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Dez perguntas e respostas sobre a Coreia do Norte

As provocações de Pyongyang continuam com o aumento do número de testes com mísseis e bombas. E em todo o mundo cresce a preocupação que um conflito com a Coreia do Norte esteja bem próximo de começar.

Kim e Trump. O que esperar?
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O que a Guerra da Coreia tem a ver com o conflito atual?

A Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, ainda está onipresente na consciência coletiva dos norte-coreanos, sobretudo porque Pyongyang não mede esforços em manter vivas as memórias do conflito. A propaganda da Coreia do Norte contra os EUA é tão eficaz porque as forças aliadas travaram uma guerra tendo pouca consideração pelos civis.

Em apenas três anos de luta, os EUA realizaram bombardeios contínuos contra a Coreia do Norte, matando um quinto de sua população. O comandante das Forças Aliadas, o general americano Douglas MacArthur, sugeriu o uso de “30 a 50 bombas atômicas”, o que, na época, foi muito drástico para o então presidente dos EUA, Harry S. Truman.

Tecnicamente, a guerra ainda não acabou, já que nenhum tratado de paz foi assinado. Por outro lado, um cessar-fogo está vigente há 64 anos. A presença de 30 mil soldados americanos na Coreia do Sul e os exercícios militares regulares dos americanos com tropas sul-coreanas deixam os norte-coreanos com uma sensação permanente de ameaça.

Como é a vida das pessoas na Coreia do Norte?

Anos de isolamento prejudicaram seriamente a economia da Coreia do Norte, o que é motivo de sofrimento até hoje para a população. Em meados da década de 1990, o país sofreu com uma fome desvastadora que matou cerca de 300 mil pessoas. A ONU relata que mais de um terço da população está malnutrida e há falta de assistência médica e saneamento básico.

Um clima rigoroso e extremo, com períodos de inundações e secas, dificulta a autossuficiência de produtos agrícolas, o que faz o país depender das importações. No entanto, devido à tensa situação de política externa e sanções rigorosas, a Coreia do Norte tem negócios com poucos parceiros, como China e Irã. Mesmo assim, as organizações internacionais tentam prover ajuda humanitária ao país. Atualmente, a ONG internacional Ação contra a Fome ajuda a Coreia do Norte com mais de dois bilhões de euros.

O regime de Kim Jong-un é realmente irracional?

Não há dúvidas de que Kim Jong-un, de 33 anos, é um déspota que tem como objetivo manter seu poder a qualquer preço na única ditadura comunista familiar do mundo. Mas Kim não deve ser visto como o “louco de Pyongyang”. Ao longo dos últimos seis anos, ele pode ter agido de forma imprudente, mas também estratégica. Kim fortaleceu seu poder no Estado, partido e Exército. Rivais potenciais como seu meio-irmão e tio foram eliminados. 

Seus programas nuclear e de mísseis são racionais em relação ao seu principal objetivo de manter o sistema. Kim não precisa de mísseis como armas de ataque. O que ele realmente quer é um efeito de dissuasão perfeito – e dialogar com os EUA em pé de igualdade, de uma potência nuclear para outra.

Como a Coreia do Sul avalia a situação?

A Constituição sul-coreana, de 1987, se compromete com a reunificação pacífica baseada na liberdade e democracia. Mas nem a chamada “Política do Sol” de Kim Dae Jung no início do novo milênio, nem as medidas mais duras de seus predecessores conseguiram alcançar algum sucesso na aproximação entre os dois países.

Após um período de turbulência doméstica, a Coreia do Sul elegeu um novo presidente – Moon Jae-in – em maio de 2017. Ele defende um entendimento com a Coreia do Norte e anunciou manter uma maior distância dos EUA. Até o momento, Pyongyang não respondeu às ofertas de Seul de sentar numa mesa de negociações.

A volátil política dos EUA para a Coreia do Norte é mais um fator que torna difícil o trabalho da Coreia do Sul. Moon parece se preocupar em garantir que seu país não se torne refém político de um conflito internacional.

Como aconteceria um conflito militar?

Por trás de ambas as Coreias altamente armadas estão os antigos aliados da Guerra da Coreia, que são também rivais: a China apoia Pyongyang, enquanto que os EUA apoiam Seul. Um conflito provavelmente envolveria o Japão, Rússia e, por causa da Otan, a Alemanha.

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Se uma guerra entre as duas Coreias acontecer, milhões de vidas estariam em perigo imediato sem o uso de armas nucleares. A capital da Coreia do Sul, Seul, com uma população de cerca de 10 milhões de pessoas, fica a apenas 60 quilômetros da fronteira norte-coreana, e está ao alcance de milhares de peças de artilharia de Pyongyang. 

Pyongyang teve décadas para esconder e proteger suas instalações militares. Até mesmo a potência militar americana não seria capaz de eliminar todas as armas a tempo. Além de armas nucleares, Kim também possui toneladas de armas químicas e biológicas. A longo prazo, a Coreia do Norte não conseguiria ganhar uma guerra, mas toda a península coreana seria transformada literalmente em cinzas no caso de um conflito.  

