Educação

Vacina nas escolas: por que bolsonaristas escolhem politizar a questão e espalhar desinformação

De olho nas eleições, prefeitos e governadores acabam desencorajando não só a imunização contra a Covid-19, mas também outras vacinas essenciais contra doenças infantis

Os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) e de Santa Catarina, Jorginho Melo (PL). Créditos: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil e Pedro França/Agência Senado
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Nas últimas semanas, ao menos 20 municípios de Santa Catarina assinaram decretos dispensando a apresentação do comprovante de vacinação contra a Covid-19 para os casos de matrícula ou rematrícula nas redes municipais de ensino. Estão na lista cidades como Joinville, Blumenau, Criciúma, Jaraguá do Sul, Brusque e Balneário Comboriú. Quem também pegou carona no tema foi o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).

Ao levar o tema para a arena política, contudo, prefeitos e governadores podem estar desestimulando não apenas a vacinação contra a Covid-19, mas também outras importantíssimas campanhas de imunização infantil. É o que apontam especialistas de várias áreas ouvidos por CartaCapital.

O primeiro ponto a esclarecer é: as escolas brasileiras, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, não podem negar a concluir a matrícula caso o aluno não apresente o cartão de vacinação. Dentro de até 30 dias, contudo, caso os pais não apresentem o documento atualizado, o Conselho Tutelar pode ser notificado pelos estados.

No caso de Santa Catarina, por exemplo, a Lei 19949/2009 que dispõe sobre a obrigatoriedade da caderneta de vacinação para matrícula anual na rede pública e privada de ensino do estado prevê que ‘o ato de matrícula não será obstado em razão da falta da caderneta de vacinação’. Acrescenta, ainda, um prazo de 30 dias para a devida atualização e apresentação do documento, período após o qual o caso é notificado ao Conselho Tutelar.

A mesma previsão está contida na lei estadual de Minas Gerais, 20.018/2012, que considera que, ‘se o documento apresentado estiver desatualizado, a escola orientará os pais sobre a importância da vacinação e dos cuidados com a saúde de seu filho’.

Em nota, o Ministério da Educação informa que está seguindo as orientações do Ministério da Saúde, que decidiu incluir a vacina contra a Covid-19 no Plano Nacional de Imunização para crianças de 6 meses a menos de 5 anos, a partir de 2024. Isso significa que as escolas de educação infantil que atendem crianças nessa faixa etária deverão pedir o comprovante de vacinação no momento da matrícula. No entanto, o MEC destaca que a falta desse comprovante não impede a matrícula das crianças, conforme estabelece o ECA.

‘Politização irresponsável’

“Para os fins de cadastramento, matrícula ou rematrícula, fica dispensada a indicação de aplicação da vacina COVID-19 dentre as vacinas obrigatórias à criança ou adolescente”, diz o decreto assinado no dia 1 de fevereiro pelo prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício José Satiro de Oliveira (PSC-SC).

As medidas têm sido encorajadas pelo governador do estado Jorginho Mello (PL-SC) que foi às redes anunciar que estudantes e professores não terão que se vacinar. “Aqui em Santa Catarina a vacina não é obrigatória. Fica na consciência de cada catarinense exercer o seu direito de cidadão e resolver sobre isso”, frisou, em vídeo publicado no sábado 3.

Zema, em vídeo publicado nas redes sociais ao lado dos deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e do senador Cleitinho (Republicanos – MG), preconizou a ‘liberdade’ dos estudantes ao anunciar uma medida semelhante.

A coordenadora de Atenção à Saúde da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Patricia Canto, critica a ‘postura irresponsável’ da ala política de tentar politizar a vacinação, sobretudo diante de um quadro de queda de cobertura vacinal do qual o País tenta se recuperar.

“É muito preocupante a postura de se tentar politizar a vacinação de uma forma irresponsável”, critica. “O que vem acontecendo nos últimos anos, e que foi agravado pela pandemia, foi que o Brasil veio perdendo percentual de cobertura vacinal. No ano passado começamos a ter uma melhora nessa cobertura depois de seis anos praticamente só de queda no número de vacinas”, avalia.

“A medida gera um desincentivo às famílias para que levem seus filhos aos postos de vacinação, causando um prejuízo não só para uma vacina específica, mas todas as contidas no calendário vacinal e que considera não só crianças e adolescentes, como também adultos e idosos. Traz riscos não só para a Covid-19 como para outras doenças imuno preveníveis”, alerta.

