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Revendo o poeta do exílio

A vida e obra poética de Gonçalves Dias, 
autor que imprimiu uma visão inovadora 
e independente do índio à nossa literatura

Gonçalves Dias Ilustração||Sabiá Ilustração
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Poeta romântico considerado o fundador da poesia brasileira, Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias, no Maranhão, em agosto de 1823, sendo, portanto, um ano mais jovem do que o Brasil como nação independente.

Filho da união não oficial de um português e uma mestiça de negro e índio, o poeta orgulhava-se de ter em seu sangue a mistura das três raças formadoras do nosso país. Aos 6 anos de idade é afastado da mãe pelo pai, que se casa com uma branca.

Aos 13, o pai o levaria para estudar em Portugal, mas morre em São Luís, no Maranhão. A madrasta cumpre-lhe a vontade e manda o futuro poeta estudar Direito em Coimbra. Quando lhe faltaram recursos, Antônio foi ajudado pelos amigos brasileiros que lá estudavam.

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Leia atividade didática de Literatura inspirada neste texto
Ano do ciclo:
Possibilidade interdisciplinar: História
Duração: 2 aulas por poema
Expectativas de aprendizagem: Relacionar o gênero ao seu contexto de produção. Estabelecer relações intertextuais. Comparar textos quanto ao tratamento temático e estilístico.
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1) O estudo intertextual, retomada de um texto por outro, abre, no caso da obra poética de Gonçalves Dias, possibilidades inesgotáveis, principalmente na comparação das recriações da Canção do Exílio. A análise inicial será feita em classe: destaque o recurso intertextual da epígrafe, citação direta de outro poema, em alemão, o texto-matriz, no qual é inspirado, com o nome do autor, Goethe. Essa prática é comum na poesia de Gonçalves Dias.

2) A atividade seguinte poderá ser feita em grupos, e será o levantamento das releituras. Na verificação, separar os textos do século XIX ou início do XX, quando a ideologia é a mesma, de afirmação da identidade brasileira. São a Canção do exílio e Minha terra (1859), de Casimiro de Abreu, e a estrofe citada na letra do Hino Nacional, em 1909: Nosso céu tem mais estrelas,/ Nossas várzeas têm mais flores/nossos bosques têm mais vida/ nossa vida (em teu seio) mais amores. A letra do Hino do Expedicionário, de 1944, cita: Não permita Deus que eu morra, sem que volte para lá, e onde canta o sabiá.

3) No século XX, a partir do Modernismo, textos do passado são retomados criticamente, algumas vezes em tom de humor. A relação a seguir traz as recriações de autores conhecidos, com a data, a fim de situá-las historicamente: Oswald de Andrade – Canto de regresso à Pátria (1925); Murilo Mendes – Canção do exílio (1930); Carlos Drummond de Andrade – Europa, França e Bahia (1930) e Nova canção do exílio (1945); Cassiano Ricardo – Ainda irei a Portugal (1947); Mário Quintana – Uma canção (1962); Torquato Neto – Marginália II (1968); José Paulo Paes – Canção do exílio facilitada (1973) e Lisboa: aventuras (1988); Tom Jobim e Chico Buarque – Sabiá (1968); Afonso Romano de Sant’ana – Canção do Exílio Recente (1980); Jogos Florais I e II – Antônio Carlos de Brito (Cacaso) (1985, escrita nos anos 70); Eduardo Alves da Costa – Outra Canção do Exílio (1985); Ferreira Gullar – Nova canção do exílio (2000).

4) Sugerimos a análise de Sabiá e Jogos Florais I e II, pelo contexto da ditadura; os dois de José Paulo Paes, pela criatividade, e o de Eduardo A. da Costa, pela atualidade.
Questões para orientar a análise:
a) Qual o sentido de exílio no texto recriado?
b) Como são apresentados os símbolos do sabiá e da palmeira? Eduardo A. Costa, por exemplo, em “Minha terra tem Palmeiras, Corinthians e outros times,” emprega o trocadilho com o time de futebol.
c) Quais as críticas em relação ao texto original?

5) Comparar o poema Não me Deixes, de Gonçalves Dias e A Flor e a Fonte, do parnasiano Vicente de Carvalho (1866-1924). Semelhanças: os mesmos elementos – água corrente e flor – e a mesma situação – a água arrasta a flor. Diferenças:
a) No final do poema de Vicente de Carvalho, uma estrofe explica os símbolos, o que não existe em Gonçalves Dias, tornando a interpretação mais aberta.
b) A atitude da flor – no romântico, fascínio pela água e, no parnasiano, aversão a ela. Entre várias interpretações possíveis, assinalar o descompasso do amor, tema universal e atemporal da lírica amorosa.

