Entrevistas

‘Há o risco de surgir um candidato mais extremista que Bolsonaro’

Para a pesquisadora Michele Prado, chegará o momento em que bolsonaristas acharão que o presidente não foi radical o suficiente

MANIFESTAÇÃO BOLSONARISTA EM SÃO PAULO NESTE 7 DE SETEMBRO. FOTO: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP
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A pesquisadora Michele Prado, autora do livro Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: A Alt-right e o populismo i-liberal no Brasil, prevê que o radicalismo ideológico no Brasil irá perdurar mesmo diante de uma eventual derrota do presidente Jair Bolsonaro em 2022.

“Nos EUA, a saída do Trump não significou o fim do trumpismo. Aqui também não vai significar com a saída do Bolsonaro”, diz ela em entrevista a CartaCapital. O país, afirma ela, corre ainda o risco de ver surgir um candidato ainda mais extremista do que o ex-capitão.

“Nós ainda corremos o risco, se não houver prevenção contra a radicalização e um monitoramento da extrema-direita, de surgir um candidato ainda  mais extremista do que o próprio Bolsonaro”, acrescenta a pesquisadora. “Chegará o momento que essas pessoas acharão que o Bolsonaro não foi extremista o suficiente, porque a radicalização continua.”

O interesse por entender a chegada do ex-capitão ao poder começou na observação dos grupos e comunidades internet, que ela chama de ‘bolha da direita’. “Qualquer pessoa que não votava no PT era chamada de fascista, nazista. As pessoas foram se afastando do debate público com a esquerda e se juntaram em outro espaço.”

Michele, que é microempresária, votou em Bolsonaro contra o petista Fernando Haddad no segundo turno de 2018. Agora, ela se diz disposta a apertar 13 se a disputa ficar entre o atual presidente e Lula.

“Se realmente tivermos Lula e Bolsonaro no segundo turno, não tenha dúvida que teremos radicalização e extremismo violento ideologicamente motivado em muitos casos. Ações violentas inspiradas no extremismo ideológico.”

Confira a seguir os destaques da entrevista.

CartaCapital: Por que você decidiu estudar o bolsonarismo?

Michele Prado: Eu já era da bolha da direita e participei de um grupo de WhatsApp chamado Internet Livre.  Eu já vinha observando, quando começou o bolsonarismo para valer em 2016 e 2017, a radicalização, os linchamentos e as posturas. Eu notava que por trás do discurso de ‘eu sou conservador e de direita’ tinha coisas como racismo, por exemplo. Dentro desse grupo, os influenciadores não se posicionavam contra o extremismo. Por exemplo, quando alguém comentava que Bolsonaro poderia dar um golpe, ninguém se posicionava.

CC: Esse fenômeno ele surge antes do Bolsonaro? Havia uma demanda?

MP: Sem dúvidas, pois foi criado um caldo de cultura com esses conceitos que foram introduzidos no Brasil. Essa bolha foi criada com a alienação dessas pessoas durante os governos do PT. Qualquer pessoa que não votava no PT era chamada de fascista, nazista. As pessoas foram se afastando do debate público com a esquerda e se juntaram em outro espaço. Aí criaram essa bolha da direita. Dentro dessa bolha da direita é que começaram a ser introduzidos os conceitos que o Olavo de Carvalho trouxe para cá. Ele trouxe conceitos de correntes radicais da extrema-direita da França, dos Estados Unidos e até da Romênia.

Já em 2015, a direita já começou a procurar por um nome que seria uma personificação das demandas da extrema-direita. Só que, para a bolha, aquilo tudo era passado como se fosse [um discurso] da direita moderada. Para quem era público, aquilo era direita moderada e não extrema-direita. As pessoas eram sendo capturadas. Portanto, já estava esperando um nome.

Eu acho que [a popularidade de Bolsonaro] é maior. As pesquisas perdem um segmento específico que é a da direita religiosa, que está completamente influenciada pela extrema-direita

Quem lançou o nome do Bolsonaro foram os olavetes e quem não era influenciador aderiu ou ficava em silêncio. O único que verbalizou e disse não concordar com o nome do Bolsonaro foi o Carlos Andreazza. E, por conta disso, ele foi bastante linchado.

A partir daí, trouxeram os métodos da alt right – trolling, bots, fake news e assédio online – como se fossem exemplos de direita moderada, conservadorismo e de liberalismo e muita gente embarcou.

CC: Nas pesquisas, a popularidade de Bolsonaro gira em torno de 20% a 30%. Você acha que o bolsonarismo corresponde a essa parcela?

MP: Eu acho que é maior. As pesquisas perdem um segmento específico que é a da direita religiosa, que está completamente influenciada pela extrema-direita. Como eles vivem em comunidades mais fechadas, com relações sociais dentro da paróquia, congregação e igrejas, quem está de foram não consegue ver. Determinadas pautas deles são diretamente ligadas às teorias conspiratórias da extrema-direita.

Eles já pensam da seguinte forma: se alguém falar sobre LGBT é porque essa pessoa é um marxista cultural, um globalista que está querendo escravizar a sociedade. [Para eles,] isso tudo faria parte da nova ordem mundial. É uma miríade de teorias conspiratórias diante de pautas liberais simples da sociedade.

