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A busca por desaparecidos em Mossul: entre bombas e franco-atiradores

Uma corrida contra o relógio para resgatar famílias inteiras sob os destroços da batalha entre o exército iraquiano e o Estado Islâmico

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Por Emmanuel Duparcq

Em Mossul, a terceira maior cidade do Iraque, os socorristas tentam resgatar as famílias sepultadas sob os escombros da sangrenta batalha entre o exército iraquiano e os extremistas do grupo Estado Islâmico (EI): uma corrida contra o relógio entre bombas e franco-atiradores.

Em frente à retroescavadeira que remove a montanha de escombros em meio a uma nuvem de poeira, Abdel Rahman Mohamed e seu irmão Amar fumam um cigarro atrás do outro sob um sol escaldante e a 50ºC e uma tristeza profunda.

Debaixo dos destroços estariam os corpos de seu irmão Ahmed e sua família, desaparecidos quando fugiam dos combates no bairro de Al-Zanjili, na zona oeste da cidade.

Depois de eliminar os últimos atiradores de elite do EI emboscados no cruzamento de Al-Bursa, os militares autorizaram as equipes de resgate, na terça-feira 27, a entrar no bairro e buscar entre os escombros.

Após três semanas, parece impossível encontrar sobreviventes. “Há 20 dias estão soterrados, uma família inteira. É uma tragédia”, lamenta Amar. Abdel Rahman se agarra à ideia de que seu irmão e a família tenham deixado a casa antes do bombardeio.

‘Mossul, o pior’

Em 6 de junho, o Exército iraquiano avançava em Al-Zanjili, enquanto vários civis se trancavam em casa, por ordem do EI. Ao final, exaustos e famintos, alguns aproveitaram a oportunidade para fugir. Entre eles Ahmed, o irmão de Abdel Rahman e de Amar, sua esposa e seis filhos.

Nessa hora, a família viu os combatentes do EI chegarem na direção oposta e “se escondeu com outros 30 civis no porão de uma casa vizinha”, conta Abdel Rahman.

O grupo sofria de sede. Um homem se ofereceu para buscar água. Essa foi sua “sorte”: do lado de fora, a bala de um franco-atirador atingiu sua bochecha e, ferido, não pôde voltar para o esconderijo.

Minutos depois, a casa foi atingida por um bombardeio aéreo atribuído à coalizão internacional liderada por Washington, que apoia as tropas terrestres iraquianas. “Talvez eles tenham errado a casa, ou a bombardearam porque havia franco-atiradores do EI no telhado”, sugere Abdel Rahman.

O sobrevivente ferido avisou os dois irmãos, que notificaram a Defesa Civil, unidade do Ministério do Interior que socorre os sobreviventes e recolhe os mortos reclamados por seus familiares para um enterro com dignidade. “Temos trabalhado em Fallujah, Ramadi (duas cidades ao oeste de Bagdá), mas Mossul é a pior“, lamenta o comandante Saad Nawzad Rachid.

Às vezes, seus homens chegam a tempo de salvar vidas. Mas, quase sempre, é tarde demais. “Nunca vimos tanta destruição, tantas crianças e mulheres atingidas, e tudo por causa dos cães do EI”, afirma.

Bonecas coloridas

O equilíbrio é instável sobre os entulhos. Depois de mais de uma hora de trabalho, objetos aparecem no fundo do buraco, a uma profundidade de vários metros. Duas bonecas coloridas, de cabelo loiro, surgem.

Na beira do buraco, os rostos se contraem. De repente, um socorrista grita: “Stoooop!”.

Abdel Rahman e Amar se aproximam, febris. Nenhum ser humano à vista. Um pouco mais alto, porém, brilha uma ogiva: um foguete que não explodiu, ameaçando cair.

A escavadeira não irá mais longe. Especialmente porque o Exército acaba de descobrir dois carros-bomba nas proximidades, um deles a menos de 50 metros. “É muito perigoso cavar nessas circunstâncias. Primeiro vamos deixar o Exército proceder à desminagem” decreta o comandante Rachid. Ou seja, dois dias a mais.

Amar e Abdel Rahman sentem o golpe. Ninguém viu seu irmão e sua família nas zonas libertadas nas proximidades. Mas o segundo não perde a esperança.

“Talvez tenham fugido para a Cidade Antiga”, diz ele, mostrando a fumaça preta que surge no horizonte na parte histórica da cidade, onde o Exército persegue os combatentes do EI, cercados e espalhados entre milhares de civis encurralados entre o fogo cruzado.

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