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Eleição no Botafogo expõe bastidores tensos das SAFs

Em ascensão, o modelo promete saldar dívidas e garantir títulos, mas também provoca controvérsias e conflitos de interesses

Eleição no Botafogo expõe bastidores tensos das SAFs
Eleição no Botafogo expõe bastidores tensos das SAFs
Libertadores. O alvinegro carioca levou a taça – Imagem: Vitor Silva/Botafogo F.R.
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Enquanto o Fluminense – recente vencedor da Libertadores e um dos mais tradicionais clubes do Brasil – penou para continuar na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, clubes da Série A transformados em Sociedades Anônimas do Futebol, as SAFs, tiveram uma temporada positiva.

Diante das crescentes dificuldades de gestão do futebol fora do modelo, que movimentou mais de 1 bilhão de reais no Brasil, o presidente Mário Bittencourt anunciou que, com o apoio do BTG Pactual, dará início em 2025 à privatização da gestão do futebol do clube. Para viabilizar o plano, ele enfrenta a resistência de antigos sócios, receosos de que a “alma” do tricolor das Laranjeiras seja perdida. “Precisamos abrir o leque para a venda do controle do futebol, porque isso aumentará os recursos para montar times fortes e trará investimentos para quitar as dívidas do clube”, argumenta Bittencourt.

Fim das dívidas históricas e aquisição imediata de craques: esse é o canto da sereia das SAFs, cuja promessa tem conquistado a maioria dos grandes clubes brasileiros. Vizinho do Fluminense, o Botafogo desponta como o caso mais bem-sucedido do modelo no País, apenas três anos após 90% de seu controle ter sido adquirido pela Eagle Holding, do magnata norte-americano John Textor. Sob sua gestão, o clube não apenas começou a sanear um passivo de 900 milhões de reais, mas também recebeu, em 2024, um investimento de mais de 300 milhões de reais, o que resultou na inédita conquista da Libertadores e no tão aguardado título do Campeonato Brasileiro, encerrando um jejum de 29 anos.

O sucesso da SAF não impede, contudo, que o Botafogo viva dias de intensa polêmica política. Às vésperas da eleição para presidente do clube associativo, marcada para a quinta-feira 19. E o motivo é inusitado: o candidato a presidente e atual vice-presidente geral, Vinícius Assumpção, denuncia que o cabeça da chapa adversária, João Paulo Magalhães, que estreia na política alvinegra, já é dono de outra SAF, que controla o futebol do Boavista, clube da cidade de Saquarema que neste ano jogou a Série D do Brasileirão.

O sucesso esportivo, porém, não afastou polêmicas políticas. Às vésperas da eleição para presidente do clube associativo, marcada para o dia 19, o atual vice-presidente e candidato à presidência, Vinícius Assumpção, acusou seu adversário, João Paulo Magalhães, de conflito de interesses. Magalhães, estreante na política alvinegra, é proprietário da SAF do Boavista, clube de Saquarema que jogou a Série D neste ano.

“Agora, do nada, ele quer vir para o Botafogo?”, questiona Assumpção, que reuniu documentos que comprovam a associação de Magalhães à SAF do Boavista, criada em 2023. “Por que não se interessou pelo Botafogo quando o clube estava ameaçado até de fechar as portas?”

Os papéis, aos quais CartaCapital teve acesso, mostram que, em 27 de setembro de 2024, a empresa Origem Consultoria e Participações, pertencente a João Paulo Magalhães e detentora das ações da SAF do Boavista, transferiu seu controle para a Confidence, criada no mesmo mês pelo advogado Luís Felipe Teixeira, também associado ao clube. O detalhe controverso é que o CNPJ da Confidence só foi concedido em 30 de setembro, três dias após a transação. Além disso, o estatuto da SAF do Boavista estabelece que nenhuma decisão sobre o futebol do clube pode ser tomada sem o aval da Origem.“Há claro conflito de interesse e o estatuto do Botafogo não permite que uma pessoa com poder de decisão em outro clube presida também o Botafogo”, diz Assumpção.

Magalhães, apoiado por figuras como Durcésio Mello e Carlos Augusto Montenegro, rebate as acusações: “O que me credencia a ser presidente do Botafogo é o meu passado como dirigente. É o que me qualifica, ainda mais em um período de profissionalismo”, afirma, em nota.

A polêmica sobre a interferência externa antecipa uma discussão sobre a eficácia das SAFs que deve ganhar fôlego em 2025. Com exemplos de sucesso e casos controversos, o modelo deve continuar no centro dos debates sobre o futuro do futebol brasileiro.

O Vasco da Gama, por exemplo, vive uma crise. A empresa norte-americana 777 Partners, que comprou 70% do clube por 700 milhões de reais, está envolvida em denúncias de má gestão e só integralizou 31% do capital prometido. Parte das ações do Vasco foi usada como garantia em empréstimos com a seguradora A-Cap, que passou a deter uma fatia do clube à revelia. Enquanto o processo arbitral conduzido pela FGV se desenrola, o presidente do Vasco, Pedrinho, negocia com possíveis investidores, incluindo Evangelos Marinakis, dono do Olympiacos, e Dmitry Rybolovlev, dono do Monaco.

O Flamengo segue como exceção entre os grandes clubes cariocas. Com um modelo associativo superavitário e vitórias esportivas desde 2019, o novo presidente Luiz Eduardo Baptista, o Bap, reafirma a rejeição ao modelo SAF: “Manteremos a performance esportiva sem cair nessa arapuca.” O discurso ecoa em clubes como Palmeiras, Corinthians e São Paulo, que também resistem à privatização. O Santos, entretanto, deve avançar na discussão em 2025, com rumores sobre o interesse de uma empresa ligada à família de Neymar.

No Nordeste, por outro lado, SAFs verão seus times na Libertadores do ano que vem. O Fortaleza, quarto colocado no Brasileirão, mantém o controle interno de sua SAF, apesar de controvérsias. Já o Bahia, adquirido pelo grupo City Football Group, oscilou na temporada, mas garantiu um oitavo lugar no Nacional e vislumbra um futuro promissor com investimentos previstos de 900 milhões de reais para compra de jogadores, pagamento de dívidas e melhora da infraestrutura.

Já em Minas Gerais as SAFs tiveram destinos contrastantes. Primeira SAF a ser revendida no futebol brasileiro, o Cruzeiro passou das mãos de Ronaldo Fenômeno para as do empresário Pedro Lourenço. O clube, nono colocado no Brasileiro, chegou à final da Sul-Americana e apresenta boas perspectivas para 2025. O Atlético Mineiro, por sua vez, foi finalista da Libertadores e da Copa do Brasil, com aportes de 400 milhões de reais do consórcio Galo Holding, que tem como sócios majoritários os irmãos Rubens e Rafael Menin, donos da MRV Engenharia. O grupo projeta levar o clube à bolsa de valores até 2030.

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