Gazeta relatou no ano passado que 40% das propriedades montenegrinas estavam nas mãos de russos. O oligarca russo Oleg Deripaska é o dono da fábrica de alumínio local, a maior indústria do país.

Conal Urquhart

Grécia

Depois de três anos de crise econômica, a Grécia começa a atrair investidores. O emir do Catar confirmou na semana passada que o país afogado em dívidas é um mercado ideal para comprar, e arrebanhou seis ilhas no mar Jônico por meros 7 milhões de libras esterlinas.

“As propriedades perderam 50% de seu valor desde 2007, e os estrangeiros que farejam uma oportunidade estão ligando”, diz Christos Vergos, da filial da Remax em Atenas. As pechinchas são tais que o monarca do Catar, país rico em petróleo, Hamad bin Khalifa al-Tani, quer comprar outras 12 ilhas no litoral de Ithaca, com o objetivo de construir palácios de verão para cada um de seu 24 filhos.

Especialistas em imóveis dizem que centenas de libaneses e israelenses ricos adquiriram casas de férias na ilha de Mykonos.

“São pessoas com dinheiro, que conseguem fechar negócios”, diz Roi Deldimou, representante das propriedades Beauchamp na ilha. Investidores turcos também estão chegando, fazendo acordos para comprar hotéis no centro histórico da Atenas assolada pela recessão, onde o Estado sem caixa, desesperado para cumprir as exigências dos credores internacionais, também está liquidando propriedades.

Os chineses, que recentemente compraram os direitos operacionais do porto de Pireus, estão aproveitando os preços deprimidos para comprar imóveis em toda a capital.

Os russos lideraram a onda de novos investidores na Grécia. Os oligarcas adquiriram casas luxuosas ao longo da Riviera Ateniense, depois que Roman Abramovich comprou uma enorme propriedade em Corfu.

Helena Smith

Chipre

A ilha personifica o impulso dos não europeus a investir na União Europeia. Com o colapso de seu mercado britânico de segundos lares, os chineses avançaram, comprando refúgios em um ritmo recorde.

“Desde novembro do ano passado houve cerca de 700 vendas para investidores chineses”, diz Peter Christofi, diretor de marketing internacional da Antonis Louizou and Associates.

A promessa de vistos de residência permanente, obtidos com propriedades de mais de 300 mil euros, atiçou o interesse. “Pela nossa experiência, a atração se baseia nessa lei que envolve vistos de residência e tem pouco a ver com Chipre em si”, disse Christofi.

Com seus impostos baixos e sol em abundância, a ilha também é um ímã para russos quase desde o colapso do império soviético.

Baseada em Limassol, essa comunidade de cerca de 40 mil pessoas fez enormes investimentos em propriedades.

Helena Smith

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