Educação

Com bloqueio do MEC, universidades federais terão que escolher quais contas pagar

A reportagem ouviu de reitores que, no momento, a prioridade é pagar servidores e bolsas estudantis, mas a situação é insustentável até dezembro

Muitos foram perseguidos após as ocupações e encaram os desafios de fazer política nas universidades
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[Atualização: Na sexta-feira 7, o ministro da educação Victor Godoy afirmou que o bloqueio das universidades e institutos federais será revertido, bem como o da Capes. O mandatário do MEC, no entanto, não sinalizou data para o desbloqueio]

Um dia após o governo Bolsonaro anunciar o bloqueio de 2,4 bilhões do orçamento do Ministério da Educação, o ministro Victor Godoy fez um pronunciamento minimizando os efeitos da decisão.

Godoy negou que se trate de corte e confiscos de recursos da educação, mencionou a veiculação de ‘informações falsas’, e acrescentou se tratar de um bloqueio temporário em cumprimento ao Decreto 11.216, de 30 de setembro, que estabelece uma programação orçamentária e financeira e um cronograma de execução mensal de desembolso do Executivo Federal para o exercício de 2022.

“Isso foi feito porque nós, nosso governo, tem responsabilidade fiscal. Nós não queremos que o nosso país tenha a gestão que foi feita no passado, onde o governo gastou muito mais do que arrecadava e afundou nosso País em dívida”, declarou. O ministro disse ainda que ‘não há risco de descontinuidade das atividades educacionais nas universidades e nos institutos’ e lamentou o ‘uso político’ das informações, segundo ele, para tentar desgastar a imagem do governo.

A versão do ministro do governo Bolsonaro, no entanto, é diferente da que a reportagem de CartaCapital apurou junto a reitores de universidades federais que citam um cenário de ‘gerenciamento de crise’.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a maior entre as 68 universidades federais existentes no País, o clima é de total apreensão. Nominalmente, o corte de 5,8% representa a retirada de 18 milhões da universidade, ‘praticamente o que a gente contava para funcionar nos meses de setembro e outubro”, relatou à reportagem o pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp. A previsão é que já neste mês a universidade comece a enfrentar problemas com serviços que deixará de pagar.

“A manifestação do ministro tentou minimizar o impacto do corte feito, trazendo para uma questão mais técnica, de programação orçamentária e financeira mas, na prática, o que acontece é que o orçamento está lá, mas não podemos utilizá-lo. É como se você recebesse a notícia do seu empregador de que nos próximos dois meses você não vai receber salário. Como se sobrevive e paga seus compromissos nesse período?”, questiona Raupp.

Em seu pronunciamento, o ministro da Educação disse que as universidades que precisarem de apoio antes de dezembro podem procurar a pasta, que intermediará tratativas com o ministério da Economia. O decreto do governo menciona uma ‘perspectiva’ de liberação dos limites estornados no mês de dezembro.

A suposta ‘abertura’ para reversão do quadro também não traz segurança ao reitor. “É uma promessa que o ministério está fazendo, mas não há nenhuma garantia concreta de que haverá o retorno desse limite. Não há muito para crer porque as razões para esse bloqueio são políticas”, disse, ao reiterar que não há como a instituição sobreviver sem a reposição até o final do ano.

“Ficamos muito também preocupados porque não sabemos nem qual será o critério de apreciação dessas demandas, mas vamos encaminhar as emergenciais”, afirmou.

Nas ‘novas universidades’, caso da federal de Catalão, corte financeiro sobrecarrega ainda mais os reduzidos quadros técnicos. Foto: Reprodução Facebook

Nas pequenas universidades, mais problemas

Na outra ponta, também sentem os impactos o grupo das universidades ‘super novas’, criadas em 2019 pelo MEC, e do qual faz parte a Universidade Federal de Catalão (UFCat), no interior de Goiás, desmembrada da Universidade Federal de Goiás, e que atende cerca de 3 mil estudantes na graduação.

A reitora da universidade, Roselma Lucchese, conta que o corte orçamentário se sobrepõe a problemas já enfrentados pela instituição desde a sua fundação, que ocorreu sem o devido amparo técnico e financeiro.

“Todas nós [as universidades novas] estamos em um processo de implantação, e não tivemos garantido até o momento nem o previsto em lei, como a liberação de servidores por concurso público, que não ocorreu nesses últimos anos”, explicou, ao relatar que a fragilidade técnica se agrava no contexto de corte de verbas.

“Quando você se torna uma pessoa jurídica, uma nova instituição pública, você passa obrigatoriamente a ter que criar alguma estruturas, principalmente administrativa e aquelas que se relacionam com os órgãos de fiscalização e controle. Tivemos que fazer isso, até o momento, com a mesma quantidade de servidores que tínhamos enquanto campus Catalão.”

A reitora também explicou que as universidades novas não contaram inicialmente com o chamado ‘enxoval’, um recurso que era destinado pelo Ministério da Educação com base na previsão de custeios de estruturação e manutenção das instituições recém instituídas. “De 2018 pra cá, isso acabou, não foi previsto, então hoje tentamos sobreviver com os recursos que tínhamos equivalente ao nosso tamanho dentro da UFG”, conta, ao detalhar que o cenário tem como consequência o sucateamento das instituições.

“Nós não tivemos nada de capital para construir ou reformar prédios, renovar equipamentos, comprar livros”, enumera. O novo corte, de cerca de 660 mil reais, já faz com que a universidade escolha os compromissos que vai assumir. “O esforço vai ser em priorizar as ações que impactariam pessoas, como o pagamento de empresas que contratam servidores terceirizados, e manutenção de bolsas, ligadas à permanência estudantil. As demais serão postergadas”, afirma.

O novo corte de 2,4 bilhões no orçamento geral do MEC que, no caso das universidades e institutos federais, significa uma perda de 328,5 milhões de reais, se soma a um anterior, anunciado em junho, de 7,2%, fazendo com que as perdas reais se acumulem em torno de 13% do orçamento. Isso em um cenário de defasagem permanente, já que ao longo dos últimos anos, os recursos de financiamento revertido às universidades e institutos federais sofreram queda contínua, sem recomposição inflacionária.

O Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência, grupo de pesquisa sediado na Unifesp, destaca que o cenário de arrocho no financiamento das universidades, em prática desde 2015, ‘tomou proporções inimagináveis e atingiu patamares dramáticos’. Segundo os pesquisadores, os valores corrigidos pelo IPCA mostram uma queda de 96% nos recursos de investimento.

O grupo chama a atenção para a adoção de políticas que incidem mais negativamente sobre o cenário, caso do teto de gastos públicos, aprovado em 2016, e que congelou os investimentos já a partir de 2017, com previsão de reajuste pela inflação. E, em 2018, a intervenção na autonomia de gestão financeira das universidades e institutos, que ficaram proibidos de executar a arrecadação própria, quando o valor apurado for maior do que o fixado na Lei Orçamentária Anual, conforme prevê a Portaria nº 1.428, 05/02/2018.

Para a professora da Unifesp, Soraya Smaili, e coordenadora do grupo, a atitude do governo é ‘completamente irresponsável’ e não dialoga com a realidade. “Estamos falando de um projeto político que não lidam com a educação, a Ciência, e a própria saúde, essenciais ao desenvolvimento do País, como prioridade. Eles não têm esse interesse”.

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