Disciplinas

O funk 
na escola

Uma proposta livre de preconceitos para analisar 
e vivenciar suas diversas narrativas e modos de dançar

Baile funk
Tematizar a dança permite colocar os jovens como sujeitos de sua representação social funk escola dança representação social preconceito narrativa periferia
Apoie Siga-nos no

As origens do funk remontam aos campos agrícolas norte-
americanos onde labutavam os negros libertos. Migrando para os centros urbanos, os cantos de trabalho misturaram-se aos cânticos religiosos, gerando o soul. Este teve em James Brown um grande ícone, cujas influências marcaram diversos artistas em várias partes do mundo.

Nos anos 1960, os acordes e batidas de Elvis, Chuck Berry e Little Richard enchiam os bailes dos clubes e associações de bairro, transformados em opções de lazer para a juventude da periferia das grandes cidades interessada na afirmação da própria identidade e no reconhecimento social. Alertas à força desse movimento, as rádios passaram a disseminar a chamada música negra.

Leia atividade didática de Educação Física inspirada neste texto

Anos do Ciclo: 8º e 9º
Objetivos de aprendizagem: Reconhecer a diversidade cultural presente nas danças, compreendendo-as como fruto das diferenças culturais de modo a evitar o preconceito; Diferenciar os elementos constituintes das danças: passo, movimento ritmado e construção coreográfica

[bs_citem title=”Leia Mais” id=”citem_5422-8f97″ parent=”collapse_e98f-4f2c”]

1. Mapeie os conhecimentos que os alunos possuem sobre o funk, com especial atenção para as características dos seus representantes.

2. Convide a turma a levar para a escola as músicas que conhecem e gostariam de dançar, gravadas em CD, iPad, pen drive ou smartphone.

3. Divida a turma em grupos, alternando momentos de vivência e leitura da dança. As vivências podem ser filmadas.

4. Propicie a socialização e discussão dos posicionamentos dos alunos.

5. Selecione vídeos de diferentes tipos de funk disponíveis na internet ou em outras mídias. Apresente-os à turma e peça para estabelecerem comparações com as formas de dançar do grupo.

6. Oriente a identificação dos elementos que caracterizam o funk.

7. Levante as dúvidas que surgirem e proponha a realização de uma pesquisa em busca das respostas. Planeje o momento de exposição dos resultados.

8. A partir de uma temática combinada com a turma, sugira ao grupo a composição de músicas e suas respectivas coreografias.

9. Organize a apresentação das produções dos alunos para as demais turmas da escola.

[/bs_citem]

O advento do hip-hop nos anos 1970 revolucionou a música negra e modificou comportamentos.

Nascido no Bronx, um bairro pobre de Nova York, difundiu-se rapidamente pelo Ocidente, alcançando as periferias das metrópoles brasileiras. Dentre suas inovações destacou-se a discotecagem autoral, que consistia na criação de músicas ao vivo pelo DJ (Disc Jockey) com o recurso da mixagem.

O som eletrônico e a colagem de músicas geraram o clima propício para o surgimento do break dance ,ou simplesmente break, cuja gestualidade se inspirava em James Brown e acrescentava movimentos rápidos de pernas e performances próximas ao chão.

Enquanto os concursos de break  tornavam-se habituais na programação das emissoras de tevê, os dançarinos agitavam as massas que frequentavam os bailes. A tendência deu origem ao MC (Master of Cerimony). Além dos já citados, o hip-hop contribuiu com mais um elemento para o funk, o rap, um discurso ritmado em forma de poesia pronunciada pelo rapper.

Ainda na década de 1970, o soul de Tim Maia, recém-chegado de uma temporada nos Estados Unidos, e as coreografias executadas por Toni Tornado conquistavam adeptos.

Reunindo centenas de jovens e definindo os rumos da cultura da periferia, as equipes de baile do Rio de Janeiro (Furacão 2000, Cashbox, Black Power e Arte Negra, entre outras) inspiravam-se nos dois principais representantes da música negra brasileira e se apresentavam nos eventos patrocinados pelo poder público, que via na iniciativa uma forma eficaz de manter os jovens da periferia afastados das zonas ricas da cidade, nas quais as noites eram animadas ao som das discotecas.

A fusão do soul com a disco music ou, em francês, discothèque, gerou a disco-funk. O gênero chegou ao Brasil nos anos 1980, tendo em Michael Jackson seu principal expoente. No mesmo contexto, surgiu o charme, uma música romântica tocada nos intervalos da batida sincopada, convidando os frequentadores a executar coreografias mais elaboradas.

No Rio de Janeiro, o funk recebeu mais uma influência importante: o Miami bass. Trata-se de um estilo de música eletrônica com batida continuada, dança acelerada e letras de conteúdo sexual. Como contraponto surgiu o funk melody, opção daqueles que preferem um ritmo mais intenso e dançante, com vocais e arranjos melódicos e românticos vistos como pura poesia.

