Educação

Rondônia: Relembre a história de cinco livros que o Estado quis vetar

Governo de Rondônia pediu o recolhimento de 43 livros classificados como ‘inadequados’ a crianças e adolescentes. Depois, voltou atrás

O livro Macunaíma, de Mário de Andrade,, estava entre a lista das obras a serem vetadas.
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Pelo menos 43 obras foram considerados “inadequadas” a crianças e adolescentes pela Secretaria de Educação de Rondônia, que chegou a cogitar o recolhimento dos livros da rede estadual na quinta-feira 6. Entre a lista, obras como Macunaíma, de Mário de Andrade, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Os Sertões, de Euclides da Cunha; O Castelo, de Franz Kafka; e “O Melhor de”, de Caio Fernando de Abreu. Relembre os temas de cada uma:

Macunaíma (Mário de Andrade)

A obra é uma rapsódia sobre a formação do Brasil, em que vários elementos nacionais se cruzam numa narrativa que conta a história de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. É um amálgama da formação do Brasil. Macunaíma é índio, negro e, depois de tomar banho na poça do pé do gigante Sumé, vira europeu. O livro de Mário de Andrade está cheio de personagens que retratam as características do povo brasileiro. Muitos deles fazem uma passagem rápida pela narrativa e servem de alegoria para defeitos ou qualidades do caráter nacional.

Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

Narrada em primeira pessoa, a obra apresenta os relatos de Brás Cubas, um “defunto-autor”, isto é, um homem que já morreu e que deseja escrever a sua autobiografia. Narra-se, de maneira breve, a infância do protagonista, além de seus amores, e a vida adulta, com suas diversas tentativas de trabalho e de invenção, como o emplasto. Por fim, o narrador descreve sua vida como um conjunto de negativas que acabam com um único saldo positivo: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” Publicado em 1881, o livro é uma das principais obras do escritor Machado de Assis e considerado o marco inicial do Realismo no Brasil.

Os Sertões (Euclides da Cunha)

Escrito a partir do trabalho jornalístico de Euclides da Cunha sobre a rebelião de Canudos, a obra é considerada uma das mais importantes da literatura nacional. Ao narrar a violenta e exaustiva repressão sofrida pelo bando de Antônio Conselheiro, o autor narra também a formação do homem sertanejo. Os sertões denuncia os crimes cometidos por uma sociedade eurocêntrica, violenta, autoritária, desigual e excludente, além de desafiar qualquer resposta fácil para as questões sertanejas.

O Castelo (Franz Kafka)

A obra de ficção narra a história de K.,um suposto agrimensor que tenta inutilmente chegar ao castelo que vê no topo de uma colina. Ele chega a uma aldeia coberta de neve e procura abrigo num albergue perto da ponte. O ambiente sombrio e a recepção ambígua dão o tom do que será o romance. No dia seguinte o herói vê, no pico da colina gelada, o castelo: como um aviso sinistro, bandos de gralhas circulam em torno da torre. O personagem nunca conseguirá chegar até o alto, nem os donos do poder permitirão que o faça. Em vez disso, o suposto agrimensor – mesmo a esse respeito não há certeza – busca reivindicar seus direitos a um verdadeiro cortejo de burocratas maliciosos, que o atiram de um lado para outro com argumentos que desenham o labirinto intransponível em que se entrincheira a dominação.

O Melhor de Caio Fernando de Abreu (Caio Fernando de Abreu)

A obra apresenta um panorama dos contos escritos por Caio, formato em que o autor mais mais brilhou e contribuiu à literatura brasileira. Jornalista, gay e crítico da ditadura, foi um dos primeiros a escrever sobre o vírus HIV, que contraiu na década de 90. O autor faleceu aos 47 anos.

Entenda o caso

Na quarta-feira 6, uma reportagem da Folha de S. Paulo veiculou a informação sobre um memorando e uma lista de livros entregues aos coordenadores regionais de educação, pela Secretaria de Educação de Rondônia, determinando o recolhimento de 43 livros. No documento, também havia uma determinação expressa para que todos os livros de Rubem Alves fossem recolhidos.

Em um primeiro momento, o secretário de educação do Estado, Suamy Vivecananda, disse à reportagem se tratar de fakenews. No entanto, ao ser confrontado com as imagens do processo no sistema da secretaria, Vivecananda disse que não estava na secretaria ao longo da semana e que não tinha conhecimento da medida. Depois, afirmou que não haveria recolhimento das obras.

No meio da tarde, a Coordenação Regional de Educação da pasta encaminhou uma nova mensagem para os coordenadores abortando o recolhimento dos livros. “Missão de recolhimento dos livros abortada. Caso façam contato com vocês sobre o tema, por favor, peçam que entrem em contato com a CRE [Coordenação Regional de Educação]”, diz a mensagem.

O governador do Estado, coronel Marcos Rocha, filiado ao PSL, não se pronunciou sobre o caso até o momento.

Reações

Por nota, a OAB de Rondônia classificou a medida como “odiosa censura”. Ainda colocou que o ato “viola os mais caros princípios e garantias fundamentais da Constituição Federal, atenta ao estado democrático de direito, bem como ofende a democracia e a cultura, que nos dá unidade como nação brasileira”. Após o recuo da secretaria, a organização afirmou que continuará vigilante e afirmou que solicitará nesta quinta a cópia do procedimento administrativo em que constam os documentos veiculados na imprensa nacional, para análise e eventual adoção de medidas para a proteção da sociedade brasileira.

 

O Sindicato dos Professores de Rondônia também se manifestou dizendo que a ação, mesmo em “rascunho” é um “atentado à educação, ao conhecimento e a liberdade de expressão”.

Já o Ministério Público Federal de Rondônia afirmou que iniciará um processo administrativo para apurar o caso e que vai notificar o governo do Estado a fim de prestar depoimento.

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