3ª Turma

O que pode acontecer após os vazamentos da Lava Jato

O futuro do país depende da forma que os fatos revelados sobre a Lava Jato serão traduzidos para o conjunto do povo.

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Como dito anteriormente, no artigo Onze teses sobre as mensagens secretas da Lava Jato, os dados ainda estão rolando, o resultado dependerá do conteúdo ainda não revelado pelo The Intercept bem como da ação política dos atores políticos envolvidos.

CENÁRIOS

A projeção das tendências conjunturais também faz parte da análise política de uma situação concreta, não como prescrição, mas como possibilidade deduzida da articulação de fatos conhecidos. Diante disso, apresento alguns cenários possíveis projetados com base no que já é de conhecimento público:

Cenário 1  Moro é descartado, assim como a sua turma do MPF. Porém os atos da Lava Jato são mantidos, o destino da operação pode ser a reciclagem com novos operadores ou pode simplesmente ser descartada. Bolsonaro se enfraquece e o núcleo militar assume o controle do governo, direta ou indiretamente, a depender do destino do presidente. Uma reconciliação entre mídia, centrão e STF é operada no sentido de recompor uma organicidade conservadora no comando do país. Seria a saída lampedusiana típica, aquela que indica que “algo deve mudar para que tudo continue como está”.

Cenário 2 – A conduta de Moro e Dallagnol é condenada, mas ao mesmo tempo justificada porque a Operação Lava Jato teria um papel positivo no combate à corrupção. Neste caso, Moro reafirma sua autoridade política, como um herói antissistêmico, e se torna um ícone político impulsionado pela Globo, um pai da órfã direita brasileira. Este é o cenário Marvel, típico dos heróis das histórias em quadrinhos norte-americanas.

Cenário 3 – Novas revelações demonstram a conexão entre Lava Jato e Globo com interesses de Estado ou econômicos estrangeiros. Os setores políticos com algum grau de contradição com o imperialismo, neste caso, poderiam encontrar pontos de unidade necessários à criação de uma pedagogia de massas com escala suficiente para desgastar do governo. A estratégia desta coalizão, por hipótese, seria estabelecer a conexão, de forma popular, da Lava Jato, Globo, bolsonarismo, militares, gringos e as propostas de Paulo Guedes com crise econômica vivida pelos milhões de brasileiros, utilizando esta narrativa como elemento mobilizador. Os desdobramentos deste cenário são múltiplos, o seu caráter e radicalidade dependeria da hierarquia das forças sociais de sua composição. É um cenário inominável, atípico, e por isso mesmo necessário.

ATORES

As hipóteses relativas aos cenários estão fortemente condicionadas pela reação dos seguintes atores:

Globo – que tem relação maternal com Moro e a Lava Jato. Elegeu a tática de atacar o The Intercept e a legalidade da obtenção das mensagens. O conteúdo ainda não revelado, tem a possibilidade de também implicar a Globo, uma especulação plausível, uma vez que o grupo esteve na linha de frente de defesa da Lava Jato e da condenação de Lula. Neste caso seria uma posição de autodefesa a deslegitimação dos vazamentos. Não é possível determinar em qual nível chegará o seu “extinto de sobrevivência”.

Bolsonaro – como sempre, foge do assunto do vazamento. Até o momento apoia Moro, também como forma de se livrar momentaneamente dos ataques da Globo. A manutenção desse apoio pode colaborar para uma aproximação com os herdeiros de Roberto Marinho ajudaria na manutenção do seu governo. Moro e Globo fragilizados é uma oportunidade que Bolsonaro poderá explorar para estabilizar minimamente seu governo, pelo menos em tese. Porém, se a situação de Moro de degradar de maneira mais acentuada, o levando a ser retirado do Ministério, o governo perderá um dos seus núcleos de legitimação, e se tornará novamente ser alvo preferencial da Globo. O núcleo militar ganhará força e condicionará o destino do governo.

STF – um de seus membros foi diretamente citado nos vazamentos, será uma chance de movimentação dos demais, que acumularam contradições com a Lava Jato, reagirem contra Fux, Barroso, Moraes e cia, no sentido de restabelecer a autoridade da corte frente aos ataques que vem sofrendo.

The Intercept Brasil – o vazamento alavancou sua responsabilidade pública. Muitos dos desdobramentos dependem do conteúdo do que poderá ser revelado, e neste ponto não é possível fazer nada além de especulações. Os vazamentos podem ser uma oportunidade para atores com objetivos diferentes e até mesmo antagônicos se apropriarem da situação a sua maneira. Frações da direita se moverão no sentido de “”transformar o limão em limonada”, a história brasileira é rica deste tipo de manobra, não seria uma primeira vez. Não está determinado um desfecho progressista da conjuntura aberta pelas revelações do The Intercept Brasil, como tudo, isso também é incerto e está em disputa.

Organizações Políticas e Sociais – se é justificada a expectativa gerada nos setores progressistas do país em relação aos vazamentos, é preciso cautela, o jornalismo não cumprirá tarefas que são de responsabilidade das organizações políticas e sociais. Assim como não é possível saber o que ainda não foi revelado, é impossível ter certeza se tudo necessariamente será. Cabe neste caso assumir uma conduta que utilize os elementos que existem para agir em defesa da soberania e da democracia do país, do contrário tudo será em vão. A passividade, a posição de espectador diante dos fatos vazados, a espera pelo que ainda pode vir, como capítulo de uma novela, é a receita perfeita para um rearranjo dos que agora estão fragilizados, mas que, com certeza, procuram uma forma de sair da defensiva. O apego “do andar de cima” pelo o que acumularam geralmente é maior do que a determinação “dos debaixo” em reivindicar o que lhe foi tomado. Se este padrão não muda, a correlação de forças entre as classes não se altera.  

O futuro do país depende da forma que os fatos revelados sobre a Lava Jato serão traduzidos para o conjunto do povo. É necessário compreender que fomos vítimas de uma sequência de golpes, que tem levado o Brasil a regredir décadas em trabalho, direitos e dignidade. Agora que o inimigo está se tornando visível, está acuado, é o momento de derrotá-lo. O espetáculo não deve terminar tipicamente, deve ser interrompido definitivamente.

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