Educação

Um Brasil menos desigual

Livro aponta como o país mudou em 50 anos e, nesse processo, o papel da democracia

Ausência de saneamento básico
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Quando se olha para o Brasil de 1960 e para o de 2010, encontramos duas realidades quase opostas. No início da década de 60, era um país rural, majoritariamente católico, com 75% da população analfabeta funcional e com apenas 20% concluindo o Ensino Fundamental. Em 2010, contudo, as coisas se inverteram. Falamos agora de um Brasil no qual 85% da população vive em cidades, a conclusão do Ensino Fundamental é praticamente universal (chega a 70%) e o analfabetismo funcional está restrito a 20% da população idosa.

Quem apresenta esses dados é Marta Arretche, professora livre-docente do Departamento de Ciência Política da USP e diretora do Centro de Estudos da Metrópole. Essas informações são resultado de um projeto de pesquisa que deu origem ao livro Trajetória das Desigualdades: Como o Brasil mudou nos últimos 50 anos, lançado pela Editora Unesp em junho de 2015, organizado por Arretche.

O livro compila uma vasta pesquisa realizada sobre a desigualdade no Brasil entre 1960 e 2010 e reuniu pesquisadores das mais diversas áreas e de universidades nacionais e estrangeiras. “Este é um período da história do Brasil que compreendeu contextos econômicos e políticos muito distintos: transição rural-urbana, industrialização, crescimento econômico acelerado e retração econômica, inflação e estabilidade monetária, autoritarismo e democracia. Ainda que essas transições tenham sido extensivamente registradas pela literatura, uma avaliação sistemática da trajetória das desigualdades ao longo desse período ainda estava por ser feita”, afirma Arretche. Para que tal empreendimento fosse realizado, foram fundamentais para a pesquisa os Censos demográficos produzidos pelo IBGE entre 1960 e 2010.

“Embora cada capítulo do livro trate de um tema diferente – dentro dos grandes temas da participação politica, da renda, da educação, do acesso à políticas públicas, da demografia e do mercado de trabalho –, todos os capítulos têm a mesma estrutura. Isto é, apresentam dados para cada ano censitário, identificando pontos no tempo e mecanismos de inflexão da trajetória da desigualdade naquela dimensão específica”, explica.

O interesse no tema, conta Marta Arretche, teve início a partir da constatação de que teorias sobre a democracia solidamente consolidadas estavam começando a ser subvertidas. “Entre os cientistas sociais havia uma posição bastante difundida de que a democracia garantiria baixos patamares de desigualdade na Europa, ao passo que o Brasil parecia condenado a conviver com elevados índices de desigualdade.”

No entanto, a pesquisa mostrou que, enquanto nos países do mundo desenvolvido a desigualdade aumentou (nos Estados Unidos cresceu de 12,2% para 19,3% a participação do 1% mais rico na renda nacional), no Brasil ela foi na direção oposta e caiu.

Na interpretação de Arretche, a democracia teve papel fundamental no declínio da desigualdade. Antes, a realidade era de um país majoritariamente católico, com famílias de caráter tradicional, independentemente da classe social. As mulheres trabalhavam em sua maioria no âmbito doméstico e tinham uma média de seis filhos (taxa que caía entre as escolarizadas, que era de apenas dois).

Além disso, a desigualdade entre brancos e não brancos tinha início já no acesso ao Ensino Fundamental. A consequência disso a longo prazo era um Ensino Superior masculino e branco. A ausência de profissionais qualificados no mercado de trabalho promovia uma grande vantagem dos provedores brancos no mercado de trabalho e no sistema de proteção social, já que o direito à Previdência e à Saúde geravam distinção de status aos portadores de uma Carteira de Trabalho.

Hoje, esse cenário se alterou sensivelmente: a participação eleitoral, antes bastante reduzida, teve substancial aumento. O acesso aos serviços públicos também aumentou sensivelmente. E um cada vez maior acesso ao Ensino Médio (de 6,2 milhões em 1980 para 39,7 milhões) e ao Ensino Superior (de 3,4 milhões para 21,5 milhões). Com uma maior taxa de educação e maior pluralidade religiosa, ter filhos agora se tornara opcional e as mulheres, antes restritas ao âmbito doméstico, passavam agora a frequentar o mercado de trabalho. No ambiente universitário, antes restrito aos homens, agora as mulheres se tornavam maioria. A mortalidade infantil caiu de 69 para 16 em mil recém-nascidos e a expectativa de vida passou de 62 para 73 anos.

Arretche adverte, porém, que a democracia única e por si só não basta para que essa queda aconteça: “Nosso trabalho confirma os achados de uma tradição de estudos nas Ciências Sociais que enfatiza a primazia das políticas continuadas, para que mudanças substantivas na ordem social e econômica sejam possíveis. A trajetória de longo prazo das desigualdades no Brasil revela que não há determinismo – econômico ou político – nesse processo. Políticas importam! Mais que isso, deslocamentos nos padrões de desigualdade requerem políticas implementadas por um longo período de tempo”.

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