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‘Aos bicos devemos acrescentar a carteira assinada’?

Combater o racismo é combater as medidas de precarização do trabalho. Falta ao STF entender isso.

Crédito: Roberto Parizotti/FotosPublicas
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As aspas são para frase do professor Ruy Braga[1] que define bem o rumo trilhado pelas relações de trabalho nos últimos 40 anos de implementação de políticas neoliberais. A corrida é interminável e faz parte do jogo.

Não é de hoje que precarização e formalização se combinam. No Brasil, apesar da informalidade sempre ter atingido altos índices, muitas vezes, a ideia de vínculo empregatício se cruza com trabalho precário. A terceirização é forjada a partir da lógica de redução de custos e abriu caminho para outras formas fragilizadas de emprego, como é o caso do trabalho intermitente.

Precarização precisa ser entendida como um processo; um movimento articulado entre capital, trabalho e Estado que se conforma num importante instrumento de dominação das relações sociais.

Há poucos dias, o Plenário do Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar acerca da possibilidade de equiparação remuneratória entre terceirizados e empregados de uma empresa pública federal. Contrariando o Tribunal Superior do Trabalho, por maioria de votos, decidiu que os terceiros não tem direito à remuneração dos efetivos, ainda que atuem na mesma atividade-fim.

Mais do mesmo, quando o assunto é terceirização. Livre iniciativa e livre concorrência; modernização; natureza jurídica dos vínculos; liberdade na estruturação do negócio foram algumas das justificativas para o tratamento desigual. Mas, uma, em particular, chama atenção por mencionar que a equiparação entre terceiros e efetivos “inviabiliza a terceirização para fins de redução de custos, esvaziando o instituto”.

Ou seja, sem precarizar, não faz sentido terceirizar.

Daí a urgência de olharmos para as condições de vida dos trabalhadores terceirizados. De discutirmos por que recebem piores salários; cumprem maiores jornadas; estão entre os que mais se acidentam e morrem no trabalho. De debatermos por que parte significativa dos trabalhadores resgatados em condições análogas a de escravo estavam submetidos à terceirização.

Precisamos parar de banalizar a vida dos trabalhadores em prol de uma modernidade destrutiva e começar a pautar por que a humanidade de alguns segue sendo escamoteada.

Falar de terceirização, ou de qualquer outra forma de trabalho precário, precisa, necessariamente, implicar um debate sobre seus impactos considerados do ponto de vista social, econômico, psíquico e racial. Sobretudo, quando quem fala, é quem tem o dever de dizer o Direito. Ou, ainda, é aquele que se coloca do lado do combate ao racismo. Até porque, quem são os terceirizados do Brasil? A quem as decisões sobre terceirização atingem diretamente?

O mesmo STF que proferiu decisões históricas e necessárias no combate ao racismo, se colocou favorável à terceirização irrestrita e contra a equiparação de direitos entre terceiros e efetivos que, frise-se, desenvolvem as mesmas atividades laborais.

Não se trata de terceirização sem abalar a vida de milhares de negros e negras que, neste país, seguem, sistematicamente, sendo colocados à margem da sociedade.

Postura comprometida com as demandas raciais, precisa considerar que a terceirização tem raça e gênero. Combater o racismo também é se aliar às causas urgentes de um mundo do trabalho brutalmente atravessado pela degradação e pelo desmonte de direitos sociais. Não se transforma uma estrutura racista de modo parcial.

Se comprometer com a luta de uma classe trabalhadora majoritariamente preta e pobre é mais do que ter lado na história; é requisito para o combate.


[1] BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 168.

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