Justiça

Autoritária, Lei de Segurança Nacional é apenas uma face do problema

Para perseguir comunistas, país nunca dependeu de leis

Foto: Reprodução/Twitter
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O youtuber Felipe Neto recebeu a visita da polícia em sua casa. Carlos Bolsonaro, filho do presidente da república, o denunciou por ter chamado seu pai de “genocida”. Os policiais foram à residência de Neto para notificá-lo da denúncia, feita com base na Lei de Segurança Nacional, e chamá-lo a depor. O procedimento já foi suspenso por ordem judicial.

A Lei de Segurança Nacional está em vigor desde 1983. Embora tenha sido usada recentemente contra o deputado Daniel Silveira – o brucutu bolsonarista que gravou um vídeo xingando e ameaçando ministros do STF -, não foi para pessoas como ele que foi feita. Aprovada no outono da ditadura militar, seu foco está exatamente nos partidos de esquerda, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nos estudantes e em todo segmento que o regime via como inimigo. Já moribundo, o monstro ainda conseguiu botar esse ovo, que vem sendo chocado por quase quarenta anos.

A lei é autoritária em sua gênese e em seu conteúdo. Suas previsões vagas a tornam aplicável a qualquer situação, a depender da conveniência de quem a evoque. Em um contexto de crise política, o instinto de auto-sobrevivência fez com que tanto o Palácio de Planalto – empapado na tradição fascista/anticomunista – quanto o STF a tirassem do bolso. O fraudulento impeachment de Dilma em 2016 parece ter escancarado as portas de um vale-tudo que, em um de seus momentos mais obscenos, rifou da disputa eleitoral o candidato favorito para, três anos depois, devolver-lhe o direito de se candidatar. De fraude em fraude, por que colocar as fichas na fantasia do republicanismo?

A Lei de Segurança Nacional e sua aplicação recente é mais uma prova de que o direito não tem pernas próprias.

Os limites de sua interpretação e aplicação se condicionam diretamente à correlação de forças sociais em dado momento. O direito, portanto, carrega em seu DNA a derivação das relações sociais previamente estabelecidas. Eventualmente, essas relações são as de assalariamento, de acumulação, de produção e circulação de mercadorias, etc. Capitalistas, enfim. Por que acreditar que a cria pode romper definitivamente com seu criador, mesmo que às vezes discorde dele?

 

Tanto Sergio Moro quanto André Mendonça, atual ministro da Justiça, tiraram essa carta da manga em defesa do seu chefe. Da mesma forma o Ministério da Defesa, que pediu a abertura de apuração após o ministro Gilmar Mendes afirmar que o Exército está se associando a um genocídio. O STF também fez uso da lei ao mandar Silveira para o xadrez. Em comum, a indisposição de questionar sua evidente incompatibilidade com a Constituição de 1988. E assim o fazem por uma simples razão, longe de democratismos vulgares e voluntarismos morais: o direito é enlaçado pela política e, em última instância, pela economia, não o contrário. Não adianta reclamar. O coringa está lá para ser usado. Quem tiver mais força, que o use.

A Lei de Segurança Nacional se inspira na chamada doutrina de segurança nacional, que pretende ir ao encalço dos “inimigos internos”. Ontem esses inimigos eram os comunistas – e hoje também, com toda amplitude semântica que a direita confere ao termo.

Na democracia burguesa, entretanto, a perseguição contra comunistas não depende de previsões legais, como fartamente demonstra o nosso breve século XX.

Relator de ações judiciais que contestam a Lei de Segurança Nacional, o ministro Gilmar Mendes pondera se chegou o momento de decidir. Porém, antes de debatermos sobre sua constitucionalidade, devemos nos preocupar com o que acontece fora dela para que seus propósitos originais não aflorem de vez. Caso contrário, correremos o risco de ver o bolsonarismo se empoderando para repetir o que fez com os militantes do PT detidos esta semana em Brasília por levantarem um cartaz chamando o mandatário de genocida e o associando à cruz suástica nazista.

Nunca houve constrangimento em tirar do caminho quem pode comprometer os níveis de acumulação capitalista, hoje representados pela recém-aprovada PEC 186 e pela proposta de reforma administrativa em trâmite no Congresso Nacional, ambas um vetor de sucateamento ainda maior do serviço público em nome do lucro privado.

Na hora de perseguir e anular a adversários, a existência de lei é detalhe dos mais acessórios. Seja de segurança nacional ou não.

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