Educação
Sem homeschooling, Câmara aprova o novo Plano Nacional de Educação
O plano prevê 19 objetivos estratégicos, que vão da educação infantil à superior, indicando metas e prazos a serem cumpridos no próximo decênio
Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou em votação simbólica, nesta quarta-feira 10, o parecer de Moses Rodrigues (União-CE) para o novo Plano Nacional de Educação. A matéria tramita em caráter conclusivo e, se não houver recurso para votação no plenário, seguirá ao Senado.
De modo geral, o plano prevê 19 objetivos estratégicos, que vão da educação infantil ao ensino superior, com metas e prazos a serem cumpridos nos próximos dez anos.
Rejeição ao homeschooling
A proposta de inserir o homeschooling no PNE foi barrada após acordo entre os congressistas e ficou de fora do texto. A tentativa de regulamentar a modalidade foi pautada via destaque pelo presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Gilberto Nascimento (PSD-SP).
A agenda, que encontra apoio entre a ala conservadora, é duramente criticada por especialistas em educação que apontam riscos ao desenvolvimento infantil e brechas à segurança de crianças e adolescentes.
Em manifestação pública contra a proposta, a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal destacou que a modalidade, que não é regulamentada no País, pode “ampliar desigualdades educacionais, reduzir a possibilidade de o poder público acompanhar a trajetória educacional de crianças e adolescentes e dificultar a identificação de situações de abuso, negligência e violação de direitos”.
Texto considera investimento público de 10% do PIB
O texto voltou a contemplar o investimento público na educação da ordem de 10% do PIB, em escala progressiva. O primeiro parecer apresentado pelo relator previa que o PNE chegasse a 11% do PIB ao fim de sua vigência, sendo que 7,5% viriam de investimentos públicos diretos (somados a subsídios) e 3,5% da iniciativa privada.
O novo arranjo financeiro prevê o aumento do investimento para 7,5% até o sétimo ano de vigência do plano e 10% até o fim do decênio. O plano anterior também previa alcançar 10% de investimento público até o fim da vigência, o que não aconteceu. Em 2025, o investimento público chegou a 5,2% do PIB.
Programa Nacional de Infraestrutura Escolar
O atual plano inova ao criar um programa nacional de melhoria da estrutura física e tecnológicas das instituições públicas de ensino. A meta é garantir, até o terceiro ano de vigência, condições mínimas de infraestrutura e salubridade de todas as escolas pública de educação básica. Até o final do decênio, o objetivo é garantir a todas as escolas padrões nacionais de qualidade de infraestrutura escolar, que serão pactuados pelo Ministério da Educação.
Metas ambiciosas e necessidade de superação
Ainda que o PNE anterior tenha chegado ao fim de sua vigência com baixa execução das metas — apenas quatro das 20 estabelecidas foram parcialmente cumpridas —, o novo plano segue com compromissos ambiciosos.
Na Educação Infantil, por exemplo, o texto fala em atender 100% da demanda por creche, de modo a contemplar, até o encerramento de sua vigência, no mínimo 60% das crianças de 0 a 3 anos na etapa escolar. O texto prevê a adoção de um instrumento nacional, em regime de colaboração, para levantamento das vagas em creche.
“É uma meta factível e que se alinha à realidade de cada município”, avaliou a gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim. “A inclusão do instrumento nacional de levantamento de demanda, em consonância com a legislação vigente, reforça ainda mais a necessidade de políticas baseadas em dados concretos.”
O plano também prevê, até o seu segundo ano de vigência, universalizar o acesso à educação infantil na pré-escola para crianças de 4 a 5 anos, uma promessa vista com bons olhos pela especialista, que estima mais de 400 mil crianças dessa faixa etária fora da escola, majoritariamente em contextos de alta vulnerabilidade.
Há ainda as metas de aprendizagem a serem alcançadas pelos estudantes de Ensino Fundamental (anos iniciais e finais) e Médio, o que é visto com ressalvas por algumas instituições.
O texto projeta que 100% dos estudantes, ao término dos anos iniciais do Ensino Fundamental, alcancem o nível básico de aprendizagem, com pelo menos 70% deles no nível adequado até o quinto ano de vigência do plano e 90% até o fim do decênio. Prevê também que 100% dos estudantes ao término dos anos finais do Ensino Fundamental alcancem o nível básico de aprendizagem, com pelo menos 60% deles no nível adequado até o quinto ano de vigência e e 85% até o fim do decênio.
Para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a projeção é ‘preocupante’, considerando, por exemplo, os índices aferidos nos últimos quatro anos. “[Há] o risco de metas inatingíveis gerarem responsabilização injusta das redes de ensino, gestores e professores, pois as condições objetivas para o alcance dessas metas ainda precisam se efetivar, exigindo um esforço concentrado em políticas intersetoriais e em articulação federativa horizontal e vertical.”
O movimento Todos pela Educação fez uma ponderação semelhante em relação às metas de aprendizagem, considerando também aquelas projetadas para o Ensino Médio. A previsão é que 100% dos estudantes chegam ao fim da etapa com a aprendizagem adequada.
“Durante a tramitação no Senado, será fundamental promover ajustes nas metas que ainda estão absolutamente descoladas da realidade frente ao cenário atual e histórico de evolução da aprendizagem no País”, ponderou a organização.
Outro desafio está nas metas de alfabetização. O texto prevê que até 2030, 80% das crianças cheguem ao fim do segundo ano do Ensino Fundamental alfabetizadas. Até 2034, a meta é de que 100% se alfabetizem até essa série. Em 2024, porém, a taxa de alfabetização atingiu 59,2% das crianças, segundo o Ministério da Educação, com base nas avaliações do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada (CNCA).
A valorização docente também se desenha com metas ambiciosas, segundo o texto aprovado. A promessa é assegurar, até o quinto ano de vigência do plano, que todos os docentes da educação básica tenham formação específica em nível superior em Pedagogia ou licenciatura, a depender das disciplinas e das modalidades em que trabalhem.
Também se prevê reduzir para 30%, em cada rede pública, o número de professores sem cargos efetivos, em modalidade temporária. No Brasil, aproximadamente dois a cada três professores têm contratos permanentes nas escolas onde trabalham.
Novos temas: cyberbullying, sustentabilidade socioambiental e educação digital
O PNE trouxe novos temas para o escopo das políticas educacionais. O texto menciona explicitamente as práticas de intimidação sistemática como bullying e cyberbullying, comuns nos ambientes escolares, e prevê a qualificação das equipes para identificação, intervenção e prevenção, fortalecendo os protocolos de acolhimento e proteção às vítimas e de responsabilização dos agressores.
A conectividade e a educação digital sustentam outro objetivo do plano, a partir da inserção do pensamento computacional e da cultura digital, o que passa por garantir condições de conectividade às redes. Também passa a ser uma meta a promoção da educação ambiental e do enfrentamento às mudanças climáticas — as redes de ensino deverão desenvolver planos para prevenção, mitigação e adaptação às mudanças do clima, e executá-los em seus estabelecimentos de ensino.
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