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Um alerta ao chavismo

Henrique Capriles não deve ser eleito, mas manifestações de apoio à sua candidatura levaram Hugo Chávez a dizer: “prometo ser um presidente melhor”

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por Claudia Jardim, de Caracas

 

Tudo indica a derrota do opositor Henrique Capriles nas eleições venezuelanas do domingo 7. As pesquisas continuam a apontar uma vantagem folgada do presidente Hugo Chávez, que disputa seu terceiro mandato e pode conquistar o aval para completar 20 anos no poder. Mas o último evento de Capriles em Caracas, no domingo 30, capaz de reunir uma impressionante multidão na tradicional Avenida Bolívar, deve servir de alerta ao chavismo. Apesar dos inegáveis avanços sociais em seu governo, Chávez insiste em sufocar as opções de poder em sua aliança, inibe ou expulsa possíveis sucessores e continua a se apresentar como o único capaz de conduzir o “socialismo do século XXI”. Talvez um número maior de venezuelanos tenha deixado de acreditar nisso.

Nesta reta final, o presidente tem feito uma espécie de mea culpa, principalmente por problemas na administração. “Há muitas razões para descontentamento, muitas falhas, muitos problemas. Prometo que seremos mais eficientes, serei um melhor presidente. O que está em jogo é a pátria”, discursou Chávez.

Capriles, por seu lado, ainda insiste no figurino da direita com coração. No início da campanha, comparou-se a Lula, mas deixou de fazê-lo após o ex-presidente brasileiro declarar apoio a Chávez. Também prometeu manter as políticas sociais do oponente, mas tanto o cerne de sua campanha quanto os projetos expostos durante a corrida presidencial parecem extraídos de um manual tardio do neoliberalismo que fracassou na América Latina nos anos 1990 e abriu espaço para a ascensão das esquerdas. E, no caso específico da Venezuela, do chavismo.

Fisicamente limitado em consequência do câncer, Chávez depositou energia na chamada “ofensiva final”. Percorreu 500 quilômetros desde sua terra natal, Barinas: passou por sete estados até chegar a Caracas para um multitudinário comício de encerramento. O presidente classificou sua vitória como “inevitável” e prometeu durante o próximo mandato colocar um “cadeado” no projeto bolivariano para tornar a revolução “irreversível”.

O clima é de tudo ou nada. A possibilidade de crise interna, caso um dos grupos decida “denunciar” fraude nas eleições, é latente. Analistas políticos advertem que um resultado apertado poderia levar a oposição a não reconhecer os resultados, mesmo sem obter provas contra a idoneidade do processo eleitoral. “Se a diferença é de mais de 5 pontos (cerca de 800 mil votos), ficará clara a vitória de um ou outro candidato. Se esse número for menor, a eleição pode acabar em crise política”, diz o analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela.

Para a ala radicalizada da oposição, que diz confiar na derrota de Chávez, um cenário adverso será considerado fraude. Fontes diplomáticas consultadas por CartaCapital temem a reação. Há um setor da oposição preparado para atuar de maneira radicalizada, afirmou uma das fontes. Entre os europeus, haveria uma predisposição para respaldá-los politicamente.

O anúncio de um possível enfrentamento foi dado pelo líder estudantil Yon Goicochea dias antes do pleito. Num artigo publicado no jornal El Universal, o opositor afirma que se Capriles não for declarado vencedor, seus seguidores sairão às ruas e haverá enfrentamento entre chavistas e antichavistas. “Sabe Deus quantos dias, semanas ou meses o povo estará nas ruas (protestando).”

Segundo Chávez, o governo está preparado para conter qualquer tentativa de desestabilização. Ele pediu ao ex-vice-presidente José Vicente Rangel para “mover seus contatos” e “convocar alguns setores da direita à reflexão”. Rangel atua como mediador entre governo e oposição. “A melhor maneira de neutralizar os planos desestabilizadores da extrema direita é ganhar-lhes de maneira arrasadora”, afirmou Chávez durante um comício.

Leopoldo López, coordenador nacional da campanha de Capriles, disse a Carta Capital que a coalizão opositora conta com mais de 200 mil militantes, cuja tarefa é “defender os votos” pró-Capriles. Chávez diz que reconhecerá o resultado das urnas. López vale-se de uma piada sem esconder a veia golpista. “Claro que vamos reconhecer (o resultado), pois vamos ganhar as eleições.”

