Disciplinas

Resolvendo problemas matemáticos

Como o “Enigma de Cingapura” e outros problemas matemáticos podem contribuir para a motivação e o aprendizado dos alunos

Roberto Perides Moisés
O professor ainda não vê o jogo como uma atividade séria em sala de aula enigma problemas matemática cingapura malba tahan
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“Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a designação de Homo sapiens.” É dessa forma que Johan Huizinga inicia seu livro Homo Ludens (Editora Perspectiva), lançado em 1938. No livro, o autor destaca o instinto inato dos homens e dos animais para o jogo. Na sua visão, o jogo se constitui em um dos elementos fundamentais da cultura humana, antecipando-a e tornando-a possível. Segundo o autor, “o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida num certo nível de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas e absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, atividade acompanhada de um sentimento de tensão e alegria, e de uma consciência de ser que é diferente daquela da vida cotidiana.”

Leia atividade de Matemática inspirada neste artigo
Anos do ciclo: 5° ao 6°
Objetivos de aprendizagem: Analisar, interpretar e resolver situações-problema, envolvendo diferentes operações com números racionais. Resolver problemas lógicos por meio de estratégias variadas, como a construção de esquemas e tabelas.
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O enigma de Cingapura
Tempo de Duração: 1 aula por problema

1) O professor pode iniciar a atividade propondo que os alunos resolvam o problema de Cingapura. Para isso, pode argumentar o interesse que este despertou no mundo todo, recebendo a designação de “viral”. Uma das boas formas de conduzir a situação em sala de aula é permitir que os alunos possam conversar entre si, mas que percebam a necessidade da concentração, do levantamento de hipóteses e da organização das ideias para a solução do problema. Ao fim de um tempo, o professor pode organizar a turma para apresentação das soluções encontradas. A socialização pode ser feita com a exposição, pelos alunos, com o uso da lousa. O professor deve observar o clima de concentração e respeito que envolve a apresentação e o debate entre as soluções.

2) Comente com os alunos que, depois desse problema, outro invadiu as redes sociais, O Problema do Vietnã: ele consiste em um quadro de números que deve ser preenchido com algarismos de 0 a 9, sem que haja repetição e respeitando as operações indicadas. Diferentemente do outro problema em que o recurso da compreensão das informações e do recurso da lógica se fazem presentes, para este o uso da tentativa e erro pode ser uma boa estratégia adotada.

3) Comente que jogos e problemas requerem raciocínio lógico mais que o uso de operações, e exige do leitor não só encontrar a solução correta, mas, fundamentalmente, ter a capacidade de formular e expor o raciocínio nela empregada.

4) Nesse momento, o professor pode apresentar o livro O Homem Que Calculava ou As Maravilhas da Matemática, de Malba Tahan. Explore a ideia da tradição dos enigmas nas narrativas matemáticas. Quem sabe eles também conhecem algumas?

5) Apresente o problema que é proposto no início de O Homem Que Calculava: “Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos e a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas?”

6) Pergunte aos alunos se eles compreenderam o problema. Será mesmo que não há solução? Peça que eles façam suas considerações. Terminado o debate apresente a eles a informação que segue no texto e peça que eles agora avaliem as possibilidades (ou não) de uma solução justa! “É muito simples – atalhou o Homem que Calculava. Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe!”

7) Após os alunos apresentarem suas soluções e argumentações, o professor pode seguir na leitura do texto e comparar as soluções com a entregue pelo autor.

8) Apresente esse novo problema do mesmo livro e siga na mesma dinâmica: “Um mercador de Benares, na Índia, dispunha de oito pérolas iguais – na forma, no tamanho e na cor. Dessas oito pérolas, sete tinham o mesmo peso; a oitava, entretanto, era um pouquinho mais leve do que as outras. Como poderia o mercador descobrir a pérola mais leve e indicá-la, com toda a segurança, usando a balança apenas duas vezes, isto é, efetuando apenas duas pesagens? É esse o problema, ó calculista! Queira Allah inspirar-te a solução mais simples e mais perfeita!” As respostas a esses problemas o professor encontrará no próprio livro.

9) Para dar seguimento à atividade, o professor pode propor que os alunos criem problemas e que estes sejam compartilhados numa plataforma virtual ou mesmo por meio de aplicativos de mensagens como o WhatsApp.

10) Bem, professor, isso foi só uma provocação. Sinta o entusiasmo do grupo de alunos e depois decida se vale a pena planejar algumas atividades como estas, mesmo que tratando de um conteúdo particular em matemática. A autoconfiança, a cooperação, a criatividade e a motivação que se construirão nesses momentos servirão de base para o enfrentamento na aprendizagem de conteúdos mais formais e abstratos, que também caracterizam a matemática.
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Embora o excerto apresentado não cubra toda a complexidade com que o autor trata o tema, ele serve como indicação da importância do jogo na construção do conhecimento. Na educação, tal importância foi evidenciada na teoria da aprendizagem de Vygotsky e na de atividade de Leontiev. Contudo, na sala de aula, que podemos considerar como um espaço particular e destinado à construção e socialização do conhecimento, o professor ainda não confere ao jogo uma atividade a ser levada a sério. Tendo em conta a presença da Matemática em todos os anos da escolaridade básica e que a lógica, sendo própria do seu conteúdo, pode ser considerada como um elemento indispensável na execução dos jogos, parece-nos que ela pode contribuir com experiências educacionais significativas para as crianças.

Se nossa percepção do como e do que nos mobiliza frente ao jogo for sinceramente considerada nas nossas aquisições de novas habilidades, conceitos e competências, este pequeno artigo terá alcançado o seu propósito. Afinal, o melhor é começar por si mesmo.

O jogo e a resolução de enigmas.

No dia 13 de abril de 2015, o mundo digital foi assolado por um vírus. E esse só seria também controlado após a resolução de um enigma. Porém, não é bem o que você está pensando. Não se trata do trabalho de algum hacker. Estamos nos referindo a um enigma criado por Joseph Ye Boon Wooi, do Instituto Nacional de Educação de Cingapura, e que, quando postado na internet, tornou-se viral por colocar milhares de internautas do mundo às voltas com a data de aniversário da Cheryl.
Se você é um dos que não foram afetados pelo vírus naquela época, eis aqui o problema:

Alberto e Bernard acabam de conhecer Cheryl e querem saber qual é a data do aniversário dela. Cheryl dá uma lista com 10 datas possíveis: 15 de maio, 16 de maio, 19 de maio, 17 de junho, 18 de junho, 14 de julho, 16 de julho, 14 de agosto, 15 de agosto, 17 de agosto.

Cheryl conta, então, para Albert o mês, e para Bernard o dia.
Albert: “Não sei quando é o aniversário de Cheryl, mas sei que Bernard também não sabe”.
Bernard: “A princípio não sabia quando era o aniversário de Cheryl, mas agora já sei”.
Albert: “Então eu também sei quando é o aniversário dela”.

Esse problema também ocupou o matemático Alex Bellos, conhecido autor de livros de divulgação matemática como Alex no País dos Números e do novo Alex Através do Espelho, que, dias após o anúncio do enigma, atendeu a pedidos e publicou em seu blog a esperada solução

Passado um mês do sucesso do “enigma de Cingapura”, uma notícia traz novamente a atenção ao Tigre Asiático. Cingapura ocupa o primeiro lugar da educação mundial segundo dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estabelece um ranking mundial da qualidade de educação entre 76 países, dos quais nossa pátria, ainda pouco educadora, ocupa a 60ª posição. Como sabemos, o ranking apoia-se em resultados das provas do Pisa, que testa as capacidades matemáticas, científicas e de leitura entre jovens de 15 anos.

Não foi sem motivo, portanto, que o próprio Alex Bellos levantasse a polêmica da diferença entre o ensino matemático dos países e territórios asiáticos (primeiras cinco posições no ranking) com relação aos outros do mundo. Bellos sugere que essa diferença se dá, particularmente, porque nesses países o ensino de matemática se apoia no uso da lógica, em contraposição ao excessivo uso das operações e regras de cálculo.

E pensar que essa poderia ser a orientação da educação matemática no Brasil desde há muito tempo, talvez não fosse a imposição da chamada Matemática Moderna no currículo.

Para termos uma noção dessa hipótese, basta considerar a força narrativa e educativa do conhecido O Homem Que Calculava, do educador brasileiro Júlio César de Mello e Souza, mais conhecido como Malba Tahan. Em As Maravilhas da Matemática, livro publicado em 1972, o autor declara que “a recreação matemática é um dos mais preciosos recursos motivadores de que podemos dispor para lecionar, com êxito, para uma turma de adolescentes”. Nesse sentido, a didática preconizada por Malba Tahan considera que o jogo pode figurar entre as atividades mais úteis à aprendizagem, particularmente, porque desperta “alto coeficiente de interesse”, quer na forma curiosa e enigmática como são enunciados, quer da maneira arguta como são resolvidos.

Suas obras são marcadas pelo uso de uma narrativa em que o curioso, o surpreendente e o paradoxal entretêm um conjunto de leitores em busca da solução a situações inesperadas e aparentemente insolúveis, como o problema de Cingapura parece sugerir.
Mas a tradição pode ser restaurada, e ainda à luz de uma revisão crítica. Não se trata de buscar o passado, mas de encontrar nele elementos humanos ignorados ou combatidos em seu tempo e que hoje se apresentam atuais e necessários. Nas atividades propostas abaixo, trazemos uma mistura entre a tradição e o novo, entre o livro e as novas mídias. O fundamental aqui é a narrativa encantadora que o jogo e o enigma despertam em nossa vida, seja ele interpretado como elemento inato ou não.

*Matemático pela PUC-SP, é mestre em Educação pela USP e professor do Colégio Santa Cruz

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Site
Alex Bellos
Livros
Homo Ludens, de Johan Huizinga, Perspectiva, 2014
Alex no País dos Números, de Alex Bellos, Cia das Letras, 2011
Alex Através do Espelho, de Alex Bellos, Cia das Letras, 2015
O Homem que Calculava, de Malba Tahan, Record, 2001
As Maravilhas da Matemática, de Malba Tahan, Bloch, 1976
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