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“Impacto da violência na economia global supera o da crise de 2008”

“Poderíamos alcançar avanços surpreendentes no contexto da mobilização para a paz”, afirma pesquisadora

Soldados filipinos marcham no porto de Manila, em 30 de outubro
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Por Nils Zimmermann

A violência tem um grande impacto na economia global, aponta Talia Hagerty, pesquisadora do Instituto de Economia e Paz (IEP), com sede em Sydney, na Austrália. “Vamos comparar a fabricação de computadores com a produção de armas e perguntar o que faz mais sentido economicamente”, diz ela em entrevista à DW.

Apesar de reconhecer que os avanços tecnológicos resultantes da Segunda Guerra Mundial ou da Guerra Fria, por exemplo, Hagerty aponta que o que se observa é que “organizar seres humanos em torno de um objetivo comum pode alcançar coisas incríveis”.

DW: Quanto custam a guerra e a violência armada por ano?

Talia Hagerty: Quantificamos o impacto econômico da violência na economia global. O que constatamos foi que, em 2016, os custos diretos e indiretos da violência totalizaram por volta de 14,3 trilhões de dólares (46,3 trilhões de reais) em paridade de poder de compra (PPC), incluindo efeitos multiplicadores. Esse número inclui não apenas os custos de guerras, mas também de outras formas de violência, como terrorismo, homicídios e crimes violentos.

DW: Como se calculam os custos da guerra?

TH: Quando um soldado é ferido na guerra, há custos diretos, como seus cuidados médicos, e custos indiretos, como perda salarial se ela ou ele ficar inválido. Mas isso não é tudo. Suponhamos que o tratamento de um soldado ferido custe 100 mil dólares, além dos cinco anos de salários perdidos por incapacidade de trabalhar, totalizando 250 mil dólares. Esse não é o custo total, porque esse dinheiro poderia ter sido gasto em algo produtivo, que agrega valor.

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Quando se fabrica uma bomba, no melhor dos casos, ela nunca é usada. No pior cenário, ela é lançada e destrói valor em forma de vidas humanas ou capital físico, ou provavelmente os dois. Então, vamos comparar a fabricação de computadores com a produção de armas e perguntar o que faz mais sentido economicamente.

DW: Mas a guerra e a ameaça de guerra não são positivas para a economia de países como EUA, Rússia, Reino Unido, França ou outros que têm grande poderio militar e exportam muitas armas?

TH: Se é bom para esses países? Não. Pode ser rentável para certo número de empresas? Certamente. Mas isso não é tudo. As economias nacionais mencionadas prosperam num contexto de comércio globalizado. O impacto econômico da violência na economia global supera em muito aquele provocado pela crise financeira de 2008, por exemplo.

Então, se quisermos ter nações prósperas num mundo globalizado, isso significa que temos que olhar para o panorama completo – não apenas mensurar a prosperidade de nações ou setores individualmente, como empresas de fabricação de armas.

DW: Mas não é verdade que despesas militares também geram uma grande e valiosa inovação tecnológica? Por exemplo, os transistores e a internet são ambos resultados do financiamento da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (Darpa). E os alemães fizeram progressos surpreendentes em tudo, desde turbinas a foguetes, durante os seus seis anos de fúria, de 1939 a 1945. A urgência da guerra ou a competição bélica parece estimular a alta criatividade e o desempenho em termos tecnológicos e, portanto, também em termos econômicos.

TH: Claro. É inegável que um grande número de avanços tecnológicos veio de pressões militares. Mas acho que o que se observa aqui é que organizar seres humanos em torno de um objetivo comum pode alcançar coisas incríveis. Então, devemos investir dinheiro em pesquisa? Claro que devemos. Mas precisa ser uma pesquisa militar? O fato é que, na verdade, esses avanços surgiram devido a elevados níveis de paz positiva, não apesar deles.

Iraque Soldado iraquiano no front contra o Estado Islâmico, em 28 de outubro (Foto: Ahmad al-Rubaye / AFP)

DW: Paz positiva? O que é isso?

TH: A paz positiva são atitudes, instituições e estruturas que sustentam sociedades internamente pacíficas e criam ambientes ideais para que o potencial humano floresça. Identificamos oito fatores principais que estão associados estatisticamente com a ausência de violência e altos níveis de paz interna dentro de um país:

1. Bom funcionamento do governo;

2. Distribuição equitativa de recursos;

3. Livre fluxo de informações;

4. Boas relações com os vizinhos;

5. Altos níveis de capital humano que aumentam a expectativa de vida e a alfabetização;

6. Aceitação dos direitos dos outros;

7. Baixos níveis de corrupção;

8. Ambiente comercial saudável.

Isso leva a uma combinação de fatores que contribuem para a segurança humana básica, diversidade produtiva e justiça. Por diversidade produtiva, quero dizer, não estamos “tolerando” a diversidade, estamos abraçando-a e acionando-a para reunir diferentes pontos de vista e gerar resultados produtivos.

DW: Como tudo isso se relaciona com a Guerra Fria e as tecnologias incríveis que dela resultaram?

TH: Não se viram avanços tecnológicos que deram origem à internet, por exemplo, acontecer sem altos níveis de capital humano. 

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DW: Mas houve a pressão da Guerra Fria como também a ameaça de aniquilação mútua entre os EUA e a antiga União Soviética.

TH:  Sim. Mas os erros do passado não precisam definir o futuro. Numa interpretação generosa, as pessoas durante a Guerra Fria fizeram o melhor que puderam com a informação e as narrativas que tinham na época. Mas o estudo da economia da paz está, na verdade, apenas começando.

Se analisarmos a questão de forma diferente, poderemos alcançar, certamente, esses tipos de avanços surpreendentes no contexto da mobilização para a paz e a prosperidade em vez de para a guerra.

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