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Boko Haram e o terrorismo nigeriano

Influência externa de outros grupos jihadistas ajuda a explicar a ascensão do Boko Haram no país africano

Boko Haram
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Em abril de 2014, numa ação ousada e assombrosa, um dos grupos fundamentalistas mais ativos de toda a África Subsaariana, o Boko Haram (BH), sequestrou quase 300 meninas nigerianas no norte do país. A ação deu visibilidade internacional ao grupo, que já existia há mais de uma década, mas era muito pouco conhecido fora de sua área de atuação. A partir daí, e gradativamente, o terrorismo nucleado na remota região do norte/nordeste da Nigéria passou a ganhar cada vez mais destaque na mídia internacional.

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Os líderes do BH partem da premissa de que é necessário impor aos países africanos a Sharia, ou lei islâmica, não limitando os seus objetivos especificamente à Nigéria. Aliás, sonham com a criação de um Califado, nos moldes do Estado Islâmico (que opera no Iraque e na Síria), o que distancia o grupo da Al-Qaeda, por exemplo. São totalmente contra os princípios ocidentais ou quaisquer outros que não o de sua vertente sunita do Islã (o termo “ocidentais”, nesse sentido, vincula-se aos seguintes valores: cristianismo, Estado laico, democracia, liberalismo, sociedade consumista e igualdade de gênero).

A partir dessa ideia, escolheram como forma de luta o terror contra populações civis, que se tornaram o alvo principal de suas ações. Assassinatos, sequestros, estupros e atentados à bomba são os métodos mais utilizados pelo grupo, que sempre que possível evita o embate direto com as forças governamentais. Além dos alvos civis, o grupo já atacou órgãos públicos, como escolas e instalações policiais e militares.

A reação do governo nigeriano tem se demonstrado ineficaz para erradicar o grupo ou mesmo para limitar suas ações. As forças de segurança nigerianas já se confrontaram diversas vezes com o Boko Haram, tendo, inclusive, eliminado o líder do grupo em 2009. Mas a falta de continuidade na repressão sistemática ao grupo permitiu sua recomposição e uma escalada em suas ações violentas, que chegaram a atingir países vizinhos, como os Camarões.

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Estado Islâmico?

O Boko Haram não é um grupo insurgente qualquer. Seus militantes são dedicados a uma causa impossível de ser alcançada e, mesmo assim, demonstram fidelidade incomum aos ideais radicais que pregam e aos seus líderes. Da mesma forma, seus métodos são ultraviolentos e estão longe de obter apoio popular para a causa, que não parece ser observada como uma política a ser perseguida para atingir o objetivo final, tal a irracionalidade da violência empregada.

É importante, nesse sentido, observar que o Boko Haram não conta com o apoio da maior parte da população das regiões onde atua. Sua base principal vem de outros grupos radicais, dentro e fora da África, e o seu método de convencimento consiste no terror puro e simples.

Outro aspecto importante a ser levado em consideração está relacionado às influências externas. Com efeito, a ação de movimentos jihadistas no Norte da África e em partes mais distantes do mundo islâmico acabou por influenciar que radicais entrassem em atuação nas regiões predominantemente muçulmanas da Nigéria. Assim, o crescimento do extremismo religioso de orientação muçulmana, sobretudo no Oriente Médio, certamente influenciou no surgimento e atuação de diversos grupos que, a partir do Norte da África, rapidamente alcançaram a África Subsaariana.

Serviços de inteligência ocidentais definem o Movimento Al-Qaeda no Maghreb Islâmico (Aqim) como um dos principais apoiadores do Boko Haram. Esse grupo, que atua mais intensamente no Norte da África e teve sua origem na Argélia em 2007 (portanto, posterior à fundação do BH) é, na verdade, um componente da rede terrorista transnacional Al-Qaeda, mundialmente conhecida pelo protagonismo de Osama bin Laden. O apoio que o Aqim presta ao Boko Haram, até onde se sabe, é mais logístico e de treinamento de combatentes.

Porém, existem outros movimentos terroristas que se assemelham ao BH e atuam em áreas relativamente próximas, como o Movimento pela Unidade e a Jihad na África Ocidental (Mujao), o Movimento Nacional para Libertação de Azawad (MNLA), o Ansar Dine (Defensores da Fé) e o Movimento de Resistência Popular na Terra das Duas Migrações (Al-Shabaab), que atua na Somália e é também filiado à rede Al-Qaeda.

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Outra conexão internacional do Boko Haram, embora muito mais propagandística do que efetiva, é sua promessa de lealdade ao chamado Estado Islâmico. Esse anúncio foi realizado recentemente e o atual líder do grupo, Abubakar Shekau, gravou um vídeo dando conta da novidade. Essa ligação é porque o Estado Islâmico está agora começando a sofrer sérios reveses em sua própria área de atuação e não tem condições, pelo menos não diretamente, de prestar qualquer tipo de apoio ao Boko Haram, e vice-versa. Mas, do ponto de vista da propaganda, principalmente aquela dirigida ao público interno, ou seja, os extremistas, acaba sendo relevante.

É preciso considerar, igualmente, que a estrutura política, econômica e social nigeriana acaba favorecendo a insurgência de grupos como o Boko Haram. Isto porque o país, apesar de contar com um PIB expressivo e ser grande produtor de petróleo, além de possuir uma economia diversificada para os padrões africanos, apresenta quadro generalizado de corrupção, desigualdade social e disparidades regionais expressivas. O fator étnico, embora não decisivo, e o religioso, ajudam a compor a complexidade do quadro local.

Para erradicar o BH, certamente o governo da Nigéria deverá contar com apoio externo. O sequestro das meninas nigerianas facilitou, e muito, o caminho para que as autoridades tomassem do país atitudes mais firmes para reprimir esse grupo. Naturalmente, não será uma missão fácil, mas o fato é que o governo precisa lidar de maneira mais efetiva contra o Boko Haram e seus asseclas. Já está provado que não há negociação política aceitável e a única saída aparente é o desmantelamento do grupo. Para tanto, formou-se uma coalizão regional com esse objetivo, com a presença de Nigéria, Camarões, Chade e Níger.

A Nigéria é um país bem estruturado e possui recursos suficientes para que o Estado consiga se impor sobre grupos radicais como esse. O que falta é basicamente decisão política e apoio externo. Aparentemente, ambos estão agora mais do que disponíveis para o governo, mas só o tempo dirá até que ponto o combate ao Boko Haram será efetivo.

Pio Penna Filho é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)

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