O funk chegou a São Paulo por meio da Baixada Santista, onde, ao longo dos anos 1990, equipes de som reproduziram o visual e o formato das congêneres cariocas e disseminaram o estilo nos bailes das comunidades.

Em busca de uma identidade paulista que representasse a população da periferia da metrópole, surgiu o funk ostentação como forma de resistência às músicas que fazem apologia do consumo de drogas, sexo e criminalidade.

Inspirado nos rappers americanos, o funk ostentação enaltece sinais de luxo e riqueza. Os clipes retratam MCs que usam correntes de ouro, possuem motos e automóveis caros e se fazem acompanhar de mulheres bonitas.

É uma forma de representar os desejos de uma parcela dos jovens da periferia e divulgar um projeto de vida possível através da música. Produzidas como a voz dessa população, as letras apelam para o seu fortalecimento identitário, afastando-a da violência.

Não há como negar que os funkeiros perceberam um grande filão de mercado praticamente ignorado pela indústria cultural. Ao narrar a realidade e sonhos da periferia, atingiram um público gigantesco e transformaram o funk em um produto altamente rentável e consumível também pelos setores médios. Veja-se sua presença maciça nos meios de comunicação e a transformação dos seus protagonistas em celebridades.

Esse breve apanhado histórico evidencia que o funk, assim como qualquer outra dança, é uma das formas utilizadas pelos grupos culturais para expressar ideias e sentimentos. Por meio da dança, as pessoas atribuem significados às próprias experiências e narram seu modo de entender o mundo.

O funk nada mais é do que um artefato cultural, um produto das relações existentes na sociedade, um texto passível de leitura e significação. A análise dos seus signos permitirá identificar os valores, procedimentos e características dos seus representantes.

Para um trabalho pedagógico centrado no funk, inversamente à tradicional abordagem restrita à fragmentação e ensaio de coreografias, o que se propõe é a tematização. Isso inclui, além da vivência, a análise e discussão de seus inúmeros aspectos (história, tipologia, vestimentas, transformações, gestos utilizados etc.)

Tematizar o funk nas aulas contribuirá, em primeiro lugar, para que os estudantes que apreciam o estilo se reconheçam como sujeitos. Não é segredo que as relações de poder posicionam algumas danças como desejáveis enquanto outras são desconsideradas ou até censuradas na escola. Evidentemente, isso precisa ser discutido. Analisar a representação social dessa dança ou de qualquer outra é uma atividade de ensino imprescindível. Isso implica investigar o teor dos discursos das mídias, autoridades, movimentos sociais e grupos étnicos, sem esquecer aqueles que habitam o ambiente escolar.

Um olhar desatento à variedade que caracteriza o funk pode gerar a falsa impressão da exclusividade de letras de cunho erótico. O que não passa de um posicionamento reducionista.

Há o funk carioca, funk melody, new funk, funk gospel, techno, pancadão e batidão, entre tantos outros. Para deslocar os alunos da mera condição de consumidores e reposicioná-los como produtores culturais, sugere-se a promoção de situações didáticas em que vários modos de dançar funk sejam confrontados com os conhecimentos do grupo e os argumentos disponíveis em vídeos, documentários, livros, jornais e revistas.

Ao tomar contato com diferentes representações sobre o estilo e conhecer os sentidos que lhe foram (e são) atribuídos em diferentes tempos e lugares, a parcela da turma que vê o estilo com comedimento terá oportunidade de desmistificá-lo. Visões distorcidas sobre o funk e sobre os funkeiros serão revistas, fazendo surgir outra forma de compreender essa prática cultural e os seus protagonistas. No mínimo, os estudantes aprenderão a questionar os discursos que contribuem para a alienação.

Evidentemente, também é necessário desenvolver atividades que proporcionem a vivência e a criação de novas formas de dançar. A coreografia, o tema, o ritmo e a letra devem ser definidos coletivamente. Durante todo o processo, é imperativo que a produção dos alunos seja submetida a análise e discussão.

Um trabalho sério e pedagógico com a dança requer que se identifiquem os significados que ela dissemina por meio da gestualidade, dos conteúdos das letras e, principalmente, os setores que se beneficiam com a sua comercialização.

Essa postura afasta por completo a ingenuidade nutrida por aqueles que atribuem às práticas culturais um caráter essencialista e concebem o funk como traço exclusivo de um grupo social.

*Marcos Garcia Neira é professor da Faculdade de Educação da USP. Coordenador do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar

[bs_citem title=”Saiba Mais” id=”citem_5422-8f97″ parent=”collapse_e98f-4f2c”]

Batidão: Uma história do funk, , Silvio Essinger. Rio de Janeiro: Record, 2005

Práticas Corporais: Brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas, de Marcos Garcia Neira. São Paulo: Melhoramentos, 2014

[/bs_citem]

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo