Educação

“O mais empolgante está por vir. Só começamos a escutar o espaço-tempo”

Segundo Rodrigo Nemmen (USP), descoberta faz Astronomia não ficar restrita a ondas eletromagnéticas para o estudo do universo

Rodrigo Nemmen
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Tida como a maior descoberta científica das últimas décadas, a recente detecção das ondas gravitacionais, perturbações no espaço-tempo previstas pela centenária Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, promete revolucionar a forma como entendemos e desvendamos o universo ao possibilitar um novo instrumento para seu estudo.

Professor de Astrofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Rodrigo Nemmen explica: “Tradicionalmente, na Astronomia, dependemos da observação da luz do universo para aprender sobre seus eventos. Com essa descoberta, temos um novo tipo de Astronomia, baseada não em ondas eletromagnéticas, mas em ondas gravitacionais. Agora não apenas somos capazes de enxergar o universo, mas de escutar o espaço-tempo”.

Em conversa com Carta Educação, o cientista falou sobre as características desse fenômeno cósmico, os desdobramentos que a comprovação de sua existência trará para a Ciência, além de como abordar um tema tão complexo em sala de aula.

Leia abaixo a entrevista:

Carta Educação: Primeiramente, o senhor poderia explicar no que consistem as ondas gravitacionais?

Rodrigo Nemmen: Para falar sobre as ondas gravitacionais, primeiro é preciso falar da Teoria da Relatividade Geral formulada há 100 anos por Albert Einstein. Essa teoria fornece a base para nossa compreensão atual de como a gravidade funciona. O que Einstein nos ensinou sobre a gravidade, e que destruiu a visão newtoniana, é que a gravidade corresponde a uma curvatura do tecido espaço-tempo. De acordo com Newton, o espaço e o tempo eram entidades absolutas e imutáveis. E Einstein nos ensinou que, na verdade, o espaço é deformado pela presença de massas.

Uma maneira de visualizar isso é imaginar o espaço como se fosse um trampolim. Sem a presença de massa, ou seja, sem ninguém pisando no trampolim, ele fica plano. Mas quando você introduz uma massa no espaço seria o equivalente a uma pessoa subir no trampolim, ele vai ser deformado. É mais ou menos isso que acontece com, por exemplo, a presença de uma estrela, um buraco negro ou outro astro no espaço. Essa visão da gravitação tem várias consequências. Uma delas é que se as massas possuírem movimentos e acelerações intensas, elas deformarão o espaço ao seu redor e emitir ondas de deformação que viajarão no espaço. Essas são as chamadas ondas gravitacionais: ondas de deformação da estrutura do espaço causadas pelo movimento intenso dos astros.

CE: Que tipo de movimento intenso pode ser esse?

RN: Quando estrelas explodem ou quando buracos negros colidem, por exemplo. Esse tipo de fenômeno gera essas ondas que viajam pelo espaço. A analogia é imaginar a superfície de um lago absolutamente tranquilo e, então, você se desloca até seu centro e começa a bater na superfície da água periodicamente. E a sua experiência diz que você vai gerar ondas na superfície, que se iniciam do ponto em que você está batendo e viajam para todas as direções. É mais ou menos isso o que acontece com as ondas gravitacionais, mas substituindo a mão pelo movimento violento de astros, e a onda se propagando não na água, mas no vácuo.

CE: E quais efeitos as ondas gravitacionais geram?

RN: Elas perturbam o espaço-tempo. Vou exagerar muito o efeito de uma onda gravitacional para ficar mais claro. Se tiver uma onda gravitacional passando aqui na Terra, a consequência é que ela vai deformar periodicamente o tamanho de objetos. Faria espichar para um lado depois encurtar e depois espichar na direção transversal e depois encurtar, e assim por diante. Ela causa uma oscilação nas distâncias. Sabe esse joão-bobo de posto de gasolina? Dá para comparar grosseiramente. Na realidade, claro, essa deformação é muito sutil, muito pequena e, portanto, difícil de detectar.

CE: E foi o que finalmente aconteceu por meio do Ligo (Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser)?

RN: Isso. A interação gravitacional é muito fraca. Por exemplo, nós estamos sendo puxados em direção ao centro da Terra por todo o planeta. Então é necessária toda a massa do planeta para nós sentirmos o efeito da gravidade. Agora, ondas gravitacionais são ainda mais difíceis porque você precisa de um evento extremamente violento e explosivo no universo, envolvendo grandes deslocamentos de massa, para gerar uma quantidade detectável. Então, o aparato instrumental necessário para detectar a deformação causada pela passagem passagem das ondas gravitacionais precisa ter uma precisão absurda. E é aí que entra o Ligo.

CE: Como esse instrumento funciona?

RN: Ele usa uma técnica chamada de interferometria a laser. O Ligo tem dois canos perpendiculares de 4 km de comprimento e, usando raios de laser refletidos em espelhos, mede as deformações espaciais que esses dois canos sofrem. Só que a precisão da medida é imensa. Essa técnica é capaz de medir deslocamentos menores do que um próton. Portanto, até mesmo caminhões passando a quilômetros de distância dos sítios onde esses aparatos estão localizados causam uma vibração que podem interferir na medida. Se houver um abalo sísmico em Tóquio, eles conseguirão medir lá no Ligo, que entre as cidades americanas de Livingston, em Louisiana, e Hanford, no estado de Washington. Os físicos e engenheiros que trabalham lá precisam filtrar todas essas interferências.

CE: Qual foi o evento cósmico que gerou essa onda gravitacional detectada pelo Ligo?

RN: Foi um ballet de dois buracos negros que estavam girando ao redor do outro em rota de colisão. À medida que foram se aproximando, a velocidade de movimento deles foi se aproximando da velocidade da luz, e esse movimento foi tão violento que criou ondas gravitacionais extremamente intensas emitidas em todas as direções. Essas ondas viajaram mais de 100 milhões de anos-luz no espaço e durante um 1 bilhão de anos do nosso tempo até chegar à Terra.

CE: O que essa validação muda para a Astronomia e para a Ciência, de maneira geral?

RN: A grande importância dessa descoberta é que representa o início de uma revolução na Astronomia, pois abriu uma nova janela para a observação do universo. Tradicionalmente, na Astronomia, dependemos da observação da luz do universo para aprender sobre seus eventos. Com essa descoberta, temos um novo tipo de Astronomia, baseada não em ondas eletromagnéticas (como a luz), mas em ondas gravitacionais.

Agora não apenas somos capazes de enxergar o universo, mas de escutar o espaço-tempo. Poderia dizer que observar ondas gravitacionais corresponde a escutar a sinfonia do espaço-tempo. Essa descoberta possibilitará estudar os fenômenos mais misteriosos e energéticos do universo, por exemplo, os buracos negros. Com essas novas observações, podemos fechar a enciclopédia da gravidade. O mais empolgante ainda está por vir, nós só começamos a escutar o espaço-tempo.

CE: Como essa notícia e o fenômeno das ondas gravitacionais podem ser levados para a sala de aula? Muda algo nas aulas de Física?

RN: Quando os alunos de Ensino Médio escutam falar em ondas gravitacionais, buracos-negros, escutar a sinfonia do espaço-tempo, isso os deixa intrigados. Acredito que a notícia despertará uma curiosidade pela Ciência, Física e Astrofísica nos alunos, o que é extremamente importante nessa etapa da vida acadêmica. Despertar essa sede por conhecimento. Uma vez que você desperta essa chama, os alunos vão atrás. Mas, claro, a Teoria da Relatividade Geral é muito complexa, não é possível vê-la em profundidade nessa fase da escola.

O que é possível levar para a sala são as analogias, o conceito por trás disso tudo. Então, o conceito da gravitação como uma deformação no espaço-tempo e o conceito de onda gravitacional. Há também experimentos que são possíveis de fazer. Por exemplo, pegar uma meia-calça, esticá-la e colocar um pequeno peso sobre que vai causar uma deformação nessa membrana. Essa é uma experiência boa para ilustrar a curvatura do espaço-tempo pela presença de massas. Outras opções são levar os alunos para museus de ciências que tenham maquetes que ilustrem esse fenômeno ou mesmo usar metáforas como a do lago.

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