Educação

Paraná é o estado mais entusiasmado com as escolas militares

Em 2021, serão 215 escolas públicas militares em 117 municípios do estado

(Foto: Arnaldo Alves/SEED/GOVPR)
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O governador do Paraná, Ratinho Jr., recrutou a tropa. Um decreto publicado no Diário Oficial do Estado de 27 de novembro convocou 806 policiais aposentados a integrar o Corpo de Militares Estaduais Inativos Voluntários que vão atuar no programa Colégios Cívico-Militares. Sancionado em 20 de outubro de 2020, o projeto paranaense alinha-se às diretrizes básicas do Ministério da Educação, que, em setembro de 2019, na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, lançou, em parceria com o Ministério da Defesa, as bases para a militarização de centenas de escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio. No Paraná, em 2021, serão 215 escolas públicas, em 117 municípios.

O processo foi montado a toque de caixa. Ratinho Jr. enviou o projeto à Assembleia Legislativa em regime de urgência, sem qualquer discussão em audiências públicas ou debates com a sociedade. Aprovado, foi transformado em lei e publicado no Diário Oficial de 23 de outubro. Quatro dias depois, iniciou-se a consulta dos responsáveis pelos alunos, prevista em lei para durar dois dias, ou seja, 48 horas. “Muitas escolas não sabiam que estavam na lista para se transformar em estabelecimentos militares.

A maioria dos pais não tinha sequer conhecimento do que se tratava”, afirmou o deputado estadual Tadeu Veneri, do PT. A pressão pela aceitação da medida foi brutal. Veneri define como um circo de ilegalidades. Os representantes do estado foram buscar pais de alunos em casa para votar. “O sufrágio foi aberto, à vista de todos. A coação sobre os professores e funcionários das escolas foi enorme.

Chegou-se ao cúmulo de prometerem aos diretores das escolas serem ‘eternizados’ no cargo, caso sua escola aceitasse a militarização.” Vale lembrar que, no modelo cívico-militar, não haverá mais eleição para a escolha dos diretores. O organograma das escolas prevê um diretor-geral e um diretor-auxiliar, ambos servidores públicos indicados pela Secretaria de Educação. A novidade é a inclusão de um militar para a atribuição de diretor cívico-militar, assessorado “por dois (…) até o limite de quatro militares para a função de monitores”. Conforme prevê o Capítulo IV da Lei, “o diretor cívico-militar exercerá a gestão na área de infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança, disciplina e atividades cívico-militares”.

A implantação deste modelo, diz o deputado, será um retrocesso sem precedentes. “A escola militarizada exclui alunos portadores de deficiência física ou mental, aqueles que não aceitam as regras disciplinares impostas pelos militares ou que estejam cursando o Ensino de Jovens e Adultos.” Veneri questiona os motivos que levaram o governo a instalar um número absurdamente alto de escolas militares no Paraná. “Serão mais de 200, mais de 100 mil alunos com idade entre 9 e 17 anos regidos por manuais militares.” Uma verdadeira lavagem cerebral. Para se ter uma ideia desse desequilíbrio, o projeto do governo federal prevê, segundo o MEC, implantar 215 escolas, em todo o País, até 2023.

As escolas não receberão dinheiro para melhorias estruturais ou de material de ensino e apoio. O governo do Paraná prevê apenas o repasse de 65 milhões de reais em 2021. Parte desses recursos, 40 milhões, será investida na compra de novos uniformes, ou fardas no estilo militar que os alunos deverão usar. Outros 25 milhões serão destinados ao pagamento de “auxílios financeiros para pessoas físicas”. Trocando em miúdos, pagamento de “diárias especiais por atividades extrajornadas voluntárias” para engordar os soldos dos militares.

Hermes Silva Leão, presidente do sindicato estadual dos professores, também desaprova a iniciativa. “Faltou diálogo com os professores, com os educadores, com os servidores, com os pais e alunos. A proposta só se tornou pública quando foi lida na Assembleia Legislativa. Nenhuma entidade foi consultada. O governador aproveitou o período de pandemia para passar um tratoraço na educação, prática covarde e digna das ditaduras.” A socióloga Simone Meucci, professora da Universidade Federal do Paraná, destaca o fechamento de cursos noturnos. É um dos efeitos mais nefastos, segundo ela, na vida escolar de milhares de estudantes. “Isso terá como consequência imediata a evasão de quem trabalha e não tem meios para se deslocar a escolas mais distantes.” A resolução do governo, lembra, desrespeitou a lei ao incluir na listagem escolas que ofertam ensino noturno e que, por essa razão, deixarão de oferecer milhares de vagas.

A acadêmica aposta em um aumento da evasão escolar por conta da imposição de um ambiente militar hostil à pluralidade de ideias, das vivências da juventude contemporânea e de um conteúdo escolar que figura mais como adestramento intelectual, comportamental e moral do que instrumento para a reflexão. “É importante refletir sobre a natureza da disciplina proposta.”

Na lei que orienta o programa, o pressuposto mais ou menos explícito é de que a disciplina será resultado da intervenção militar e não de um ambiente construído por profissionais de diversas especialidades, que fundamentam a autoridade com base na empatia, no conhecimento e na divisão do trabalho pedagógico. Uma sociedade que pretende ter instituições estáveis e almeja a pacificação, relata a socióloga, exige que o processo educacional produza jovens capazes de refletir sobre efeitos sociais e de sua própria conduta.

Para o secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, em resposta encaminhada a CartaCapital pela assessoria de imprensa, não há no programa ideologização nem influência do pensamento militar. “O que se prega é a liberdade e o apreço à tolerância.” A respeito da função específica dos militares no organograma das escolas, Feder afirmou: “Eles vão auxiliar o diretor na questão disciplinar e demais atividades da área”. Não justificou a contento os motivos da ambiciosa proposta em criar 215 escolas. “O programa foi criado para ofertar uma nova modalidade de ensino aos paranaenses.” E nada mais.

Publicado na edição n.º1137 de CartaCapital, de 23 de dezembro de 2020

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