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Kim Jong-Un: louco ou sobrevivente?

A mídia trata os testes de armamentos do ditador norte-coreano como meros atos de insanidade. O contexto não permite, porém, essa leitura simplória

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Donald Trump defendeu, na abertura da Assembleia Geral da ONU, que a única solução possível deverá ser “destruir totalmente”, caso a Coreia do Norte não interrompa seu programa nuclear. Foi um blefe ou realmente se trata de uma ameaça que pode ser levada às ultimas consequências? O governo dos EUA realmente acredita que ameaças farão com que Kim Jong-Un desista de seu projeto nuclear?

Embora haja uma grande desproporcionalidade de poder militar entre a Coreia do norte e seus inimigos em potencial ( EUA, Inglaterra e França), os meios de comunicação a moldam como um grande ameaça aos norte-americanos capaz de transformar  o mundo em um “mar de fogo”.

Assim, tudo que Trump disser vai aparecer como uma manobra defensiva, mesmo quando aparece em tons bastante agressivos. A todo lançamento bem sucedido de um míssil ou de anuncio de realização de testes nucleares e a cada nova declaração de Jong-un, aumentam as especulações de uma guerra iminente e possível holocausto nuclear.

Os jornais tem se esmerado em divulgar detalhes sobre a capacidade bélica da Coreia do Norte, mas será que não seria o caso de se perguntar: O que querem os coreanos?

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Jong-Un conta com um conselho político ou decide sozinho? Eles não têm conhecimento de que a guerra contra os EUA significaria certamente a destruição do seu próprio país? Ou são suicidas que entendem o risco de destruição de sua própria nação?

É possível afirmar que o Irã ou a Coreia do Norte são mais propensos a usar armas nucleares que outros Estados? É possível construir um argumento convincente capaz de explicar porque o Irã e a Coreia do Norte são “racionais” em termos da busca de seus interesses nacionais em assuntos econômicos e políticos, mas “irracionais” quando se trata do uso de armas nucleares?

Creio que a forma mais apropriada para responder a essas questões seja reconstituir, historicamente, a forma pela qual a Coreia do Norte lidou com a questão nuclear desde início da década de 1980, quando anunciou a construção um reator.

De acordo com o ex-ministro sul coreano, em abril de 1992, quando a Coreia do Norte enfrentava sérios problemas econômicos e sociais, o governo expressou claramente um desejo de estabelecer relações diplomáticas com os EUA e a Coreia do Sul, que se recusaram, pois esperavam simplesmente que o país se desintegrasse.

Em 2002, começou a circular rumores de que a Coreia do Norte buscava tecnologia de enriquecimento de urânio e de reprocessamento de plutônio em desafio ao que foi acordado com os EUA em 1994. A suspeita aumentou depois de diplomatas norte-coreanos afirmarem não possuir armas, mas ter o direito de possuí-las.  

Em 2003, a Coreia do Norte começou a tomar medidas para expulsar os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica e retirou-se do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, alegando quebra de contrato por parte dos EUA, por ter se comprometido a entregar reatores de águas limpas em troca de que não desenvolvesse suas próprias usinas de energia nuclear. No início de 2004, uma delegação não-oficial dos EUA inspecionou as instalações de produção de plutônio da Coreia do Norte e constatou não ter nenhuma evidência de que pudessem ter arma nuclear.

Embora a Coreia do Norte tenha realizado inúmeros testes de mísseis, a questão de saber se realmente dominam todo o processo tecnológico de armas nucleares (desde a produção de material até o sistema de lançamento de misseis) permanece sem resposta e desse modo, todos seus líderes políticos tem lidado com a questão de forma ambígua, principalmente após 2006. Emitir mensagens ambíguas não é próprio daquilo que é denominado de dissuasão e que foi pratica corrente durante a guerra fria?

Desde a guerra do golfo, em 1990, quando os EUA demonstraram sua inconteste superioridade militar, suas lideranças políticas cultivam a crença de que quando atacam e/ou ameaçam atacar um inimigo, todos os demais Estados, temendo ser o próximo alvo, iriam se submeter à vontade dos norte-americanos (‘bandwagoning’).

Em referência à decisão da Líbia de abandonar seus programas de armas de destruição em massa e de admitir as inspeções internacionais, em 2004, o então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, observava que “estas novidades (guerras do Afeganistão e Iraque) demonstram que o que temos feito é estrategicamente sólido, além de moralmente correto”.

A família Kim assistiu a “essas novidades” e as interpretou de forma bem diferente. Justamente, por não possuir armas nucleares, Iraque e Afeganistão foram esmagados pela ação militar dos EUA. Já Muammar Kadafi que, em 2003, concordou em interromper seu programa de desenvolvimento de armas nucleares em troca de generosos benefícios econômicos prometidos pelo Ocidente, terminou linchado em praça pública.

Podemos até discordar da forma pela qual  Jong-Un tem lidado com a questão das armas nucleares, mas não parece ser nada irracional diante desse contexto internacional de intervenções militares. Assim, o mais provável é que quanto mais ameaçada, mais a Coreia do Norte continuará a aperfeiçoar sua capacidade bélica, aliada à retórica carregada de ambiguidades.

Creio que estão muito longe de ser loucos, mas parecem ser mais verdadeiros sobreviventes políticos. O regime sobreviveu a uma terrível fome que atingiu o país, ao fim da guerra fria, à perda de quase todos os aliados internacionais e está constantemente sob a mira da superpotência mundial.

Portanto, se Trump realmente deseja a “desnuclearização” da Coreia do Norte, parece não ter escolhido o melhor caminho.

Mas seria mesmo esta a sua intenção?

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