Justiça

Depois de um mês, como vai o amparo à família de Moïse?

Quantos Moïses você perdeu a oportunidade de conhecer nesses últimos 40 dias? 

Créditos: Reprodução Redes Sociais
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Na última quinta-feira, 24, completamos um mês desde que um dos nossos foi brutalmente assassinado a pauladas à beira da praia, na zona oeste do Rio de Janeiro. 

A cidade demorou cinco dias para tomar conhecimento da morte de Moïse Kabagambe. E foi por um acaso, já que a manifestação da família atrapalhou o trânsito da região e mereceu cobertura do jornal local. Já o Brasil levou quase duas semanas para ficar estarrecido com tamanha brutalidade. Depois de muita pressão de anônimos, a opinião pública começou a se mobilizar, a falar sobre o caso e a pressionar também os meios de comunicação e as autoridades.

Pedidos de justiça viralizaram com #justiçaporMoïseJá! ao lado das já conhecidas #VidasImigrantesNegrasImportam e #Fogonosracistas!, gritos de socorro e de tristeza da família de Moïse também foram vistos e ouvidos. O vídeo do assassinato do congolês – antes censurado pela polícia – foi divulgado em versão curta, média e longa metragem, em várias versões. Três suspeitos foram presos. A família congolesa foi intimidada pela polícia várias vezes. E, por fim, a mãe  de Moïse, Ivana Lay, negou a concessão para gerir o quiosque onde o filho foi morto, por medo do que poderia acontecer com a família se aceitasse.

Poucas foram as vozes que contaram, de fato, a história de Moïse Kabagambe antes de se tornar “Moïse, o congolês assassinado”. Do que ele gostava? Quais seriam seus sonhos para um futuro interrompido? Mas, a um vídeo de espancamento sem borrões, tarjas ou proteção alguma, assistimos, mesmo sem querer, à exaustão.

Por que demoramos tanto para sentir dor diante de um corpo estirado no chão? Quem tem direito de ter seus sentimentos preservados diante de uma imagem tão violenta? Será que a família de Moïse ainda assiste televisão? Será que, quando a mama Ivana Lay atualiza suas mensagens, se depara com aquela tragédia de novo, de novo e de novo? Será que dói mais para uma mãe não ouvir mais falar sobre a morte de seu filho ou o esquecimento se torna um alívio? 

Quem está disposto a contar a história do Moïse antes daquele bárbaro dia 24? E depois?

Depois de gritar na manifestação por justiça pelo nosso irmão, num sábado de manhã, em quais dias da semana, quais meses, acolheremos, de fato, negras, negres e negros que estão em diáspora, hoje, nesse Brasil que tanto fala de uma (re)conexão com a sua ancestralidade? 

Afinal, que ancestralidade é essa?

Comecei a trabalhar com jornalismo para ver e ouvir essas histórias e tantas outras riquíssimas nos jornais, sem estereótipos, nem sempre de dor, mas também entendendo que a dor existe, principalmente se pensarmos nos países em conflito constante, como o de onde veio a família de Moïse. 

Mas, nas redações dos jornais, eu já percebia que países da África Subsaariana só eram pautados diante de uma tragédia, que apena uma pequena nota na programação. O mais perto que cheguei foi escrever uma nota sobre um avião que caiu na Nigéria. Não havia pressão que surtisse efeito.

A ignorância sobre essas histórias não se encerra nos meios de comunicação, até porque eles são um reflexo do que vivemos em sociedade. Muita gente politizada e militante chegou a dizer que Moïse e sua família não deveriam ter vindo para o Brasil porque aqui era “pior”, “deveriam ter ficado lá”, concluíram, ignorando o fato de que o inferno tem muitas faces e endereços.

A República Democrática do Congo (RDC) vive uma guerra civil há mais de vinte anos. São cinco milhões de pessoas deslocadas internamente, ou seja, que deixaram suas casas e tentam se proteger em outras áreas do país. Nem todos, embora quisessem, conseguem deixar o Congo e seu entorno. Nos países vizinhos, são mais de 918 milhões de solicitações de refúgio de pessoas vindas da RDC. 

Justiça por Moïse: Protesto em São Paulo, neste sábado 5 de fevereiro. Foto: Nelson Almeida/AFP

Se todos tivéssemos Moïses a quem chamar de amigos, saberíamos dessa situação.

Muitas dessas famílias vivem aquilombadas em territórios delimitados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em todas as cidades brasileiras. Nunca saberei explicar se o aquilombamento é natural ou se é segregação, se é gueto. Mas temos, hoje, no país migrantes negros vindos da Venezuela, Haiti, Nigéria, Senegal, Togo, Cuba, RDC, Gana… a lista é longa. 

Como vivem essas pessoas? Quantas fazem parte do nosso convívio social? Quem conta essas histórias? Se não fazem, por que não fazem? Quando você fala em diversidade e inclusão nas empresas, você pensa em quantos migrantes são PHDs, doutores, mestres e possuem outras formações muito diferentes das atividades subalternizadas que exercem aqui? Você sabe quanto tempo leva para validar um diploma no Brasil? E para ser um imigrante negro empregado? Por que um jornal demora tanto a noticiar essa morte? E nós, quanto tempo demoramos para nos mobilizar? Por que levamos pouquíssimo tempo para riscar essa história das nossas páginas?

Quando completamos 31 dias, quando olhamos para trás, essas pessoas caminham conosco ou ainda são apenas como corpos estirados no chão? 

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