Educação

Proposta de militarização gera tumulto em escola estadual do Mato Grosso

Maioria da comunidade escolar da Escola Estadual Adalgisa de Barros é contra a gestão da PM na escola; secretário de Educação diz que a proposta vai continuar

Créditos: Reprodução
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Uma escola estadual do município de Várzea Grande (MT) vem se mobilizando contra uma tentativa de militarização liderada pelo governo do estado.

Na noite da segunda-feira 23, houve um desentendimento entre integrantes da Escola Estadual Adalgisa de Barros e agentes da Polícia Militar durante uma audiência pública que tinha como objetivo votar a proposta para que forças da segurança pública do estado assumam a gestão escolar.

Em um vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver o momento em que uma mulher tenta impedir a explanação de um PM e é contida por demais agentes. O levante foi feito por Leiliane Cristina Borges, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), e também da subsede sindical em Várzea Grande.

Segundo apurou a reportagem de CartaCapital, a manifestação da sindicalista ocorreu após a Polícia Militar não garantir à comunidade escolar um tempo de 15 minutos de explanação sobre a proposta, previamente acordado.

A audiência, no entanto, já vinha sendo criticada pelo Sintep-MT por ter sido convocada pela Secretaria de Estado de Educação, via Diretoria Regional de Educação de Várzea Grande, durante o período de férias, o que não garantiria à escola uma mobilização completa de sua comunidade. O ano letivo terá início no estado no dia 6 de fevereiro. No momento, apenas professores e membros das escolas trabalham no planejamento pedagógico.

Para o sindicato, a agenda teve o objetivo de “impor” a militarização da unidade, que tem resistido ao processo desde o fim do ano passado, quando uma primeira assembleia foi realizada na unidade. “A comunidade escolar ainda está em período de férias onde os estudantes não estão nas unidades escolares”, reforçou o sindicato.

Uma primeira audiência foi realizada com a escola no dia 1 de dezembro, quando a proposta de militarização foi vencida pelo voto da comunidade escolar. É a segunda vez, portanto, que a PM tenta validar a proposta, sendo novamente derrotada por falta de adesão da maioria.

Um integrante da escola, que conversou com a reportagem sob anonimato, pôs em xeque a lisura da assembleia mais recente, alertando para uma suposta tentativa de aumentar os votos favoráveis à militarização. Segundo ele, a votação foi feita por aclamação, em vez de votos, e a PM teria levado cinco ônibus com integrantes favoráveis à proposta, para tentar garantir maioria – o que, novamente, não aconteceu.

A militarização das escolas no estado segue a Lei 11.273/2020, sancionada pelo governador Mauro Mendes (DEM), que regulamenta a criação ou a transformação de escolas públicas em unidades da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros.

A comunidade escolar destaca ainda que legislação vem descumprindo um de seus próprios dispositivos, que prevê que as escolas manifestem interesse em aderir ao projeto. “Nenhuma unidade de ensino da rede pública do Estado de Mato Grosso será obrigada a se tornar uma Escola Estadual Militar“, versa a lei em seu inciso 1, parágrafo 5º.

A escola Adalgisa de Barros atende cerca de 1400 alunos do Ensino Médios, nos turnos da manhã, tarde e noite. Os professores temem perdar em seu projeto político-pedagógico, calcado em protagonismo juvenil e diversidade.

O que dizem as instituições

Após o episódio, instituições que representam estudantes e professores se manifestaram em apoio à escola. “O incidente demonstra que a comunidade escolar sabe que a militarização não é positiva para os alunos. É preciso respeitar o conhecimento local”, declarou a presidente da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Jade Beatriz.

“A Ubes sempre esteve na linha da defesa dos estudantes e da desmilitarização. Defendemos uma escola democrática, plural e que abrace a diversidade dos estudantes”, completou.

A diretora de Finanças da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), professora Rosilene Corrêa, também lamentou a insistência com a militarização de instituições públicas, dando continuidade à política desempenhada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. “Depois de quatro anos de uma gestão militarizada por parte do governo, não só em escolas, não é possível que não se avalie que foi um fracasso, com danos enormes ao País, às pessoas e suas relações”, ponderou.

A representante argumentou ainda que o modelo não trouxe resultados às escolas, “nem mesmo naquilo que eles mais fazem propaganda, que é a disciplina, porque essa imposição a partir de um regime militar não transforma as pessoas e suas práticas, é momentâneo, só acontece enquanto se está cercado pela Polícia”.

Defendeu ainda a gestão democrática das escolas, com participação das comunidades, além de mais investimento nas unidades e consequente qualificação da oferta aos estudantes, e valorização dos professores e demais profissionais da educação.

“A nossa posição é a de que o Ministério da Educação deveria proibir as escolas cívico militares. A proposta, que é uma medida muito autoritária, vai  na contramão da educação emancipadora que tanto batalhamos. O MEC deveria se posicionar fortemente contrário a essa política, que é da militarização, não é cívico militar, é levar a polícia para dentro da escola, o que é uma inversão de papéis”.

O que diz a Secretaria de Educação

A Seduc-MT publicou uma nota em seu site repudiando o que chamaram de ‘desordem’ causada por integrantes do Sintep durante a audiência. O secretário de Estado de Educação, Alan Porto, considerou a audiência pública, desrespeitosa e ofensiva e justificou que a proposta era transformar o ato em espaço de diálogo democrático, de forma civilizada e com responsabilidade.

“Sob coordenação de pessoas sem qualquer compromisso com a educação, a audiência se tornou cenário de vandalismo e de descontrole emocional, o que é reprovável e não condiz com as práticas ensinadas a crianças e jovens em sala de aula”, declarou, ao justificar que o episódio não representou a vontade da comunidade.

O secretário declarou ainda que continuará “com o propósito e a obrigação de transformar a Educação Pública de Mato Grosso com equidade e compromisso com a qualidade”, e que “não será no grito ou com práticas violentas que vão interromper os avanços na educação pública no estado de Mato Grosso”.

CartaCapital questionou a pasta sobre a suposta estratégia utilizada de levar mais pessoas para a audiência com o intuito de garantir mais votos à militarização e se não há infração à lei ao insistir com a militarização da unidade, uma vez que a maioria da comunidade já se manifestou contra a proposta.

A secretaria alegou que “manifestantes liderados pelo Sintep-MT não permitiram que a primeira audiência, em 1º de dezembro, fosse concluída” e que, “de forma irresponsável e sem qualquer compromisso com o diálogo democrático, invadiram o evento aos gritos e com ameaças”.

“Diante do risco à vida dos representantes da Seduc-MT, estudantes, professores e demais profissionais da Educação, o evento foi interrompido e invalidado por não ter sido concluído conforme a convocação”, diz a pasta. Afirma, ainda, desconhecer a informação de que ônibus teriam sido enviados ao local para amplificar os votos favoráveis à militarização.

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