‘O Lula não precisa do Kalil, mas pode ser que o Kalil precise de Lula’

Segundo maior colégio eleitoral do País, Minas Gerais é um dos centros da disputa nacional deste ano. Os presenciáveis digladiam-se por palanques no estado e o PSD do prefeito da capital, Alexandre Kalil, já cortejado pelo PT, começa a abrir a guarda para um apoio nos níveis nacional e estadual. Enquanto isso, aumentam os rumores de que a pré-candidatura de Rodrigo Pacheco à Presidência subiu no telhado. Em entrevista a CartaCapital, Kalil fez elogios ao ex-presidente Lula e não rechaçou a possibilidade de dividirem o palanque ainda no primeiro turno. “Lula não precisa do Kalil, mas pode ser que o Kalil precise de Lula”, diz, com debochada sinceridade. Segundo a última rodada da pesquisa DataTempo, o prefeito possui 28% de intenções de voto, metade do porcentual do governador Romeu Zema, candidato à reeleição.

Com a gestão aprovada por 74% dos moradores da capital mineira, Kalil usa o título conferido a Belo Horizonte pelo Imperial College de Londres, de “cidade que melhor combateu a pandemia no Brasil”, como um trunfo a ser explorado nas eleições. Além disso, faz questão de reiterar que, em Minas, “Zema é Bolsonaro, e Bolsonaro é Zema”. A entrevista completa, em vídeo, está disponível no canal de CartaCapital no YouTube.

Definição de alianças
O eleitor ainda está desconectado das eleições. Ele quer saber se o Flamengo jogou, se o Atlético ganhou. O povo também está com fome. O chuchu está caro, a dobradinha está 57 reais o quilo, fui comprar e quase caí pra trás. O povo está interessado é nisso. Vamos mudar o foco da notícia, porque tem coisa mais grave que votar em outubro. Não comer é muito grave, 20 milhões precisando de auxílio é muito grave. Partido que só está preocupado com eleição não me interessa. Não vai ter papo.

A relação com o PT
Nunca rechacei o PT. Tenho, inclusive, secretários que não foram indicados pelo partido, mas são filiados ao PT. Se estou com 28% das intenções de voto, estou muito bem, porque não me apresentei como candidato e não abandonei a cadeira de prefeito. Mas não acredito nesses 28%, nem nos 56% (de Zema), até porque ninguém sabe que o Kalil será candidato. O eleitor só ouve o nome do governador. As pesquisas vão nos surpreender quando a população pensar: “Opa, minha vida piorou”.

“Se eu estou com 28% das intenções de voto, estou bem. Não me apresentei como candidato”

Palanque com Lula
Vamos ser sinceros: o Lula não precisa do Kalil, mas pode ser que o Kalil precise de Lula. Ele é uma liderança que não precisa de interlocutor. Sei disso, pois recebi recados, não políticos, mas nessa linha: “Olha, se quiser falar comigo, estou às ordens”. Se tiver de conversar com o ex-presidente, vou conversar direto com ele. O voto do Lula é do Lula, na minha modestíssima opinião. O Kalil é um simples prefeito e o Lula é um líder socialista reconhecido no mundo inteiro.

Lula em Minas
Vindo aqui, como diz o bom mineiro, vai ser recebido com muito carinho na prefeitura. O Ciro marcou uma agenda aqui, vai ser recebido com tapete vermelho. Marina Silva também foi recebida aqui, assim como o Fernando Haddad. O Bolsonaro veio duas vezes. Não tem radicalismo comigo: tento proteger a população e estou aberto a ouvir todo mundo.

PSD e PT unidos?
Dar palanque é para quem precisa. Não é o caso de Lula. Ele não precisa de palanque, só precisa de um tamborete como o presidente da República. Eles estão polarizados e bem sedimentados. Claro que Lula vem na frente em todas as pesquisas, mas acho muito cedo para definir alianças.

Reprovação das contas de 2016
Fiquei muito surpreso (com a decisão do TSE), porque esse dinheiro tem endereço: tem uma rua, um prédio e um apartamento. Se um ministro da Corte mandasse um assessor tocar a campainha e perguntar quem está morando lá, ele saberia. O que me horrorizou quando li a sentença foi o “parece isso”, “está meio esquisito”. Estamos recorrendo ao TSE.

