Por que o anúncio do MEC não garante o fim das escolas militarizadas no País

Especialistas ouvidos por CartaCapital reconhecem a importância de descontinuar o programa, mas destacam que a iniciativa do MEC não garante o fim da militarização da Educação no País

Créditos: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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O Ministério da Educação encaminhou um ofício aos secretários de Educação do País, na segunda-feira 10, anunciando o encerramento do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, criado pelo governo de Jair Bolsonaro em 2019.

A peça celebra uma ‘desmobilização’ de integrantes das Forças Armadas envolvidos no projeto ou trabalhando nas escolas vinculadas ao programa. Estratégias específicas de reintegração das unidades educacionais à rede regular serão definidas e planejadas por cada sistema de ensino.

Especialistas ouvidos por CartaCapital reconhecem a importância de descontinuar o programa, mas destacam que a iniciativa do MEC não garante o fim da militarização da educação no País, já que a maioria desses projetos tem sido comandados por estados e municípios e não pelo governo federal.

A professora Catarina de Almeida Santos, da UnB, que estuda a militarização das escolas, estima que hajam cerca de 800 escolas militarizadas pelo País – o número já pode ter passado de mil, dada a dificuldade da pesquisadora de checar os dados com os municípios. “Antes do programa criado por Bolsonaro, eram 200, em média”, observa.

Outro levantamento, feito em abril pelo MEC a pedido do professor Salomão Ximenes, da UFABC, indica que o Programa Nacional de Escolas Cívico Militares contemplou 223 escolas, em três modelos diferentes:

  • 126 unidades receberam apoio de pessoal, como o envio de militares das Forças Armadas;
  • 90 receberam recursos orçamentários; e
  • 7 eram mantidas por estados e municípios, recebendo apenas o reconhecimento do governo federal.

Comparando a diferença entre as duas pesquisas, nota-se que ao menos 600 escolas foram militarizadas por conta própria por governo estaduais e municipais. O Paraná é o estado com mais concentração dessas escolas – são 206 na rede estadual. Em segundo lugar aparece a Bahia, com 120 unidades (105 municipais e 15 estaduais), seguida por Goiás, com 124 escolas militarizadas (74 estaduais e 50 municipais).


Após o anúncio do fim do programa nacional, governadores de direita anunciaram a manutenção – ou, inclusive, a ampliação – das escolas militarizadas.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que editará um decreto para regular o próprio programa de escolas cívico-militares.

No Paraná, Ratinho Junior (PSD) anunciou que as 12 escolas atendidas serão incorporadas ao programa estadual. Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, também garantiu que a implementação do modelo continuará. O DF possui 12 escolas militarizadas em modelo próprio e quatro em parceria com o governo federal.

Em Minas Gerais, o governo de Romeu Zema (Novo) informou que as oito escolas que aderiram ao programa estadual permanecerão sob as mesmas diretrizes. Em linha semelhante está o Rio de Janeiro, sob o governo de Cláudio Castro (PL), que mantém 16 escolas militarizadas via programa estadual.

Santos e Ximenes veem o cenário com preocupação e cobram uma postura mais enfática do governo federal contra a militarização da educação – que, destacam, não encontra amparo na legislação educacional do País.

“É importante o anúncio do fim do programa, mas o seu encerramento não foi justificado pelo respeito aos princípios das diretrizes e das bases da educação nacional”, defende Ximenes, que completa: “A militarização da Educação é incompatível com o direito constitucional à Educação.”

Para Ximenes, o MEC adota uma postura omissa ao afirmar a autonomia de governadores e prefeitos para decidirem sobre a continuidade ou não de programas dessa natureza. “Isso não seria ‘tratorar’ ninguém, mas usar das ferramentas institucionais que o MEC tem para nortear, balizar a legislação educacional no âmbito nacional.”

“Se houvesse uma posição contra a militarização em si, isso exigiria uma tomada de providências do MEC – como, por exemplo, pedir um posicionamento do Conselho Nacional de Educação sobre esse parecer. No âmbito do CNE, como órgão normativo, se poderia estabelecer uma proibição à militarização das escolas por incompatibilidade com a legislação da educação brasileira.”