O reitor do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Vicente Díaz, alinhado à oposição, garantiu que o sistema eleitoral está “blindado”. “Aqui não há nenhuma possibilidade que se cante fraude.” Com a Organização de Estados Americanos e o Centro Carter fora da missão internacional de observação, será tarefa da missão da Unasul, a união dos países da América do Sul, legitimar o pleito.

“Ganhe quem ganhar, temos de continuar vivendo e em paz. Espero trabalhar tranquilo na segunda-feira”, afirma Johnny Gamarra, taxista, presente na marcha de encerramento da campanha de Capriles, no domingo, em Caracas. A manifestação opositora lotou a Avenida Bolívar, lugar de preferência das marchas chavistas.

Eleitor de Chávez em 1998, Gamarra disse estar decepcionado por não ter visto suas promessas se concretizarem. “Estamos sofrendo com a violência e não vejo resposta.” A crescente insegurança, que coloca Caracas entre as capitais mais violentas do mundo, é o principal problema apontado pela maioria da população venezuelana.

Amparado pelo capital financeiro nacional e internacional, Capriles promete “governar para todos”. Se for eleito, pretende frear a lógica de importações de produtos brasileiros. “Queremos ir ao Brasil buscar investimentos, não (desejamos) que o Brasil seja somente um vendedor à Venezuela, (como) é a realidade de hoje.” Impulsionado por partidos de centro-direita, o candidato opositor deixa claro que a iniciativa privada deve controlar áreas consideradas estratégicas pelo projeto chavista, entre elas a de combustíveis, telecomunicações, eletricidade, saúde e educação.

“É um projeto neoliberal encoberto, que tenta utilizar os programas sociais e as bandeiras do governo como ponta de lança para viabilizar a política econômica. Esse é o anzol”, avaliou o sociólogo Javier Biardeau, professor da Universidade Central da Venezuela. A seu ver, o projeto de Capriles é o relançamento da teoria da “cenoura e o garrote”. “No lugar de ter um programa de ajuste econômico estrutural puro garrote, haverá um ensaio de oferecer primeiro a cenoura para gerar a ilusão de um governo progressista.”

por Claudia Jardim, de Caracas

 

Tudo indica a derrota do opositor Henrique Capriles nas eleições venezuelanas do domingo 7. As pesquisas continuam a apontar uma vantagem folgada do presidente Hugo Chávez, que disputa seu terceiro mandato e pode conquistar o aval para completar 20 anos no poder. Mas o último evento de Capriles em Caracas, no domingo 30, capaz de reunir uma impressionante multidão na tradicional Avenida Bolívar, deve servir de alerta ao chavismo. Apesar dos inegáveis avanços sociais em seu governo, Chávez insiste em sufocar as opções de poder em sua aliança, inibe ou expulsa possíveis sucessores e continua a se apresentar como o único capaz de conduzir o “socialismo do século XXI”. Talvez um número maior de venezuelanos tenha deixado de acreditar nisso.

Nesta reta final, o presidente tem feito uma espécie de mea culpa, principalmente por problemas na administração. “Há muitas razões para descontentamento, muitas falhas, muitos problemas. Prometo que seremos mais eficientes, serei um melhor presidente. O que está em jogo é a pátria”, discursou Chávez.

Capriles, por seu lado, ainda insiste no figurino da direita com coração. No início da campanha, comparou-se a Lula, mas deixou de fazê-lo após o ex-presidente brasileiro declarar apoio a Chávez. Também prometeu manter as políticas sociais do oponente, mas tanto o cerne de sua campanha quanto os projetos expostos durante a corrida presidencial parecem extraídos de um manual tardio do neoliberalismo que fracassou na América Latina nos anos 1990 e abriu espaço para a ascensão das esquerdas. E, no caso específico da Venezuela, do chavismo.

Fisicamente limitado em consequência do câncer, Chávez depositou energia na chamada “ofensiva final”. Percorreu 500 quilômetros desde sua terra natal, Barinas: passou por sete estados até chegar a Caracas para um multitudinário comício de encerramento. O presidente classificou sua vitória como “inevitável” e prometeu durante o próximo mandato colocar um “cadeado” no projeto bolivariano para tornar a revolução “irreversível”.

