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O telefone vermelho de Toffoli e o STF na era Bolsonaro

Ministro busca “apaziguar os ânimos” atendendo às expectativas econômicas e criminais do bolsonarismo

O ministro Dias Toffoli: inquérito contra ameaças ao STF virou crise (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)
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No noticiário e nos filmes da guerra fria havia um telefone vermelho por meio do qual Washington se comunicava com Moscou em caso de uma grave crise, diante da possibilidade de uma ameaça nuclear. A linha direta entre o comando das duas potências mundiais foi estabelecida após a crise dos mísseis em Cuba, de 1962, mas nem era um telefone (era um teletipo), e nem era vermelho.

Um general do Exército Brasileiro também não é um telefone, muito menos é vermelho. Mas é como uma linha direta para casos de crise que devemos pensar a opção do atual presidente do STF em ter um militar como seu assessor. O primeiro militar nomeado por Dias Toffoli para assessorá-lo foi o general da reserva Azevedo e Silva, e o fato de que o oficial logo deixou o cargo não afasta a evidência de que, pela primeira vez em sua história, a presidência do STF teve um militar em seu gabinete. Pelo contrário: Silva atravessou a Praça dos Três Poderes para assumir o Ministério da Defesa, o que não é pouca coisa em qualquer governo, muito menos no governo Bolsonaro.

Azevedo e Silva, general assessor de Dias Toffoli e atual ministro da defesa. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Silva tornou-se assessor de Toffoli ainda antes da eleição de Bolsonaro, e ao assumir cargo no novo governo federal foi substituído pelo também general da reserva Porto Pinheiro. Silva e Pinheiro foram indicados pelo então comandante do Exército, general Villas Bôas (atualmente, também membro do governo), e ambos têm trânsito e influência na cúpula das Forças Armadas e no grupo de generais que sustentou a candidatura de Bolsonaro e agora compõe seu governo.

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Toffoli herdou da ministra Cármen Lúcia um STF abalado pela crise política que a própria corte ajudou a construir, e com seus conflitos internos potencializados e expostos à opinião pública. Desde antes de assumir, sinalizou que sua gestão se esforçaria por pacificar o colegiado e blindar o Supremo das tormentas políticas, especialmente na relação com os demais poderes. A nomeação de um assessor militar ainda durante as eleições mostra que Toffoli estava tentando dar um passo adiante, com olhos em um futuro governo sob forte influência militar.

A precaução de Toffoli faz sentido. Além do histórico recente de turbulências nas quais se meteu o STF, a agenda política de Bolsonaro anuncia uma série de potenciais conflitos sobre os quais o Supremo inevitavelmente terá de incidir, em questões de direitos humanos, reformas políticas e econômicas. E embora o presidente do STF tenha em suas mãos o poder de pautar as questões a serem decididas, dentre outros poderes regimentais (que não são pouca coisa), Toffoli sabe que não tem controle sobre os demais dez ministros.

Se por um lado o Supremo já deu um forte sinal a favor da liberdade acadêmica e de pensamento ao refutar a censura de universidades pela Justiça Eleitoral durante o segundo turno (antecipando, potencialmente, uma posição da corte a respeito do projeto Escola Sem Partido, defendido por Bolsonaro e seu ministro da Educação), por outro lado Toffoli já sinalizou que não vê problemas no decreto que flexibilizou a posse de armas, recém editado pelo novo governo. Outras questões espinhosas já estão às portas do STF: redução da maioridade penal, reforma da Previdência, novas revisões do Estatuto do Desarmamento. O desafio de Toffoli à frente do STF na era Bolsonaro será o de construir uma posição minimamente garantidora de direitos e da formalidade democrática, sem entrar em choque frontal com um Executivo fortalecido pela eleição popular e por uma forte onda conservadora e autoritária na opinião pública.

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Uma possibilidade é a de que esse conteúdo mínimo seja baseado na defesa de algumas liberdades civis mais caras à ideologia liberal burguesa (como a liberdade de expressão dos grandes jornais e das universidades nas quais as elites jurídicas, políticas e econômicas são formadas), rifando-se outros direitos (como os direitos civis, sociais e culturais das populações mais fortemente atingidas pela violência estatal e pela justiça criminal, e potencialmente beneficiária de políticas sociais e de direitos humanos ameaçadas pela agenda de Bolsonaro).

A favor do projeto de Toffoli para o STF está o histórico recente de seletividade, casuísmo político e amparo, pelo tribunal, de posições liberais em questões econômicas e autoritárias em questões criminais; contra ele estão os conflitos internos, as vaidades e a autonomia individual dos ministros nas conversas com a imprensa, nos votos em decisões colegiadas e nas decisões monocráticas liminares. Para complicar as coisas, há as peripécias criminais de Flávio Bolsonaro e seu assessor Queiroz, jogadas no colo no Supremo pelo próprio filho do presidente eleito. Quanto menos puder controlar diretamente o rumo das questões a serem enfrentadas pelo STF, mais útil será o telefone vermelho para Toffoli.

Frederico de Almeida é cientista político, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do PolCrim – Laboratório de Estudos sobre Política e Criminologia.

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