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Grécia: de um extremo a outro

Enquanto os extremistas da Aurora Dourada espancam estrangeiros, Evi Andrianou ensina os Roma

Enquanto os extremistas da Aurora Dourada espancam estrangeiros, Evi Andrianou ensina os Roma
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de Atenas

Recentemente, Sofia Mandilara caminhava pelo parque nas cercanias de sua casa com seu cachorro, no centro de Atenas, quando presenciou uma chuva de pombos mortos. “Foi uma loucura”, diz a especialista de economia e Relações Internacionais, de 27 anos.

O que estava acontecendo?

Desempregada faz seis meses, a voluntária de uma ONG de animais abandonados foi investigar o motivo da chuva de pombos. Descobriu que colocam diferentes tipos de venenos misturados com pedaços de pão nos parques de Atenas. E muitas vezes colocam vidros na mescla. Resultado: cães e outros animais, incluindo pombos, morrem.

Segundo Mandilara, uma tuiteira com 4,600 seguidores, incluindo o diário britânico The Guardian e as redes de tevê BBC, CNN e a francesa TV5, a crueldade por parte de numerosos gregos “é inenarrável”.

Em tempos de crise, a Grécia virou um mundo kafkiano.

Diante da crise econômica, numerosos cidadãos se veem forçados a abandonar seus animais de estimação, visto que não têm meios para pagar pela sua alimentação.

Cerca de 40% dos cachorros foram abandonados pelas ruas de Atenas. Os vi por todas as partes, aos montes, inclusive diante da Acrópolis.

Em uma ocasião, Sofia tentou se aproximar de um cão abandonado para lhe fazer um afago. O cachorro se afastou.  “Esse apanhou”, observou ela.

E acrescentou: “Está vendo a coleira dele? Nela há o número do voluntário e se qualquer coisa acontecer com o cão, um atropelamento, por exemplo, as pessoas podem chamar o voluntário que virá socorrer o cão. O cachorro só está abandonado porque não encontraram uma casa para ele morar”.

Presenciei outros gestos de solidariedade, desta feita com seres humanos.

Por exemplo, um cidadão nascido em Bangladesh só tinha 1 euro para pagar pelas frutas que havia comprado e valiam 5 euros. “O senhor me paga os 4 euros quando tiver dinheiro”, lhe disse Aggeliki, a feirante de 55 anos, ao entregar uma sacola plástica com as frutas para o faxineiro de 44 anos.

Aggeliki, diga-se, não atravessa um bom momento. Vive com três filhos, de 22 a 28 anos, todos com diplomas universitários e desempregados. O marido também está em busca de emprego.

Quando Aggeliki esteve no hospital para tratar de fortes dores de cabeça crônicas, diagnosticaram um problema psicossomático.

Segundo Vassiliki Souladaki, pesquisadora do think tank Isteme, antidepressivos e calmantes são mais vendidos do que aspirina na Grécia. Em parte, isso se deve ao fato de não haver a necessidade de prescrição médica.

Famílias como a de Aggeliki sobrevivem, diz Souladaki, porque vivem juntas. “Se o modo de viver aqui na Grécia fosse semelhante ao do Reino Unido, muita gente já estaria morta de fome.”

Em contrapartida, o cheiro do medo se esparrama por Atenas.

Uma de minhas entrevistas com uma cidadã foi interrompida por dois homenzarrões. Com ar de poucos amigos, os dois vestidos de preto e com os crânios raspados, me pedem o caderno de anotações. “Aqui não admitimos entrevistas.” Ofereço um compromisso: as folhas da conversa e fico com o bloco de anotações. Os extremistas, a integrar a legenda nazista Aurora Dourada, com membros no Parlamento, concordam.

“Mas se você voltar aqui vai ser espancado, como o fazemos com todos os estrangeiros”, anunciam.

Estamos em Agios Panteleimonas, onde se encontra a sede principal da legenda Aurora Dourada (Chryssi Avgui), a terceira mais votada nas legislativas de junho.

Os integrantes da organização usam braçadeiras com o símbolo da agremiação, adoram uma bandeira grega e se saúdam como fascistas. Alem de estrangeiros, especialmente os de cor escura, espancam judeus e homossexuais.

Segundo o jornalista Dimitris Psarras, em 1980 surge a revista nacional-socialista intitulada Aurora Dourada. A personagem predileta da publicação é Hitler.

No seu livro sobre os extremistas, Psarras demonstra como um considerável número de policiais votou no Aurora Dourada nas ultimas legislativas de junho. Não surpreende, portanto, o medo que muitos cidadãos têm da polícia.

Evi Andrianou, uma atriz que trabalha em sete escolas com alunos Roma, me diz conhecer várias pessoas que votaram na agremiação. “Não falo mais com elas.”

Andrianou passa seu tempo a ensinar crianças ciganas. Para eles, conta a atriz, a encenação, o ritmo e a música fazem parte de sua cultura. “Então faço mímicas, invento vozes, atuo, crio peças de teatro, enfim, tento ser o mais criativa possível.”

Fundamental, continua, é convencer os “céticos” pais que “a escola é uma solução boa”. Muitas dessas crianças crescem nas ruas, “sem paredes”, como diz Andrianou, “precisam de orientação”.

O resultado, muitas vezes, “é incrível”, diz a atriz. “Você não poderia distinguir entre crianças Roma e gregas.”

de Atenas

Recentemente, Sofia Mandilara caminhava pelo parque nas cercanias de sua casa com seu cachorro, no centro de Atenas, quando presenciou uma chuva de pombos mortos. “Foi uma loucura”, diz a especialista de economia e Relações Internacionais, de 27 anos.

O que estava acontecendo?

Desempregada faz seis meses, a voluntária de uma ONG de animais abandonados foi investigar o motivo da chuva de pombos. Descobriu que colocam diferentes tipos de venenos misturados com pedaços de pão nos parques de Atenas. E muitas vezes colocam vidros na mescla. Resultado: cães e outros animais, incluindo pombos, morrem.

Segundo Mandilara, uma tuiteira com 4,600 seguidores, incluindo o diário britânico The Guardian e as redes de tevê BBC, CNN e a francesa TV5, a crueldade por parte de numerosos gregos “é inenarrável”.

Em tempos de crise, a Grécia virou um mundo kafkiano.

Diante da crise econômica, numerosos cidadãos se veem forçados a abandonar seus animais de estimação, visto que não têm meios para pagar pela sua alimentação.

Cerca de 40% dos cachorros foram abandonados pelas ruas de Atenas. Os vi por todas as partes, aos montes, inclusive diante da Acrópolis.

Em uma ocasião, Sofia tentou se aproximar de um cão abandonado para lhe fazer um afago. O cachorro se afastou.  “Esse apanhou”, observou ela.

E acrescentou: “Está vendo a coleira dele? Nela há o número do voluntário e se qualquer coisa acontecer com o cão, um atropelamento, por exemplo, as pessoas podem chamar o voluntário que virá socorrer o cão. O cachorro só está abandonado porque não encontraram uma casa para ele morar”.

Presenciei outros gestos de solidariedade, desta feita com seres humanos.

Por exemplo, um cidadão nascido em Bangladesh só tinha 1 euro para pagar pelas frutas que havia comprado e valiam 5 euros. “O senhor me paga os 4 euros quando tiver dinheiro”, lhe disse Aggeliki, a feirante de 55 anos, ao entregar uma sacola plástica com as frutas para o faxineiro de 44 anos.

Aggeliki, diga-se, não atravessa um bom momento. Vive com três filhos, de 22 a 28 anos, todos com diplomas universitários e desempregados. O marido também está em busca de emprego.

Quando Aggeliki esteve no hospital para tratar de fortes dores de cabeça crônicas, diagnosticaram um problema psicossomático.

Segundo Vassiliki Souladaki, pesquisadora do think tank Isteme, antidepressivos e calmantes são mais vendidos do que aspirina na Grécia. Em parte, isso se deve ao fato de não haver a necessidade de prescrição médica.

Famílias como a de Aggeliki sobrevivem, diz Souladaki, porque vivem juntas. “Se o modo de viver aqui na Grécia fosse semelhante ao do Reino Unido, muita gente já estaria morta de fome.”

Em contrapartida, o cheiro do medo se esparrama por Atenas.

Uma de minhas entrevistas com uma cidadã foi interrompida por dois homenzarrões. Com ar de poucos amigos, os dois vestidos de preto e com os crânios raspados, me pedem o caderno de anotações. “Aqui não admitimos entrevistas.” Ofereço um compromisso: as folhas da conversa e fico com o bloco de anotações. Os extremistas, a integrar a legenda nazista Aurora Dourada, com membros no Parlamento, concordam.

“Mas se você voltar aqui vai ser espancado, como o fazemos com todos os estrangeiros”, anunciam.

Estamos em Agios Panteleimonas, onde se encontra a sede principal da legenda Aurora Dourada (Chryssi Avgui), a terceira mais votada nas legislativas de junho.

Os integrantes da organização usam braçadeiras com o símbolo da agremiação, adoram uma bandeira grega e se saúdam como fascistas. Alem de estrangeiros, especialmente os de cor escura, espancam judeus e homossexuais.

Segundo o jornalista Dimitris Psarras, em 1980 surge a revista nacional-socialista intitulada Aurora Dourada. A personagem predileta da publicação é Hitler.

No seu livro sobre os extremistas, Psarras demonstra como um considerável número de policiais votou no Aurora Dourada nas ultimas legislativas de junho. Não surpreende, portanto, o medo que muitos cidadãos têm da polícia.

Evi Andrianou, uma atriz que trabalha em sete escolas com alunos Roma, me diz conhecer várias pessoas que votaram na agremiação. “Não falo mais com elas.”

Andrianou passa seu tempo a ensinar crianças ciganas. Para eles, conta a atriz, a encenação, o ritmo e a música fazem parte de sua cultura. “Então faço mímicas, invento vozes, atuo, crio peças de teatro, enfim, tento ser o mais criativa possível.”

Fundamental, continua, é convencer os “céticos” pais que “a escola é uma solução boa”. Muitas dessas crianças crescem nas ruas, “sem paredes”, como diz Andrianou, “precisam de orientação”.

O resultado, muitas vezes, “é incrível”, diz a atriz. “Você não poderia distinguir entre crianças Roma e gregas.”

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