O clima é de tudo ou nada. A possibilidade de crise interna, caso um dos grupos decida “denunciar” fraude nas eleições, é latente. Analistas políticos advertem que um resultado apertado poderia levar a oposição a não reconhecer os resultados, mesmo sem obter provas contra a idoneidade do processo eleitoral. “Se a diferença é de mais de 5 pontos (cerca de 800 mil votos), ficará clara a vitória de um ou outro candidato. Se esse número for menor, a eleição pode acabar em crise política”, diz o analista político Carlos Romero, professor da Universidade Central da Venezuela.

Para a ala radicalizada da oposição, que diz confiar na derrota de Chávez, um cenário adverso será considerado fraude. Fontes diplomáticas consultadas por CartaCapital temem a reação. Há um setor da oposição preparado para atuar de maneira radicalizada, afirmou uma das fontes. Entre os europeus, haveria uma predisposição para respaldá-los politicamente.

O anúncio de um possível enfrentamento foi dado pelo líder estudantil Yon Goicochea dias antes do pleito. Num artigo publicado no jornal El Universal, o opositor afirma que se Capriles não for declarado vencedor, seus seguidores sairão às ruas e haverá enfrentamento entre chavistas e antichavistas. “Sabe Deus quantos dias, semanas ou meses o povo estará nas ruas (protestando).”

Segundo Chávez, o governo está preparado para conter qualquer tentativa de desestabilização. Ele pediu ao ex-vice-presidente José Vicente Rangel para “mover seus contatos” e “convocar alguns setores da direita à reflexão”. Rangel atua como mediador entre governo e oposição. “A melhor maneira de neutralizar os planos desestabilizadores da extrema direita é ganhar-lhes de maneira arrasadora”, afirmou Chávez durante um comício.

Leopoldo López, coordenador nacional da campanha de Capriles, disse a Carta Capital que a coalizão opositora conta com mais de 200 mil militantes, cuja tarefa é “defender os votos” pró-Capriles. Chávez diz que reconhecerá o resultado das urnas. López vale-se de uma piada sem esconder a veia golpista. “Claro que vamos reconhecer (o resultado), pois vamos ganhar as eleições.”

O reitor do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Vicente Díaz, alinhado à oposição, garantiu que o sistema eleitoral está “blindado”. “Aqui não há nenhuma possibilidade que se cante fraude.” Com a Organização de Estados Americanos e o Centro Carter fora da missão internacional de observação, será tarefa da missão da Unasul, a união dos países da América do Sul, legitimar o pleito.

“Ganhe quem ganhar, temos de continuar vivendo e em paz. Espero trabalhar tranquilo na segunda-feira”, afirma Johnny Gamarra, taxista, presente na marcha de encerramento da campanha de Capriles, no domingo, em Caracas. A manifestação opositora lotou a Avenida Bolívar, lugar de preferência das marchas chavistas.

Eleitor de Chávez em 1998, Gamarra disse estar decepcionado por não ter visto suas promessas se concretizarem. “Estamos sofrendo com a violência e não vejo resposta.” A crescente insegurança, que coloca Caracas entre as capitais mais violentas do mundo, é o principal problema apontado pela maioria da população venezuelana.

Amparado pelo capital financeiro nacional e internacional, Capriles promete “governar para todos”. Se for eleito, pretende frear a lógica de importações de produtos brasileiros. “Queremos ir ao Brasil buscar investimentos, não (desejamos) que o Brasil seja somente um vendedor à Venezuela, (como) é a realidade de hoje.” Impulsionado por partidos de centro-direita, o candidato opositor deixa claro que a iniciativa privada deve controlar áreas consideradas estratégicas pelo projeto chavista, entre elas a de combustíveis, telecomunicações, eletricidade, saúde e educação.

“É um projeto neoliberal encoberto, que tenta utilizar os programas sociais e as bandeiras do governo como ponta de lança para viabilizar a política econômica. Esse é o anzol”, avaliou o sociólogo Javier Biardeau, professor da Universidade Central da Venezuela. A seu ver, o projeto de Capriles é o relançamento da teoria da “cenoura e o garrote”. “No lugar de ter um programa de ajuste econômico estrutural puro garrote, haverá um ensaio de oferecer primeiro a cenoura para gerar a ilusão de um governo progressista.”

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