No 7 de Setembro, 43% do público era formado por evangélicos. São duas principais as correntes da direita religiosa: a do dominionismo, que é pouco comentada no Brasil, e a do integralismo católico, que não podemos confundir com o integralismo brasileiro de Plínio Salgado

O dominionismo é a teologia do domínio, que tem alguns dos principais aconselhadores do Bolsonaro, como a ministra Damares e o pastor RR Soares. É a mesma corrente que incentivou o tea party nos EUA e parte da alt right. Já a do integralismo católico é uma corrente americana que tem intelectuais renomados do partido Republicano. Eles pensam da seguinte forma: a Constituição deve ser lida de acordo com a moral religiosa, ou seja, não deveria haver a separação de Estado e Igreja. Um expoente é o [norte-americano] Adrian Vermeule, jurista e professor de Harvard. Por conta do histórico de intelectual, tem muita abrangência dentro da direita.

Ambas são condenadas pelo Vaticano, mas continuam crescendo no Brasil, na Polônia, na Hungria, nos EUA.

Quem lançou o nome do Bolsonaro foram os olavetes

CC: Essa mistura que é o bolsonarismo, perdurará mesmo sem o Bolsonaro?

MP: Sem dúvida nenhuma. A extrema-direita está estabelecida, inclusive com suas redes alternativas de influência. Hoje, temos uma sociedade em que as pessoas se informam pelo celular. A imprensa tradicional foi sendo descredibilizada e as pessoas perderam confiança. Muita gente não se informa mais pela mídia convencional, pois se mantém dentro dessa câmera de eco se radicalizando.

Nos EUA, a saída do Trump não significou o fim do trumpismo. Aqui também não vai significar com a saída do Bolsonaro. Nós ainda corremos o risco, se não houver prevenção contra a radicalização e um monitoramento da extrema-direita, de surgir um candidato ainda  mais extremista do que o próprio Bolsonaro. Chegará o momento que essas pessoas acharão que o Bolsonaro não foi extremista o suficiente, porque a radicalização continua.

Capa do livro lançado neste ano

CC: O que você enxerga como solução para essa radicalização?

MP: Muitas coisas podem ser feitas. A primeira é compreender que existe a radicalização e o extremismo e ambos estão no debate público. Aqui no Brasil, há uma recusa em enfrentar isso, porque as pessoas não querem falar. Não temos um centro de monitoramento e pesquisa e nenhum tipo de política pública. Fora do Brasil há centros de monitoramento, sites, ONGs, institutos e agências. O governo da Alemanha acabou de lançar um manual de prevenção ao extremismo que tem 750 páginas.

O que temos aqui no Brasil são agências de checagens, que são poucas e não conseguem chegar nas pessoas que já estão radicalizadas e que acham que essas agências têm viés ideológico. São vários campos que precisam ser explorados e não adianta só agência de checagem. Temos desde um entendimento de como funciona uma democracia com a realidade das redes sociais, temos que entender como os extremistas conseguem a amplificação de suas pautas e analisar números para ver quais discursos são utilizados para capturar essas pessoas e aqui não tem.

CC: Como você tem visto o cenário que aponta para uma disputa entre Lula e Bolsonaro?

MP: Se realmente tivermos Lula e Bolsonaro no segundo turno, não tenha dúvida que teremos radicalização e extremismo violento ideologicamente motivado em muitos casos. Ações violentas inspiradas no extremismo ideológico. Eu deixo claro para todo mundo que, nesse cenário, eu votarei no Lula pela primeira vez na minha vida.

CC: O que o Bolsonaro precisaria fazer para que parte dessa popularidade junto aos radicais caísse?

MP: Quem já está totalmente radicalizado e dentro desse espectro de extrema direita, absolutamente nada que o Bolsonaro fizer fará com que ele perca esse apoio. Aquilo vira um estilo de vida para aquelas pessoas.  Temos um discurso polarizador, pois Bolsonaro pratica a mobilização extremista. As pessoas que estão ali recebendo o conteúdo não têm confronto com nada além disso. A tendência é que elas se radicalizem ainda mais. Nem os 600 mil mortos fizeram o Bolsonaro perder o apoio desse grupo. O pensamento conspiratório atua muito forte e aí é um problema a mais. O que se tem que fazer é tentar tirar as pessoas de dentro dessa toca do coelho.

CC: Após os atos do 7 de Setembro, o Bolsonaro recuou com a carta escrita pelo Temer. É algo temporário?

MP: Não é moderação, é o método que ele usa sempre de dar três passos para frente e um para trás. Logo, logo, volta tudo de novo, porque as instituições do País estão falhando. O STF é o único a fazer um contrapeso às avanços autoritários do Bolsonaro e o resto está falhando: a Câmara, o PGR.

O intuito é transformar o País em uma democracia eleitoral, majoritária, onde só se volta e não tem nenhum respeito ou compromisso com princípios básicos como separação de Poderes, Estado Democrático de Direito,  imprensa livre e etc. O objetivo é uma democracia iliberal.

CC: Bolsonaro terá êxito nessa missão?

MP: Ele vem conseguindo, pois não é admissível que estejamos com 600 mil mortos e não termos nenhum tipo de indignação. Eu participei de protestos pelo impeachment da [ex-presidente] Dilma que caiu por um milésimo do que o Bolsonaro tem feito.

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