3ª Turma

Será o fim da autonomia do MPF?

Seja quem for o escolhido de Bolsonaro, espera-se que alguma concessão ele vá fazer ao Executivo.

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Depois de algum tempo aparentando indiferença ao assunto, nas últimas semanas Bolsonaro passou a emitir declarações claras sobre a sucessão de Raquel Dodge à frente da Procuradoria Geral da República. Em todas elas, demonstrou sua vontade de ter um MPF claramente alinhado às suas ideias e ao seu programa (?) de governo.

Isso certamente causou constrangimento à maior parte dos candidatos a substituir Dodge (inclusive ela própria). Afinal, embora dependa da indicação do Executivo, o Procurador Geral da República tem que prestar contas à própria instituição e aos seus procuradores. 

Quando o MPF ensaiava colocar em ação as condições de sua autonomia política dadas pela Constituição de 1988, a PGR esteve nas mãos do famoso “Engavetador Geral da República” Geraldo Brindeiro, caninamente fiel ao governo FHC. A liderança de Brindeiro deu algum conforto ao governo, mas não impediu que procuradores no país todo exercessem sua independência funcional, ajudando a construir o poder que o MPF alcançou ao longo das últimas décadas.

Mais do que isso, a liderança de Brindeiro ajudou a gerar uma reação institucional à submissão ao Executivo, gestada, entre outros, pelo chamado “grupo dos tuiuiús” – do qual é egresso o ex-PGR Rodrigo Janot.

É no contexto dessa reação que devemos entender o pacto firmado pelo então presidente Lula com o MPF, formalizado no compromisso do presidente da República em nomear para a PGR um dos nomes da lista tríplice escolhida por eleição direta organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República.

Ou seja: passamos de uma situação de submissão política a uma situação de autonomia corporativa incontrolável.

As investidas tresloucadas da Força Tarefa da Lava Jato, perceptíveis desde sempre mas confirmadas pelas revelações do The Intercept Brasil são o exemplo mais grosseiro dos resultados desse processo.

Por tudo isso, soam patéticas (para não dizer vergonhosas) as declarações de um dos candidatos à PGR e considerado o preferido de Bolsonaro, Augusto Aras, publicadas pela Folha de São Paulo nesta segunda, 12. Correndo por fora da lista da ANPR, Aras até agora foi o único a responder publicamente às declarações de Bolsonaro, confirmando sua disposição em aceitar os termos impostos pelo presidente da República para o novo Procurador Geral.

Aras defendeu a família contra a ideologia de gênero, criticou decisões do STF em defesa dos direitos LGBTQ, e se comprometeu a nomear no seu entorno na PGR membros da carreira conhecidos por seu alinhamento ideológico à direita (incluindo filiados ao Partido Progressista e militantes do Escola sem Partido).

Se Aras estivesse mesmo tão certo de sua indicação, não precisaria dar mostra tão pornográfica de sua submissão. Parece que, com essas declarações, quis garantir vantagem na concorrência, diante da necessidade de conquistar a confiança de um presidente instável, conspiratório e voluntarioso.

Seja quem for o escolhido de Bolsonaro, espera-se que alguma concessão ele vá fazer ao Executivo, e por isso é de se esperar também alguma reação do MPF.

O MPF é plural (o que é esperado e desejável), e inclui posições tão diversas quanto às de defensores dos direitos humanos e críticos da Lei de Anistia, até a de adeptos do Escola sem Partido, empreendedores do mercado de palestras motivacionais e golpistas de todo gênero.

Mas uma coisa esses grupos têm em comum: a defesa da autonomia da instituição, condição sine qua non para que eles continuem a atuar com independência e capacidade de influenciar a política.

Por ação ou omissão de seus membros, foi nessa unidade que se constituiu a participação do MPF na maior crise política da história recente brasileira. Agora é saber se ela servirá para evitar um golpe contra a própria instituição.

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