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Revogar seria melhor

Derrubar a reforma trabalhista permitiria ao País cumprir a Constituição, diz Luiz Antonio Colussi, da Anamatra

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Farsa. A reforma trabalhista não entregou o que prometia. Colussi vê com bons olhos o debate - Imagem: Alessandro Dias/Anamatra e iStockphoto
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Não poderia ser de outra forma. A reforma trabalhista, o desemprego e a precarização estiveram no centro dos debates do congresso nacional dos magistrados da Justiça do Trabalho, realizado em Pernambuco. Antes do início do encontro, que se estendeu da quarta-feira 27 ao sábado 30, o presidente da Anamatra, Luiz Antonio Colussi, concedeu uma entrevista à repórter Fabíola Mendonça. Na pauta, a possibilidade de revogação da reforma de 2017, a uberização de algumas atividades e a liberdade de expressão, temas que têm mobilizado os juízes do trabalho.

CartaCapital: Qual a importância de um evento como este depois de dois anos de pandemia, o País com mais de 12 milhões de desempregados e milhares em condição de subemprego, e no qual a legislação trabalhista foi fortemente afetada com a reforma trabalhista, legitimando a uberização?

Luiz Antonio Colussi: A Anamatra sempre se pautou contra a possibilidade de se avançar na ideia do negociado sobre o legislado, por entendermos que nas relações de trabalho deve haver o respeito às normas da CLT e à Constituição. Na reforma trabalhista, esse ponto acabou aprovado. Os problemas decorrentes da uberização ou situação dos trabalhadores nas plataformas digitais, para usar uma expressão mais adequada, estão na pauta do nosso congresso. Vamos discutir se é necessária uma nova legislação para atender às novas relações de trabalho ou se a existente possibilita e permite o reconhecimento do vínculo de emprego do trabalhador de uma plataforma digital. O meu entendimento é que temos legislação adequada e suficiente para o reconhecimento do vínculo de emprego, que abriga os artigos 2º e 3º da CLT e se aplica a todas as normas protetivas dos direitos sociais estabelecidos no artigo 7º da Constituição. O que falta é a jurisprudência fixar um entendimento mais firme e protetivo em relação às plataformas digitais. Percebemos que a jurisprudência oscila, ora reconhece o vínculo, ora não.

CC: A reforma trabalhista esteve na pauta do congresso de vocês, com palestrantes da Espanha e Portugal, dois países que também mudaram a legislação. Qual a semelhança entre o que aconteceu lá e aqui?

LAC: Há uma semelhança da reforma trabalhista brasileira com a espanhola. O nosso modelo foi calcado na reforma da Espanha, vimos com otimismo essa revisão feita pelo Parlamento espanhol e ficamos aqui na expectativa de que tal revisão possa também acontecer no Brasil. Acompanhamos o debate, tem candidato que já apontou inicialmente para a revogação, depois para a revisão, e queremos ouvir os demais para saber como será o cenário a partir de 2023.

CC: É mais viável a revisão ou a revogação?

LAC: A revisão, em tese, é mais fácil. Principalmente a revisão de alguns pontos ou aspectos que asfixiam as relações entre o capital e o trabalho e poderiam facilitar um acordo amplo. Agora, a revogação seria mais interessante e eficiente, mas implica ter maioria no Parlamento. Se conseguíssemos a revisão, seria bastante relevante. Mas, se conseguirmos a revogação, voltaríamos aos tempos anteriores e a cumprir integralmente a Constituição.

CC: Passados cinco anos da reforma trabalhista, qual foi o impacto na Justiça do Trabalho

LAC: Houve uma diminuição significativa do número de processos, cerca de 40% em algumas regiões, e isso realmente dificultou o acesso do trabalhador ao Poder Judiciário. Por isso foram importantes algumas decisões do Supremo Tribunal Federal. A reforma trabalhista prometeu mundos e fundos, que seriam criados postos de trabalho, que haveria diminuição do desemprego, mas, infelizmente, isto não aconteceu. O que vimos na prática foi o aumento do desemprego. Outra questão foi a diminuição da renda dos trabalhadores, quer pela terceirização, quer por ganhos de natureza salarial que passaram a ser considerados de natureza indenizatória, contribuindo para a redução da renda dos trabalhadores. Isso significa menos dinheiro a circular na própria sociedade.

CC: Outro tema do congresso dos magistrados foi o futuro do trabalho e o trabalho do futuro. O que ainda está por vir nas relações entre capital e trabalho?

LAC: Vivemos um período muito precarizante das relações de trabalho. O ambiente, de fato, não é propício para os direitos sociais dos trabalhadores. É preciso haver sempre uma luta grande das entidades trabalhistas e sindicais e de toda a sociedade, pois é do interesse de todos que o trabalhador seja devidamente protegido. Todo cuidado é necessário e todo trabalho deve ser feito para resistir a qualquer iniciativa que vise prejudicar a concretização dos direitos sociais.

CC: Por que a liberdade de expressão foi um dos temas do congresso?

LAC: O juiz é um cidadão e, portanto, tem direitos e deveres. Precisa ser assegurado a ele o direito de se expressar livremente nos termos do estatuto da magistratura e da Constituição. Houve uma tentativa no Conselho Nacional de Justiça de colocar regras restritivas à atuação do juiz. Houve a participação da Anamatra e das demais associações para produzir um texto mais equilibrado e adequado. O que pretendemos, ao discutir o tema, é ouvir representantes da sociedade, como pensam a respeito dessa liberdade do juiz. O magistrado tem responsabilidade, exerce a função de pacificação social, mas também pode, fora do processo, manifestar sua opinião dentro dos limites. Você não pode participar nunca do debate político-partidário, mas pode manifestar opinião política. É um tema bastante interessante. Seguidamente, alguns colegas enfrentam esse problema e a Anamatra quer, cada vez mais, se especializar no tema para compreender melhor esse fenômeno e como atuar em benefício do seu associado, fazendo a defesa dele quando for chamado para responder por algum excesso, bem como orientar melhor o juiz ou a juíza do trabalho. Hoje em dia, estamos nas redes sociais e, eventualmente, uma notícia acaba vazando. São aspectos importantes e a gente quer ter esse cuidado especial para orientá-los. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Revogar seria melhor”

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