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As instituições de justiça e o despertar da consciência racial

Recentes decisões que vêm sendo proferidas mostram que parcela da branquitude, diante de tensionamentos, pode negociar medidas de reparação.

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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Despertam esperanças as recentes decisões judiciais que vêm confessando a necessidade de reconhecimento de medidas de inclusão e reparação para a população negra brasileira. Nesse sentido, a decisão  do  Ministro Ricardo Lewandowski, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, por meio da qual pretende “seja reconhecida a imediata aplicação dos efeitos do julgamento realizado pelo E. Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nº 0600306-47.2019.6.00.0000”,  representa  um sinal de que a luta por mínima igualdade racial deve  ser travada em todas as esferas que  o Estado Democrático de Direito permite: a judiciária é uma delas.

Entretanto, ressalte-se que nem a decisão do Tribunal Superior Eleitoral ou do Supremo Tribunal Federal, as quais reconhecem a necessidade de valorização das candidaturas negras, devem ser vistas como concessões gratuitas da branquitude que comanda o sistema de justiça.  No Brasil, nossas elites nunca fazem concessões gratuitas, ou seja, “nada é de graça, nem o pão, nem a cachaça”. A tomada de consciência decorre do nítido constrangimento de nossas elites judiciárias diante da absurdez de um sistema de representação eleitoral no qual as pessoas negras e indígenas são nitidamente sub-representadas.

Nosso pacto constitucional e “desprojeto de nação” há muito tempo vem dando sinais de ruína, sendo necessárias medidas preventivas para maquiar as fissuras causadas pela própria desproporção do nosso racismo estrutural. Alguns estratos da branquitude começam a tomar consciência de que seus pactos narcísicos podem se comprometer se não forem tomadas medidas paliativas para mascarar as fissuras causadas pela sobrecarga de peso que os privilégios da branquitude causam na própria estrutura de nossa divisão racial, ou seja, alguns desses sujeitos começam a tomar consciência de que o próprio pacto constitucional brancocêntrico pode ruir, pois cada vez mais os sujeitos subalternizados, mesmo diante da forte opressão, têm ocupado posição de fala e usado as próprias concessões do sistema jurídico para pleitear medidas de reparação.

A esperança que surge diante disso é a possibilidade de discutir novos pactos e espaços de negociação. A história dos quilombos, por exemplo, demonstra que a população negra sempre dialogou e negociou, mesmo diante do poder opressivo das armas e do direito brasileiro, este último poderoso instrumento a favor dos privilégios da nossa atrasada branquitude, que mal consegue enxergar os princípios básicos de uma sociedade de mercado que, para se manter, precisa expandir-se.

Fala-se, ainda em esperança porque esse espaço histórico de conflito e negociação havia sido mascarado pelo mito da democracia racial, bastante comprometido não só academicamente e que, diante da própria ruína dos pactos brancocêntricos eleitorais, levou ao poder um projeto que compromete a própria gênese desse mito, pois se afirma e pratica-se um discurso de indiferença racial que constrange até os mais fervorosos defensores das teorias freireanas.

Diante disso, essas decisões demonstram que parcela da branquitude, diante dos tensionamentos levados ao sistema de justiça, pode negociar algumas medidas de reparação. A esperança está na própria história de luta da população negra por direitos, que, mesmo subestimada, sempre soube obter um pouco além daquilo que a branquitude estava disposta a ceder. Esse além não é necessariamente agora: a simples confissão da branquitude de que há necessidade de reparação já é grande vitória, pois isso, há mais de 130 anos, sob diversas formas e argumentos jurídicos, baseados em um pressuposto princípio de igualdade universal, vem sendo negado. A partir disso, novos espaços de luta e negociação poderão ser travados e alcançados.

Portanto, não nos iludamos com as “concessões” da branquitude, mas não subestimemos a capacidade da população negra em transformar pequenas vitórias em espaços de formulação de direitos mais amplos. Talvez seja o sinal de que é o momento para pensarmos como otimizaremos essa conquista e de como poderemos tensionar a nomeação de direitos eleitorais mais abrangentes para a população negra.

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