Entrevistas

‘O governo tem que ter a coragem de chegar aos verdadeiros donos do garimpo ilegal’

Para Joci Aguiar, do Grupo de Trabalho Amazônico, a expulsão de garimpeiros da TI Yanomami deve também abrir debates sobre a criação de oportunidades econômicas legais que diminuam o poder do crime na região

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Rede que reúne duas centenas de organizações socioambientais, o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) atravessou diversos governos desde 1992 à frente da luta pela implementação de políticas de desenvolvimento sustentável para a região. No governo Bolsonaro, a habitual militância ecológica e defesa de projetos que, ao mesmo tempo, evitassem a degradação do bioma e oferecessem condições dignas de trabalho e renda para os milhões de brasileiros que vivem na Amazônia deu lugar aos gritos de denúncia sobre questões emergenciais como o aumento desenfreado do desmatamento e o avanço do garimpo ilegal sobre as Terras Indígenas.

Para Joci Aguiar, coordenadora executiva do GTA, a troca no comando do País, as mudanças já anunciadas em órgãos como o Ibama e a Funai e a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) apontam para um novo caminho nas políticas ambientais para a Amazônia. Ela lembra, porém, que as mudanças são insuficientes – e que seu aprofundamento depende da pressão exercida pelos movimentos sociais: “Os resultados poderão surgir em médio e longo prazo”, diz.

A ativista diz esperar, ainda, que a expulsão dos garimpeiros ilegais da Terra Yanomami propicie a retomada do debate sobre a criação de oportunidades econômicas legais que diminuam o poder de persuasão do crime ambiental. 

Confira a seguir.

CartaCapital: Qual a expectativa do GTA em relação ao governo Lula?

Joci Aguiar: Nossas expectativas são as maiores possíveis. No entanto, temos o entendimento de que as decisões não dependem apenas do Executivo. Muitas políticas terão que ser negociadas em um Congresso que tem o atual perfil não muito diferente do que era anteriormente, ou seja, bem conservador. Temos que lutar com as demais redes para reverter alguns retrocessos, principalmente em relação às pautas-bomba na Câmara e no Senado.

CC: As mudanças na Funai e no Ibama e a criação do MPI são suficientes para reverter o quadro deixado por Bolsonaro na Amazônia?

JA: Será preciso uma grande força-tarefa que envolva todos os órgãos do governo e da sociedade civil organizada que estão juntos na mesma luta.

As trocas no Ibama e no ICMBio demonstram a vontade política do Executivo em fazer mudanças e ter um maior controle. No entanto, elas ainda não garantem o sucesso de uma nova política ambiental, pois sabemos que entre os servidores ainda existem muitos bolsonaristas.

Resta a nós do movimento social fazer pressão. Os resultados poderão surgir em médio e longo prazo, pois a atual presidenta assumiu um órgão sucateado e que precisa passar por uma reorganização interna e ter mais investimentos. 

CC: O governo força a saída em massa dos garimpeiros ilegais da Terra Yanomami e efetua prisões. Os garimpeiros braçais são apenas a ponta do esquema?

JA: Não adianta prender os trabalhadores e as trabalhadoras que estão ali pra ganhar seu pão diário e ter com que sustentar seus filhos. Há um número grande de pessoas pobres que vê no garimpo a possibilidade de renda como trabalhadores. Eu tenho certeza de que muitos nem sabem o que é garimpo ilegal. Prender essas pessoas não resolve o problema.

Acreditamos que deve haver uma separação do crime entre os culpados. Tem aquele que vai para a área extrair e sabe que é ilegal, tem os que apenas prestam serviços e tem os verdadeiros donos. Estes são cheios de dinheiro, estão em suas mansões e não serão pegos.

Sem prender essas pessoas graúdas, a extração ilegal continuará, os rios continuarão sendo contaminados, as pessoas continuarão morrendo e nossos parentes continuarão em perigo. O governo tem que ter a coragem de chegar aos verdadeiros donos do garimpo ilegal. Este será seu principal desafio.

CC: Existe hoje dependência econômica de algumas regiões amazônicas em relação à extração de ouro ilegal?

JA: Não há uma total dependência, mas a mineração ilegal ajuda a aquecer o comércio dos municípios, gera emprego e, consequentemente, gera receitas aos municípios. Eu falo do consumo direto no comércio. Não acredito que os donos de garimpo, os peixes grandes, paguem os impostos municipais ou tirem licenças ambientais da forma certa. Como sabemos, as licenças são ilegais.

Sempre lembro que, em uma reunião com comunitários no Amapá, um grupo pediu que o governo começasse um debate para a legalização do garimpo e os deixassem amparados em lei, para que pudessem ser reconhecidos como pessoas que extraem ouro de forma legal. Todo aquele povo, herdeiros de Serra Pelada, que extraem ouro no Pará, se consideram populações tradicionais e querem seu reconhecimento dentro do Decreto 6.040. Então, como movimento social, temos que olhar essas questões todas.

CC: Como gerar oportunidades de trabalho e renda? Existem alternativas viáveis ao “canto de Iara” do garimpo e do crime?

JA: Há ditado que diz que é mais simples fazer o fácil do que o certo. Existe um bem-viver amazônico onde as populações não precisam de muito. Precisam de fomento, ou seja, investimentos que de fato cheguem às comunidades e permitam que elas possam produzir sem o uso do fogo, sem derrubar. Mesmo vivendo na floresta, essas famílias precisam sobreviver, precisam de escolas de qualidade para seus filhos, precisam de acesso à rede de internet.

O manejo comunitário é uma alternativa, os projetos da sociobiodiversidade. Agora só se fala em sociobioeconomia. Sócio porque colocamos esse nome, mas era apenas bioeconomia. Nosso receio é que se debate muito e executa pouco, ou seja, chega pouco nas comunidades. Como vão sobreviver assim?

A forma fácil de renda é contratar força de trabalho local para derrubadas, garimpo ilegal, etc. Como você poderá condenar um pai de família que busca sustento pra sua família?

CC: Como reverter esse quadro? A Funai e o Fundo Amazônia podem contribuir?

JA: Sinceramente, não sei se existe garimpo legal ou sustentável. Por agora, deve haver medidas sérias do governo em relação ao garimpo. Só podemos reverter esse quadro ouvindo a população os e as trabalhadoras que estão lá, os povos indígenas e comunidades tradicionais que têm seus territórios afetados pelo garimpo. 

Funai é estratégica porque é a instituição dos parentes que deve demarcar as terras indígenas e garantir que esses territórios sejam protegidos e apenas utilizados pelos seus verdadeiros donos.

Já o Fundo Amazônia foi retomado agora. Vamos nos informar e ver como serão as regras, as linhas de financiamentos, como será o acesso das comunidades ao Fundo. Porque se as regras forem as mesmas, ficará difícil as comunidades acessarem esses recursos.

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