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Transição ecológica
O governo baiano apresenta ambicioso plano para descarbonizar a economia e mitigar os impactos da crise climática mundial


Um dos estados mais castigados por eventos extremos, de grandes inundações durante o verão a processos de desertificação, a Bahia está dando um passo largo para mitigar os efeitos da crise climática, em sintonia com a Agenda 2030 das Nações Unidas. Desde o ano passado, o governo estadual vem apostando no projeto Bahia Mais Verde, com um olhar mais cuidadoso para as questões ambientais na implementação de políticas públicas.
Coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente, o projeto tem uma pegada transversal, perpassando por todas as secretarias, e está dividido em oito eixos centrais: planejamento, conservação, segurança hídrica, participação social, energia limpa, resiliência, inovação e investimento. A Bahia já é líder nacional na geração de energia eólica, primeira no ranking nordestino de energia solar e se apresenta como um dos mais importantes hubs na produção de hidrogênio verde do mundo, com potencial de oferecer ao mercado mais de 60 milhões de toneladas do produto por ano.
“Ocupamos uma posição de destaque na produção de energias renováveis, temos uma natureza exuberante e alta capacidade de produção, com um mercado favorável, seja na indústria, seja no agronegócio. As ações e as políticas que integram o Bahia Mais Verde permitem ao estado dar novos passos nessa agenda da transição energética”, ressalta o governador Jerônimo Rodrigues, que realizou diversas missões internacionais para apresentar o potencial de energia limpa da Bahia, a exemplo da viagem que fez em maio deste ano para os Países Baixos, onde participou do “World Hydrogen 2024 Summit & Exhibition”, ao lado de outros governadores nordestinos.
O estado já tem matriz elétrica 90% renovável e é líder nacional na geração de energia eólica
Atualmente, a Bahia é responsável por 30% da produção nacional de energia eólica e por 20% da geração de energia solar. A matriz elétrica estadual é mais de 90% renovável, mas o Bahia Mais Verde também se preocupa com o planejamento urbano e a preservação dos biomas existentes no estado. Em pouco tempo de implantação, o projeto já garantiu uma redução considerável na degradação da cobertura vegetal.
No Cerrado, na região fronteiriça com o Matopiba (a compreender frações dos territórios de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), a supressão autorizada caiu de 266 mil hectares em 2022 para 38,7 mil hectares no ano passado. No combate ao desmatamento ilegal, as ações de fiscalização integrada, a envolver órgãos ambientais do estado, o Ibama e o Ministério Público, têm se fortalecido, resultando em mais de cem autos de infração, em média, a cada nova operação. Com orçamento de 4 milhões de reais, o Programa Replantar busca recompor a vegetação de áreas degradadas e criar viveiros de espécies ameaçadas, sobretudo nas unidades de conservação.
Como desdobramento do Bahia Mais Verde, o governo estadual assinou um acordo com a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), que assegurou um financiamento de 25 milhões de euros para promover melhorias na gestão de recursos hídricos e mitigação dos efeitos da mudança do clima. “A ideia é trazer o meio ambiente para o centro das decisões e o grande desafio é acabar com a visão equivocada de que a nossa secretaria se resume a fazer licenciamentos. Queremos participar da construção de políticas públicas efetivas, que envolva a sociedade civil, o setor empresarial e o Poder Público, para que possamos trazer a transversalidade que a matéria tanto precisa”, explica Eduardo Sodré, o secretário de Meio Ambiente do estado da Bahia.
O projeto prevê a concessão de unidades de conservação à iniciativa privada, a exemplo do Parque Estadual Serra do Conduru, o qual chegou a ser apontado como o maior do mundo em biodiversidade, e o Parque do Abaeté, na Lagoa do Abaeté, em Salvador, envolvendo 7,5 milhões de reais em investimentos. Segundo o secretário, mesmo passando para as mãos do setor empresarial, essas unidades de conservação continuarão sob a supervisão e gestão do estado, uma medida que garante o fortalecimento dessas áreas. “A França é exemplo em relação à interação dos parques com o meio ambiente e a ideia é trazer algo bem parecido para o nosso estado, envolvendo preservação, agricultura familiar, turismo e educação ambiental.”
Missão. O governador apresentou aos holandeses o potencial de energia limpa da Bahia – Imagem: Eudes Benício/Governo da Bahia
O ambientalista Carlos Bocuhy, do Observatório do Clima, exalta a atenção que Paris passou a dar à emergência climática, com a meta de, até 2100, reduzir a média climática de 4 a 6 graus, modelo que vem despertando o interesse do governo baiano. “Paris está pensando num sistema de retirada de água do Rio Sena, com meios de estabelecer sistemas de refrigeração de baixo custo e que seja acessível até para os mais vulneráveis. A ideia passa a ser parte do processo construtivo da cidade”, explica. “Nos grandes centros urbanos, você tem a incidência de calor devido a áreas que têm muito cimento e concreto. Com o sol quente, essas áreas se tornam insuportáveis, verdadeiros caldeirões de calor na cidade. Para quebrar isso, é preciso também impedir a verticalização nos planos diretores, que faz com que as edificações se transformem em verdadeiras montanhas artificiais, impedindo a circulação do ar, refletindo o calor para a área do entorno”, completa Bocuhy. Dentro do eixo Conservação, o Bahia Mais Verde tem como meta a ampliação da cobertura florestal, o aumento do combate ao desmatamento e a melhora dos procedimentos administrativos de licenciamento ambiental.