As respostas jurídicas

Os anúncios de governadores e prefeitos têm gerado uma onda de mobilização jurídica por parte da oposição que tenta invalidar os decretos até aqui anunciados.

Em Santa Catarina, o PSOL encaminhou duas ações direta de inconstitucionalidade ao Ministério Público, em relação aos decretos de Blumenau e Joinville, assinados, respectivamente, pelos prefeitos Mario Hildebrandt (Podemos) e Adriano Silva (Novo).

Na justificativa das ações, datadas de 2 de fevereiro, o partido sustenta que ao afastar a obrigatoriedade por meio de decretos, as prefeituras transmitem um recado de ‘não vacinem seus filhos’ às famílias.

“Não há dúvidas de que se trata de uma política obscurantista, negacionista e que coloca em risco a saúde não apenas das crianças e adolescentes, como também de toda a sociedade, haja vista que a eficácia de uma vacina depende do maior percentual possível de imunização da população”, acrescenta a legenda.

O entendimento é o de que os decretos são inconstitucionais por violarem as constituições estaduais, motivo pelo qual o partido pede a concessão de medida cautelar que impeça que as prefeituras se abstenham de promover quaisquer atos que possam dificultar a execução do Programa Nacional de Imunização nos municípios. Ainda pedem que os respectivos prefeitos prestem informações no prazo de 30 dias.

“Constitucionalmente, o Estado não pode promover nenhum tipo de ação que venha a atentar contra a saúde pública, o que pode configurar crime previsto no código penal. Quando o administrador cria esse decreto que desestimula a vacinação de crianças, ele está atentando contra o direito à saúde”, avaliou o advogado que representa a legenda, Rodrigo Sartoti, também Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Também há o entendimento de que os municípios não têm competência para legislar restringindo o direito à saúde, em detrimento ao já previsto por legislações estaduais e diretivas da União, o que os tornaria inconstitucionais na forma.

O Ministério Público de Santa Catarina também entendeu que os decretos municipais que excluem a vacina contra a Covid-19 do rol de vacinas obrigatórias são ilegais e inconstitucionais, por afrontarem as legislações estadual e federal, além de contrariar tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.

Em Minas Gerais, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) também recorreu ao Ministério Público e à Defensoria Pública contra o governador Romeu Zema (Novo) por propagar desestimulo à vacinação de crianças e adolescentes.

“O vídeo do Governador do Estado contraria todas as recomendações dos órgãos públicos do Estado e do nosso país e com clara intenção de promover uma campanha contra a vacinação de crianças e adolescentes em nosso Estado. A vacinação de crianças e adolescentes é uma medida obrigatória conforme previsto no ECA, não se tratando de mero respeito a liberdade individual ou de escolha dos pais, pois a proteção integral, a saúde e vida são direitos absolutos da criança e do adolescente”, diz trecho do documento.

Estratégias eleitoreiras

Para Sartoti, o grupo político que tem politizado a questão vacinal tem como pano de fundo estratégias de mobilização da base bolsonarista, prevendo as eleições municipais.

“É uma maneira de manter viva a polarização, esquerda/direita, entre o bolsonarismo e o atual governo federal, suscitando narrativas que mantenham a base inflamada. O grande problema é que estão brincando com a saúde pública, o que é um grande absurdo. Os prefeitos e governadores estão usando a saúde pública para fazer politicagem”, critica.

Já o cientista político Josué Medeiros, coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB), faz cálculos políticos diferentes, ao avaliar as posturas de Jorginho Mello e Romeu Zema.

“O Jorginho é um cara orgânico do bolsonarismo, que está fazendo isso por ideologia mesmo. Ele não é um cara que pretende alçar voos maiores. Provavelmente o máximo que vai fazer é ser senador, que é o muitos governadores fazem”, avalia.

“Já no caso do Zema, que almeja a presidência desde 2022, que alimenta esse projeto, se tem essa projeção eleitoral mais evidenciada. Ele é uma figura que não tem uma relação muito orgânica com o Bolsonaro e, havendo um cenário onde esse campo da extrema-direita pode ficar vazio, ele quer ocupá-lo. E aí vai fazendo gestos desse tipo para, lá na frente, colher uma relação mais orgânica com o eleitorado. Lembrando que em BH temos o Nikolas [Ferreira], o Zema está jogando com esse universo, pensando menos até em 2024 e mais em 2026”.

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