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Como a esquerda brasileira avalia a crise na Nicarágua?

Partidos se preocupam com possível interferência dos EUA, mas divergem sobre responsabilidade de Ortega na escalada da violência

Há relatos de centenas de manifestantes mortos, em boa medida estudantes
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A grave crise política na Nicarágua, sob o governo do líder sandinista Daniel Ortega, tem provocado posições diversas da esquerda em toda a América Latina, inclusive no Brasil. Os conflitos no país, que já deixaram mais de 300 mortos, são atribuídos tanto a polícia nicaraguense, como a grupos paramilitares e civis.

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Para o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, o governo sandinista se ampara em “acordos eleitorais e setores das oligarquias” e não em movimentos de massas. “Parece claro que Ortega esteve envolvido em violações aos direitos humanos e reprimiu violentamente as manifestações”, diz Medeiros.

“Reconhecendo o governo legitimamente eleito, a esquerda latino-americano deve exigir o fim imediato da violência do governo e dos bandos de direita que disputam os rumos da oposição e defender o absoluto respeito aos direitos humanos e ao Estado Democrático de Direito”

A Organização dos Estados Americanos (OEA) culpa o governo pela ascensão da violência no País ao aprovar um documento onde “condena vigorosamente” os atos de repressão promovidos pela polícia e outros grupos paramilitares” e pede, com urgência, que Ortega apoie um novo calendário eleitoral no país e dialogue com a oposição. 

A CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que visitou a Nicarágua em missão recente, considerou a situação “alarmante” e denunciou “práticas de terror, com detenções em massa e assassinatos”. 

Para a secretária de Relações Internacionais do PT, Mônica Valente, não há hoje na América Latina organismos e lideranças políticas, “além de boa vontade dos atuais governos latino-americanos”, para mediar o conflito no pequeno país da América Central, que para a secretária tem paralelos com as manifestações de junho de 2013 no Brasil, “com pequenos grupos de estudantes, em especial de instituições privadas, financiados pelos Estados Unidos”.

“O histórico social do País, muito em função dos resquícios da revolução, faz com que a sociedade, de modo geral, responda de maneira violenta aos conflitos, embora o país tenha feito campanhas de desarmamento. Defendemos (o partido) que essas mortes sejam investigadas, e que por meio da manutenção da ordem democrática os nicaraguenses entrem em um acordo de paz.”

O conflito

As manifestações começaram após o governo nicaraguense propor um projeto de reforma da previdência – em pouco tempo abortado -, e se intensificaram depois que a oposição entrou com um pedido de renúncia do presidente Ortega, eleito em 2016 com 72% dos votos.

Há relatos de mais de 300 mortes no país desde a escalada de conflitos entre o governo e manifestantes. As mortes são atribuídas, de um lado ou de outro, a seguranças particulares, à própria polícia nicaraguense, e a grupos paramilitares.

Setores ligados à igreja Católica tentaram intermediar diálogos com o governo após a tensão da reforma previdenciária, mas recuou com a escalada de violência. Agora, os bispos têm sido acusados de estarem mais comprometidos com a oposição que pretende dar um golpe e tirar Ortega do poder.

Esquerda latino-americana dividida

Durante uma sessão do Senado uruguaio, no dia 17 deste mês, o senador e ex-presidente Pepe Mujica aprovou uma declaração que condena os atos de violência e repressão aos manifestantes e das violação dos direitos humanos na Nicarágua por parte do governo de Ortega. “Me sinto mal, porque conheço gente tão velha como eu, porque recordo nomes e companheiros que perderam a vida na Nicarágua lutando por um sonho”, disse Mujica na ocasião.

A Venezuela e a Bolívia manifestaram apoio à Nicarágua e afirmaram que a OEA promovia os interesses norte-americanos e assumia uma postura “intervencionista” com a decisão. 

No Chile, o Partido Socialista, da ex-presidente Michelle Bachelet, manifestou, em nota, “nossa indignação contra a violenta repressão” e defendeu o “restabelecimento da normalidade democrática” no país centro-americano.

Morte de estudante brasileira 

Na noite de terça-feira 23 a brasileira Raynéia Gabrielle Lima, estudante de medicina em Manágua, capital da Nicarágua, foi morta a tiros nas proximidades do hospital onde dava plantões.

Em nota, a Polícia Nacional, ligada a Ortega, afirmou que um segurança privado, “em circunstâncias ainda não determinadas”, realizou disparos com arma de fogo, sendo que um deles teria atingido a estudante brasileira. Segundo as autoridades da Nicarágua, o “guarda de vigilância privada” está sendo investigado. Há também relatos de que um grupo de paramilitares ainda não identificados é que teriam metralhado o carro de Raynéia.

A estudante foi morta com um tiro no peito. O assassinato foi divulgado pela imprensa local e por integrantes do coletivo de nicaraguenses no Brasil pela Nicarágua, que denunciam o assassinato de opositores políticos ao presidente Daniel Ortega.

O caso reverberou na relações diplomáticas entre Brasil e Nicarágua . O Itamaraty chamou, para consultas, o embaixador brasileiro na Nicarágua, Luís Claudio Villafañe Gomes Santos. A embaixadora da Nicarágua no Brasil, Lorena Del Carmen, também foi convocada para prestar esclarecimentos. Ela esteve no Itamaraty em reunião com o subsecretário de América Central e Caribe, Paulo Estivallet. 

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