Catarina Santos ressalta que o cenário gera uma falsa autonomia para governadores e prefeitos, “à base da ilegalidade, porque esses programas são ilegais”.

Em uma nota técnica lançada em 12 de julho sobre o Programa Nacional das Escolas Cívico Militares, a Secretaria de Educação Básica do MEC reconhece que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação não trazem “menção ou estratégia que pretenda incluir as Forças Armadas como partícipes dos esforços de política educacional na educação básica regular”.

No mesmo documento, a pasta diz que a manutenção do programa não é prioritária e recomenda a revogação do decreto 10.004/2019, editado por Jair Bolsonaro, que instituiu o programa, bem como a suspensão de todas as portarias e normas a ele vinculadas. Um dos decretos ligados ao programa, também de autoria do ex-presidente, autorizou a atuação de policiais militares e bombeiros da ativa nas escolas cívico-militares de educação básica do País.

Em declaração à imprensa, o ministro da Educação, Camilo Santana, negou que a decisão de finalizar o programa federal tensione a relação do Ministério da Educação com os governadores. O ministro afirmou que será encaminhada uma transição junto a governadores, prefeitos e secretários, e que estudantes e familiares não serão prejudicados; garantiu ainda que os profissionais das escolas cívico-militares contempladas pelo programa continuarão sendo pagos normalmente até o final deste ano letivo.


Camilo também detalhou outros apontamentos técnicos feitos sobre o programa e que ancoram a decisão pela sua descontinuidade.

“Na comissão de transição do governo do presidente Lula já havia orientação de encerrar o programa. Não há base legal para o Ministério da Educação, que repassa dinheiro para o Ministério da Defesa, pagar profissionais para estarem nas escolas dos municípios e estados. Esse é o primeiro ponto”, explicou o ministro, que ainda elencou fatores de baixa adesão e desigualdade salarial entre os professores.

“Quando o programa foi lançado a adesão foi muito pequena, 202 escolas, comparadas com as mais de 138 mil escolas que nós temos, estamos falando de 0,14% das escolas brasileiras da rede. Depois, os recursos que foram repassados para estados e municípios para melhorar a infraestrutura das escolas foi gasto 0,24% de algo em torno de 250 milhões de reais”, ponderou.

“Outro ponto questionado pela equipe técnica é a desigualdade salarial. Veja bem, você hoje tem um professor dentro de uma mesma escola ganhando de 4,5 a 5 mil reais, e você trás um aposentado, militar, militar para ganhar 9 mil reais. Isso criou também uma distorção salarial importante na valorização da carreira de professor”.

 

O que diz a Justiça

O Judiciário tem sido provocado a se manifestar sobre a militarização da educação e a presença de agentes das forças de segurança nas escolas. Em abril de 2021, o PT, o PSOL e o PCdoB ajuizaram no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (a ADI 6791) contra a lei paranaense que estabelece o Programa Colégios Cívico-Militares no estado. A ação foi distribuída ao ministro Dias Toffoli e segue sem previsão de votação.

Também há manifestações da Justiça estadual sobre o tema. Em outubro de 2022, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a Lei Estadual 17.359/2021, que autorizava a implantação do modelo de escola cívico-militar na rede estadual de ensino. O projeto de lei, proposto pelo deputado Tenente Coimbra (PSL), foi sancionado pelo então governador João Dória (PSDB). O entendimento da Justiça foi que só o Poder Executivo tem legitimidade para propor leis sobre a rede pública de ensino.

Em abril deste ano, o TJ-SP também suspendeu os efeitos de uma lei que instituiu o ensino cívico-militar no município de Santa Fé do Sul, no oeste paulista. O tribunal atendeu a um pedido realizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e concedeu uma liminar.

Em seu parecer, o relator, Xavier de Aquino, afirmou que a lei “parece desatender à Lei de Diretrizes Básicas da Educação e ao artigo 206 da Constituição Federal”, a tratar sobre a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e sobre o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.

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1 comentário

JOSE ROBERTO SIMOES LOPEZ 14 de julho de 2023 11h45
Basta que os diplomas fornecidos por estas instituições, não sejam reconhecidos pelo MEC, nem aceito em faculdades do território nacional.

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