Gráfico (Fonte: DW)

Como Donald Trump mudou a política dos EUA em relação à Coreia do Norte?

Com a entrada de Trump na Casa Branca, a política dos EUA para a Coreia do Norte sofreu uma reviravolta. Logo no início de seu mandato, o caso do estudante americano Otto Warmbier causou grande preocupação. Após sair de uma prisão norte-coreana, o jovem apresentava sinais de abuso físico e morreu poucos dias depois de chegar aos EUA.

Sobre as mais recentes provocações, Trump reagiu com muita indignação, afirmando que reagiria com “fogo e fúria” caso a Coreia do Norte continuasse com seus testes de mísseis, usando uma retórica semelhante a de Kim Jong-un.

Após os apelos internacionais, ambos os lados atenuaram a retórica. Mas, apenas alguns dias depois, os EUA realizaram suas manobras militares anuais com a Coreia do Sul, apesar dos protestos de Pyangyong.

Por que a China hesita em pressionar a Coreia do Norte?

O Ocidente espera que a China endureça suas sanções contra a Coreia do Norte, especialmente quando se trata de exportações de petróleo. Mas Pequim rejeita e continua exportando petróleo e alimentos para Pyongyang dizendo se tratar de “ajuda humanitária”.

Entretanto, Pequim aderiu às sanções previamente estabelecidas pela ONU que impedem a importação de carvão e outros produtos norte-coreanos. No geral, não está claro qual é a influência da China sobre a Coreia do Norte: por várias vezes, Pyongyang realizou testes atômicos, apesar de avisos intensos de Pequim.  

A China teme uma mudança de regime na Coreia do Norte, especialmente se isso levar a uma reunificação com a Coreia do Sul. Isso colocaria a península coreana completamente sob a influência dos EUA, e soldados americanos ficariam estacionados diretamente na fronteira com a China – um pesadelo para a liderança chinesa.

A Rússia é mais do que um observador silencioso?

Moscou afirma que os testes com mísseis balísticos são uma “séria ameaça para o tráfego aéreo e marítimo na região”, bem como um perigo para os civis. A Rússia divide uma fronteira de apenas 17 quilômetros com a Coreia do Norte. Por outro lado, os russos também alertam os EUA contra uma ação militar, e querem contribuir com uma solução diplomática para os problemas na península coreana.

O Kremlin ainda é cauteloso sobre sanções à Coreia do Norte, mas em linha com as resoluções da ONU, suspendeu todos os seus projetos econômicos importantes com Pyongyang. No entanto, Moscou está preparada, caso seja necessário, para fortalecer o regime norte-coreano.

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No final de agosto, pela primeira vez, uma agência de viagens russa ofereceu passeios na Coreia do Norte. Além disso, um programa matinal da televisão russa mostrou, por uma semana, reportagens que elogiavam a beleza da Coreia do Norte.

O que a ONU faz?

Apenas no ano passado, a ONU apresentou uma estratégia abrangente para sua futura cooperação com a Coreia do Norte nos próximos cinco anos: em estreita colaboração com o governo Kim, a organização gostaria de aproximar o país com seus objetivos de desenvolvimento, e apoiar seu progresso econômico. Desde as provocações mais recentes, a relação entre a ONU e o regime norte-coreano está tensa.

Somente no início de agosto que o Conselho de Segurança concordou com uma resolução da ONU que adota as sanções mais duras fechadas até hoje contra a Coreia do Norte. Por um lado, o país foi proibido de exportar carvão e ferro, mas também peixes e frutos do mar, deixando de vender produtos no valor de cerca de 1 bilhão de dólares. Além disso, várias organizações foram colocadas na lista negra da ONU, incluindo o banco de operações cambiais da Coreia do Norte.

Coreia do Sul Funcionário do serviço meteorológico sul-coreano vê noticiário que destaca teste de Pyongyang, no sábado 3 (Foto: Jung Yeon-Je / AFP)

A diplomacia ainda pode funcionar?

A diplomacia com a Coreia do Norte é um desafio em si mesma. Nas chamadas “conversas de seis partes”, a Coreia do Norte provou ser excepcional em colocar seus parceiros de negociação uns contra os outros para seu próprio proveito. Ao longo de seis anos, Pyongyang manteve conversas sobre seu programa nuclear com China, Rússia, EUA, Coreia do Sul e Japão.

Tendo em vista a situação atual, especialistas discutem sobre um “congelamento duplo”: para isso, a Coreia do Norte congelaria seus programas nucleares e de mísseis; e os EUA e Coreia do Sul renunciariam às manobras militares conjuntas. Seul e Washington recusam a proposta.

Pyongyang cobraria um preço alto para interromper seu programa nuclear: negociações bilaterais com os EUA para um tratado de paz que substituiria o acordo de cessar-fogo de 1953. O problema é que a Coreia do Sul teria que reconhecer em sua Constituição um segundo Estado coreano. E, dessa forma, Washington não teria mais legitimidade de estacionar tropas americanas na Coreia do Sul, enfraquecendo seu papel de domínio na região da Ásia-Pacífico.

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