Mundo

Com míssil intercontinental, Coreia do Norte eleva aposta, dizem analistas

Pyongyang busca levar a tensão à “beira do precipício” para colher frutos em futuras negociações

Com míssil intercontinental, Coreia do Norte eleva aposta, dizem analistas
Com míssil intercontinental, Coreia do Norte eleva aposta, dizem analistas
Kim Jong-Un em 13 de abril. Ele aposta alto
Apoie Siga-nos no

Com seu míssil balístico intercontinental (ICBM), a Coreia do Norte aposta em aumentar seu poder de barganha frente a eventuais negociações com os Estados Unidos, afirmam analistas, ainda que, ao mesmo tempo, esse movimento afaste a possibilidade de um diálogo.

O artefato põe ao alcance de Pyongyang o acalentado sonho de desenvolver um míssil capaz de transportar uma ogiva nuclear até o território continental dos Estados Unidos, colocando um sério desafio para o presidente Donald Trump.

Para especialistas consultados pela AFP, o míssil lançado no Dia da Independência dos Estados Unidos (4 de julho) é capaz de atingir o Alasca e até além.

“Tudo parece indicar que o Norte está buscando subir a aposta diplomática o máximo possível e garantir uma posição favorável em suas relações com o resto do mundo, incluindo Estados Unidos e Coreia do Sul”, comentou o professor de estudos norte-coreanos Kim Yong-Hyun, da Universidade Dongguk, de Seul.

A península coreana está dividida desde a Guerra da Coreia, a qual terminou em 1953 com um armistício, e não com um acordo de paz. Pyongyang alega que precisa de armas nucleares para se defender da permanente ameaça de uma invasão.

De acordo com o governo, o programa nuclear e de mísseis nunca será negociável, a menos que Washington abandone o que Pyongyang classifica como “política hostil” americana.

Os cálculos de Kim Jong-Un

O momento escolhido para o teste do míssil – após a primeira reunião entre Trump e o novo presidente sul-coreano, Moon Jae-In, e antes da cúpula do G20 – parece ser deliberado, avaliou Kim.

O presidente Moon quer dialogar com o vizinho do Norte e levá-lo à mesa de negociações, o que recebeu o apoio de Trump. O lançamento do míssil foi, porém, “claramente uma porta na cara de Moon”, opinou Kim.

“Com frequência, Moon diz que quer estar sentado ‘no banco do motorista, e não no banco de trás’ para desempenhar um papel de liderança nas negociações nucleares”, lembrou o pesquisador na conversa com a AFP. “Aparentemente, o que Kim Jong-Un está dizendo é que ele é que deveria estar sentado no banco do motorista”, acrescentou.

Um número crescente de analistas acredita que – cedo, ou tarde – os Estados Unidos terão de negociar com o Norte. “Em última análise, não restará outra opção a não ser o diálogo”, apontou o professor Kim Yeon-Chul, da Universidade Inje, da Coreia do Sul.

Linha Vermelha

Durante décadas, Pyongyang buscou obter concessões de seus rivais com uma mistura de provocação e de gestos ocasionais pacíficos – às vezes com sucesso – antes de o processo voltar a desmoronar.

De acordo com o analista coreano Cho Han-Bum, do Korean Institute for National Unification, o lançamento do míssil na terça 4 foi outro “movimento altamente calculado e calibrado de estratégia do precipício”.

Segundo ele, esse movimento consiste em levar uma ação perigosa a até quase as últimas consequências para forçar o adversário a retroceder e tentar alcançar o resultado mais vantajoso para si mesmo.

Nikki Haley Nikki Haley, embaixadora dos EUA na ONU, em 5 de julho. Washington pressiona a Rússia e a China contra Pyongyang (Foto: Jewel SAMAD / AFP)

Outra “linha vermelha” que Pyongyang evitou cruzar até agora é a realização de um sexto teste nuclear. Já o lançamento de um míssil “faz parte de sua tentativa de subir a aposta”, de olho em futuras negociações, acrescenta.

O problema é que, ao fazer isso, “torna ao mesmo tempo mais difícil para a comunidade internacional lançar as negociações”. O especialista sugere também que o Norte “não tem pressa” em chegar às negociações e pode, pelo contrário, continuar elevando a aposta.

G20 dividido

Enquanto isso, Washington pode se ver obrigado a ter de se conformar com continuar pedindo ao mais próximo aliado da Coreia do Norte – a China – que faça mais para conter o vizinho.

Em um tuíte, Trump convidou Pequim para pôr um limite a Pyongyang “e acabar com esse nonsense de uma vez por todas”. 

Míssil O míssil intercontinental norte-coreano pode atingir os EUA (Foto: KCNA / AFP)

Pequim insiste em que já foram feitos “dedicados esforços” sobre el tema e considera que o pior cenário seria um colapso do regime de Pyongyang capaz de provocar um fluxo de refugiados em massa. Ou ainda pior: o envio de tropas americanas para sua fronteira com uma Coreia unificada.

Até agora, sucessivos pacotes de sanções da ONU fracassaram na tentativa de conter o impulso norte-coreano. As chamadas “sanções secundárias” dos Estados Unidos para penalizar empresas que fizerem negócios na Coreia do Norte podem afetar interesses chineses.

Esse quadro dificilmente estimulará Pequim – já bastante irritada com o escudo antimísseis dos Estados Unidos instalado em solo sul-coreano – a dar uma mão no imbróglio na península.

Em artigo publicado pela rede BBC, o pesquisador John Nilsson-Wright, do think tank Chatham House, com sede em Londres, disse que o Norte pode continuar jogando com o tempo “e, ao mesmo tempo, continuar capitalizando as divisões na comunidade internacional”.

Na véspera da cúpula do G20, ficam cada vez mais claras as divergências das principais potências mundiais sobre o tema: de um lado, China e Rússia pedem moderação e, do outro, Estados Unidos insistem em uma reação.

*Leia mais em AFP

 

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo