Esporte
A desgraça do Glorioso
Em campo, víamos jogadores perdidos, sem capacidade de reação. Os adversários entravam andando na área botafoguense


O Campeonato Brasileiro, na prática, terminou com o bicampeonato do Palmeiras, que retoma o favoritismo depois de, no correr da disputa, ter sido ameaçado pela atropelada do Botafogo, que terminou em lamentável chabu.
O time carioca derreteu. Depois de ter sido o melhor no primeiro turno, encaminha-se para o fim do segundo turno como um dos times com pior desempenho.
A derrocada botafoguense fecha a temporada como um assunto mais intrigante e instigante que a própria conquista do título alviverde. Sobram argumentos e teses dos mais diretos aos mais esotéricos.
A transformação do time de um turno para o outro foi tão grande que justifica, de fato, todo tipo de especulação, desde análises elaboradas até reações explosivas de torcedores exasperados diante do disparate que passaram a ver quando já davam o título do Brasileirão como favas contadas.
A formação do Botafogo vencedor teve as digitais do português Luis Castro, contratado para participar da construção de um projeto ambicioso, encarnando a coordenação não só do time, mas da concepção do futebol do clube em toda a sua abrangência. E é inegável que foi primoroso nisso. Começa por aí, a meu ver, a compreensão do processo de decadência da campanha.
O treinador foi cobiçado pelos árabes e não recebeu, aqui, uma proposta de melhora – que, ainda que fosse inferior à que lhe foi oferecida, demonstraria a intenção, da parte da diretoria, de ver concluído o trabalho que rendia a liderança do campeonato.
Luis Castro foi embora sob protestos fortes dos torcedores, que deixaram evidente a diferença da relação que eles têm com o time – de paixão absoluta – e aquela que demonstram ter os dirigentes – racional e fria.
Uma característica tradicional dos botafoguenses esteve muito bem representada nesse período por uma faixa exibida nas arquibancadas: “O time entra em campo, todos jogamos juntos”. Isso explica o pequeno público presente no penúltimo jogo, quando, teoricamente, havia chances numéricas de alcançar o título. Mas já se sabia, a esta altura, ser uma ilusão o empate em casa.
Após a saída de Castro, a direção trouxe o brasileiro Caçapa, auxiliar técnico do Lyon, na França. Mas tudo continuou no mesmo diapasão. E não demorou para que Caçapa voltasse para seu posto no clube francês. Foi então substituído por outro lusitano, Bruno Lage, que tentou trocar os pneus com o carro andando e foi muito mal nos resultados. Acabou demitido – ao que se comenta, indisposto com o elenco. Foram, ao todo, cinco treinadores que, como se sabe, trazem suas comissões de confiança. Ficava, assim, evidente a ausência de liderança dentro e fora do campo.
Em campo, víamos jogadores perdidos, com evidente queda do estado físico e sem capacidade de reação. Os adversários entravam andando dentro da área botafoguense. Em um dos jogos, viu-se Marlon Freitas, ponto de equilíbrio da equipe, pedindo calma. Ele mesmo parecia um mestre-sala desnorteado, sem saber seu papel no conjunto que deixou de existir. A equipe, que tinha até um mascote que vivia em afinada sintonia com a torcida, passou a cair em desgraça.
No princípio, fiquei abismado como ninguém – nem a mídia nem os torcedores – cobrou do mandatário principal qualquer responsabilidade pelo insucesso. O futebol do Botafogo, afinal de contas, tem um “dono” que, ao menos inicialmente, tampouco se manifestou.
John Textor, dono da SAF do Botafogo, só voltou ao Brasil no meio do incêndio e acusou o golpe. Com sua experiência, deu-se conta do enrosco em que estava metido e atirou pesado contra a direção da CBF. O dirigente disse também que os jogadores são humanos e sentiram o impacto do descontrole.
Resta agora ver que ações serão tomadas para que o projeto reputado pelo dirigente inédito recupere o Glorioso de tanta história e tradição. •
Publicado na edição n° 1289 de CartaCapital, em 13 de dezembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A desgraça do Glorioso’
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