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Protestos e comunidade internacional podem levar Maduro a negociar, diz professor da USP

Para Rafael Duarte Villa, a cúpula militar segue firme em torno do presidente da Venezuela, mas a pressão interna e externa pode alterar o cenário

Protestos e comunidade internacional podem levar Maduro a negociar, diz professor da USP
Protestos e comunidade internacional podem levar Maduro a negociar, diz professor da USP
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em pronunciamento em 29 de julho de 2024. Foto: AFP/Presidência da Venezuela
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Os protestos de rua e a crescente pressão internacional tendem a fazer com que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, abra um canal de negociação que poderia levar até a uma reversão dos resultados da eleição, avalia Rafael Duarte Villa, professor de Ciência Política e Relações Internacionais da USP.

Fontes extraoficiais relatam mortes em protestos na Venezuela desde a segunda-feira 29. Na tarde desta terça, a Casa Branca afirmou que “qualquer repressão política ou violência contra manifestantes ou opositores é obviamente inaceitável”.

O Ministério da Defesa chavista, por sua vez, diz em curso “um plano de grupos políticos que sabem ter sido derrotados”, que seria a antessala de uma “tentativa de golpe de Estado midiática, apoiada nas redes sociais e pelo imperialismo norte-americano e seus aliados”.

Na madrugada da segunda-feira 29, o Conselho Nacional Eleitoral informou que Maduro obteve 51,2% dos votos na disputa presidencial, contra 44,2% de Edmundo Gonzáles. A oposição, contudo, não reconhece o resultado e incentivou de pronto uma mobilização contra o governo.

Principal liderança opositora, María Corina Machado convocou “assembleias de cidadãos” para esta terça em frente à sede das Nações Unidas em Caracas. Maduro, por outro lado, denunciou o que considera um golpe de Estado e chamou uma marcha até Miraflores, o palácio presidencial.

“Não acho que o governo e o CNE, de maioria chavista, tenham condições de resistir à pressão social e à pressão internacional”, disse Duarte Villa a CartaCapital. “Em algum momento, devem abrir um canal de comunicação nas próximas semanas.”

Leia os destaques da entrevista:

CartaCapital: Como será o terceiro mandato de Maduro, caso ele tome posse em janeiro?

Rafael Duarte Villa: Dado o atual questionamento sobre a vitória dele, tanto pela classe política de oposição quanto por setores sociais e internacionais, um terceiro mandato de Maduro seria de total instabilidade, de forte isolamento regional e internacional e de uma forte deslegitimação das instituições, com muita convulsão social, como se começa a ver.

Manifestação contra Nicolás Maduro em Caracas, em 30 de julho de 2024. Foto: Yuri Cortez/AFP


CC: Há alguma possibilidade real de a oposição reverter o resultado?

RDV: Eu vislumbro, sim. Acredito que o resultado da eleição foi fraudado, isso tem sido mostrado pelas atas que vêm sendo divulgadas.

Não tinha acontecido na era do chavismo uma forte mobilização social na Venezuela. Entre ontem e hoje, incrementou-se a pressão social. Então, acredito que o governo venezuelano e o CNE, especialmente seu presidente, não terão outra saída a não ser negociar: ou anular a eleição ou mostrar as atas, que muito provavelmente consolidarão um triunfo da oposição.

Por que o CNE se nega a mostrar as atas? Como muitas delas foram entregues a testemunhas da oposição e mesmo da situação, já são até públicas. Esses resultados mostram uma vitória do candidato opositor. No mínimo, o governo Maduro terá de negociar uma saída para o impasse.

CC: Qual é o papel do Brasil na tentativa de evitar uma escalada dessa tensão?

RDV: O Brasil tem assumido uma posição correta – nem condena, nem apoia o resultado. Está negociando. Mas o piso será a própria posição do CNE e do governo Maduro de abrir uma negociação que leve a uma recontagem das atas.

Se o governo Maduro e o CNE se negarem a isso, o governo brasileiro não terá nada a fazer ali, terá de retirar seus representantes e, eventualmente, até chamar sua embaixadora.

CC: Há unidade dos militares em apoio a Maduro?

RDV: Há de se diferenciar dois setores nesse apoio das Forças Armadas.

A cúpula militar, encabeçada pelo ministro da Defesa, Padrino López, é muito favorável ao governo Maduro. Hoje mesmo, López tirou declarações fortes em favor do resultado colocado pelo CNE.

Mas há muitos setores médios, soldados, que se opõem ao governo e que defendem uma mudança. Veja-se por exemplo que dos aproximadamente 300 presos políticos que existem na Venezuela, a metade, mais ou menos, é de militares.

Agora, se houver um protesto bastante aprofundado por parte dos setores sociais e da comunidade internacional, principalmente de países que a Venezuela escuta, como Brasil e Colômbia (além dos Estados Unidos), dificilmente a cúpula militar terá condições de continuar com esse apoio incondicional a Maduro.

CC: Qual é, então, o cenário mais provável para os próximos meses na Venezuela?

RDV: O que se quer evitar é, agora sim, um banho de sangue, dado que os protestos sociais estão aumentando.

Acho que em algum momento desta semana ou das próximas o governo Maduro e o CNE podem ceder e proceder a uma recontagem das atas. E aí se pode oferecer uma saída honrosa para Maduro e para o Conselho, argumentando-se que esse resultado oficial foi produto de um hacker que o próprio Maduro denunciou.

Então, não acho que o governo e o CNE, de maioria chavista, tenham condições de resistir à pressão social e à pressão internacional. Em algum momento, devem abrir um canal de comunicação nas próximas semanas.

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