É com o Kassab. As alianças nacionais “são definidas por Brasília“, esclarece Kalil – Imagem: Ricardo Stuckert

Movimentação do PSD
Falo por Minas: temos hoje 52 prefeitos querendo se filiar ao PSD. Mas os quadros nacionais são definidos por Brasília. O PSD, modéstia à parte, não se radicalizou, teve uma posição firme a respeito da vacina. Estou tranquilo por estar em um partido que se comporta bem nas questões sociais.

Pacheco é presidenciável?
Rodrigo Pacheco é um homem calmo, cortês, firme. Como eu também não me movimento (pensando em eleições), ele deve ter coisa para fazer lá também. Vamos dar tempo ao tempo. Claro, seu nome foi colocado pelo partido e sabemos que há uma janela para disputar a Presidência da República. Mas precisamos esperar a posição dele.

Relação com Bolsonaro
Aqui, ele não ajudou em nada. Estranhamente, tentei marcar audiência duas vezes com ele, mas fui tratado de uma forma que não se pode tratar a terceira capital do País. Quando tivemos a famosa chuva dos mil anos, mais de 200 milímetros em duas horas, ele veio e sobrevoou a cidade de helicóptero. Se repassar o dinheiro para Minas está bom, vai que sobra alguma coisa para Belo Horizonte. Se eu fosse o melhor amigo dele, como é o caso do Zema, eu teria buscado mais recursos para ajudar a população.

Acordo da Vale com Zema
O acordo é pífio e agora está sendo capitalizado politicamente, como se fosse um convênio. Nem parece que mataram 270 pessoas. Tratam o dinheiro ensanguentado da Vale como se fosse do Tesouro do estado. Além de tudo, esse dinheiro não foi bem distribuído nem bem negociado. Quem domina o governo é a Federação das Indústrias de Minas Gerais. Eles fazem o que querem e do jeito que querem.

“Lula não precisa do Kalil, mas pode ser que o Kalil precise de Lula”

Carnaval e pandemia
No último Carnaval pré-pandemia, tivemos quase 4 milhões de foliões nas ­ruas. Isso movimenta a economia, mas estamos há três meses com esse grupo de cientistas observando o que vinha acontecendo na África do Sul e na Europa. Decidimos não patrocinar o Carnaval. Explicamos aos promotores de evento (sobre o avanço da Ômicron). Não existe “adivinhômetro”, mas a palavra de cientistas conectados com o mundo inteiro. Pela experiência anterior, a gente sabia o que ia acontecer no Brasil. Agora, chamamos o Sindicato dos Lojistas e acertamos que domingo e segunda serão feriados, mas terça e quarta serão dias normais. Foi um pedido da prefeitura, para o comércio funcionar, mas sem estimular o Carnaval, porque não podemos proibir ninguém de sair à rua.

Regime de recuperação fiscal
Se o Zema não está pagando a dívida, ele está no melhor regime de recuperação fiscal da história. Porque ele não paga e não fez ajuste nenhum. O déficit do governo anterior, que ele canta em verso e prosa, é, na verdade, menor que o dele. Não falo como pré-candidato, mas de fatos. Enquanto a Assembleia Legislativa não aprova o regime, tudo pode ser feito com diálogo, com compromisso, chamando os poderes para conversar. Se feito com beligerância, vai causar um colapso total. Minas Gerais “entuchou” de dinheiro, não fez um reajuste e recorreu à Justiça para não mostrar quanto tem em caixa.

Crise com o Legislativo
É um movimento político. Com seis meses de mandato, tentaram pedir o ­impeachment do prefeito, o segundo mais bem votado da história da cidade, com 78% de aprovação. Querem palanque para tudo, frequentam festas de secretários (de Zema), então é uma coisa muito ruim, muito feia. Eles fizeram CPIs que caíram na Justiça. Pensaram: “vamos desgastar ele”, mas chega num ponto que não cola. •

Assista a entrevista completa:

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “De portas abertas”