6) Também pode ser estudada a intertextualidade não intencional, nem por isso menos rica em possibilidades de explorar semelhanças e diferenças. É o caso do poema Meu anjo, escuta, (1851) de Gonçalves Dias, e a canção Esse cara sou eu (2012), de Roberto Carlos. Podem-se apontar semelhanças na estrutura – um apaixonado fala de si mesmo na terceira pessoa, e a repetição do sou eu – e na temática – a declaração de amor do homem. Como diferenças, a linguagem coloquial da canção, e o tema do amor irrealizado, infeliz, no texto de Gonçalves Dias, e compartilhado, alegre, na canção. Observar o emprego da natureza nas imagens do poema, substituindo o poeta.

7) Análise do poema Marabá, que significa mestiço, e focaliza o conflito interior de uma jovem índia entre seu tipo físico claro, europeu, e valores indígenas. Excluída pela tribo, ela representa a solidão e a marginalidade características do período romântico. O preconceito, existente sempre que se manifesta intolerância com a diversidade, pode ser discutido na sua inversão do usual, ou seja, é o índio que repele o branco.
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Volta formado em 1845, com 22 anos, e conhece, em São Luís, Ana Amélia Ferreira do Vale, de 14 anos, sua maior paixão e musa inspiradora de grande parte de sua poesia lírica.

Em 1846, no Rio de Janeiro, onde publica Primeiros Cantos, começa a dar aulas. Tendo seu talento e erudição reconhecidos, aceito como sócio do prestigiado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, inicia carreira de estudioso da nossa cultura.

Entre 1848 e 1851, publica Segundos Cantos, Sextilhas de Frei Antão e Últimos Cantos. Quando volta em missão de pesquisa para o Maranhão, pede Ana Amélia em casamento, mas a família não consente, devido à origem do poeta, que, ferido no seu orgulho, desiste da amada.

Casa-se no Rio, em 1852, mas não é feliz no casamento. Sua única filha, Joana, morre antes dos 2 anos. Em viagem a Lisboa, encontra Ana Amélia casada com um mestiço, refugiado por ter falido no Brasil. Escreve o belo poema Ainda uma Vez Adeus, esclarecendo as razões que o fizeram não lutar por ela, renunciando à felicidade.

Doente, voltava de viagem de cura na Europa, em 1864, quando o navio afunda nas costas do Maranhão. Não conseguindo sair, é a única vítima do naufrágio, perdendo-se com ele muitos manuscritos inéditos.

Deixou uma obra extensa, rica e variada, incluindo poesia, teatro, estudos históricos e linguísticos, mas é famoso, sobretudo, pela poesia, na qual podemos apontar como temas principais o indianismo, o lirismo amoroso, o sentimento da natureza e o saudosismo.

A principal contribuição de Gonçalves Dias para a formação da identidade nacional da nossa literatura é a poesia indianista, que parte de uma visão totalmente inovadora e independente do índio comparado ao europeu. O ponto de vista da narração não é mais do europeu, como na produção literária anterior, mas sim de quem, puro e não corrompido, habitava a terra antes do colonizador.

Assim, no poema I Juca-Pirama (em tupi-guarani, aquele que há de ser ou é digno de ser morto) o ritual antropofágico, considerado bárbaro pela tradição europeia, tem outro significado: morrer nessa cerimônia seria uma honra reservada aos guerreiros mais fortes e valentes, pois vencedores de batalhas não se enfraqueceriam devorando fracos.

Sabiá Ilustração

No longo poema, considerado a obra-prima da poesia indianista brasileira, um índio tupi, ao cair prisioneiro da tribo timbira, pede para não ser morto, pois era o único amparo do velho pai cego. Confundindo o amor filial com covardia, o chefe timbira liberta-o, afirmando:  “Não queremos com carne vil enfraquecer os fortes”.  Quando o tupi encontra o pai, conta que foi perdoado, mas não o motivo.

O velho tupi pede para ser levado à tribo timbira, para agradecer. Ao saber do pedido de clemência do filho, amaldiçoa-o. O jovem então luta bravamente contra toda a tribo inimiga, até conquistar o reconhecimento de sua bravura.

O lirismo amoroso, embora muitas vezes inspirado na sua própria vida, principalmente nas suas tristezas, é contido. Nele, a mulher aparece como um anjo, idealizada, e o amor como impossível de ser realizado.

A natureza, contemplada como manifestação de Deus, consola o poeta, que nela se refugia nos momentos de saudade, solidão e tristeza, como no mais famoso poema de nossa literatura, a Canção do Exílio: “Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá;/ As aves, que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá”.

Gonçalves Dias não havia completado 20 anos quando, estudante, escreveu o poema em Coimbra, portanto, não se deve entender exílio como desterro ou degredo, mas como distanciamento causador de intensa saudade.

O segredo da popularidade do poema já foi apontado na simplicidade da linguagem em que não há adjetivos; nos versos de sete sílabas; na repetição de sons, palavras e versos. A riqueza dos recursos técnicos do poeta, além dos temas, é motivo do encanto que se encontra na sua leitura até hoje.

Exemplo ainda da permanência da obra de Gonçalves Dias é o diálogo que estabelece com textos que a sucederam, a intertextualidade, como veremos nas atividades propostas.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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