No eixo Planejamento, está prevista a elaboração do Plano Estadual de Meio Ambiente e de uma legislação específica para as áreas de recursos hídricos e de gerenciamento costeiro. Essa última visa integrar as áreas de praia ao meio ambiente urbano e rural, no sentido de controlar o avanço do mar e evitar desastres provocados pela crise climática. A ideia é construir um roteiro estratégico para a conservação e uso sustentável dos recursos naturais, bem como para a mitigação dos impactos ambientais, a partir de dados e evidências científicas. Há também um olhar cuidadoso para o aumento da temperatura, principalmente no norte da Bahia, na fronteira com Pernambuco, onde algumas regiões estão em transição, migrando do clima semiárido para o árido, tornando a área suscetível à desertificação. Essa mudança ainda é pequena, a região acabou de entrar no índice de aridez, saindo de 2,1 pontos para 1,9 ponto. Na escala, abaixo de 2 é considerado clima árido.
Com oito eixos de atuação, o projeto está alinhado à Agenda 2030 das Nações Unidas
“Muda a caracterização, mas esses décimos não são percebidos na localidade no dia a dia. Para nós, gestores públicos, fica o alerta de que algo precisa ser feito, porque as mudanças climáticas estão aí”, salienta Sodré, lembrando que o governo baiano tem diversas políticas públicas voltadas à convivência com o semiárido, como iniciativas para fortalecer a agricultura familiar, fornecimento de água por carros-pipa, limpeza de mananciais, oferta de alimentos e mudas, além da capacitação técnica para a comunidade.
Principal bioma do Nordeste, a Caatinga é apontada pelo governo baiano como estratégica nas políticas de descarbonização da economia. “O carbono da Caatinga não está nas árvores, mas no subsolo. Ela absorve o CO₂, que não retorna para a atmosfera, exatamente aquilo que o mundo deseja. Por isso, a necessidade de preservar esse bioma tão importante para uma população resiliente, que mora e sabe conviver naquele ambiente”, salienta o secretário, acrescentando que estão em construção o Plano de Ação Climática e o Inventário de Gases de Efeito Estufa, que também têm por objetivo o gerenciamento integrado de resíduos sólidos.
Em regeneração. O secretário Eduardo Sodré ressalta a importância da Caatinga e da Mata Atlântica para sequestrar carbono da atmosfera – Imagem: Joá Souza/WRI Brasil, Fernando Vivas/Governo da Bahia e iStockphoto
Há ainda ações de regeneração da Mata Atlântica, em especial do Parque Metropolitano de Pituaçu, com investimento de 25 milhões de reais. “Vamos criar um polo de negócios regenerativos verdes, em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia. São 400 hectares de vegetação preservada para trabalhar em negócios sustentáveis com startups. Será uma referência do ponto de vista de preservação, dentro de um dos maiores parques urbanos do mundo”, explica Sodré. O Bahia Mais Verde também apresenta iniciativa para garantir a proteção às espécies ameaçadas de extinção, com a catalogação dos animais que se encontram nessa situação, a exemplo da ararinha-azul-de-lear, muito comum na região de Canudos. As ações vão desde preservação, passando pela reabilitação e proteção desses animais. Da mesma forma, está prevista a criação de um Centro Estadual de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), que demandará um investimento de 7,5 milhões de reais.
A participação social é outra prioridade do projeto, que pretende dialogar com a sociedade civil, fortalecendo a ideia de governança socioambiental, valorizando em especial as discussões levantadas pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente como uma ferramenta de controle social. Há também todo um planejamento de educação ambiental, com ações transversais entre as secretarias estaduais. “Encaminhamos para a Assembleia Legislativa um Projeto de Lei chamado Agente Jovem Ambiental (AJA), que visa transformar pessoas de 15 a 29 anos em agentes multiplicadores de meio ambiente, de biodiversidade e de educação ambiental nas comunidades. Eles serão capacitados, por exemplo, em coleta seletiva, compostagem, reciclagem, produtos orgânicos, turismo sustentável e gestão de consumo de recursos hídricos, entre outros temas”, explica Sodré. O programa pretende capacitar 10 mil jovens nos 417 municípios baianos.
O governo estadual pretende transformar o Bahia Mais Verde em uma política de Estado de caráter permanente. “A ideia é que os oito eixos do projeto permaneçam em eterna construção, com saída de iniciativas já concretizadas e a entrada de outras novas propostas, para que a questão ambiental se consolide como um norte para as políticas públicas da Bahia”, conclui Sodré, destacando ainda que parte dos recursos que vão viabilizar a execução do Bahia Mais Verde tem origem no programa de conversão de multas. •
Publicado na edição n° 1323 de CartaCapital, em 14 de agosto de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Transição ecológica’
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